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"Os
homens da terra, homens negros, vestem roupas de algodão
fino e de seda, bem como muitas outras finas coisas"
A
terra da Arábia
Uma
tempestade tão grande que quatro naus se perderam
No dia seguinte, 2 de maio do dito ano, a armada fez-se de vela
pelo caminho, para fazer a volta do cabo da Boa Esperança.
Tal caminho seria no golfo do mar, mais de 1.200 léguas,
cada légua equivalendo a 4 milhas. Aos 12 dias do mês
de maio, apareceu em nosso trajeto, rumando em direção
à Arábia, um cometa com uma cauda muito comprida,
que nos acompanhou durante oito ou dez noites.
No domingo, 24 do dito mês de maio, aproveitando o bom vento,
toda a armada seguia junta, com as velas a meio mastro e sem moneta
-em razão da chuva que caíra no dia anterior-, quando
subitamente veio um vento tão forte pela vante, que só
o notamos quando as velas ficaram atravessadas nos mastros.
Perdemos, então, sem que pudéssemos oferecer qualquer
ajuda, quatro naus com tudo a bordo. As sete embarcações
restantes também quase se perderam. Passamos todo aquele
dia tomando o vento de popa, com os mastros e velas rotas, e implorando
a misericórdia de Deus. O mar cresceu de tal modo que parecia
que galgaríamos aos céus. Subitamente o vento mudou,
mas a tempestade caía com uma intensidade tamanha que não
nos sentíamos encorajados a dar velas ao vento. Em meio a
essa tormenta, perdemos de vista uma nau do comboio. A nau do capitão
e outras duas naus tomaram uma direção, uma nau de
nome "El-Rei", seguida de mais duas, tomaram outra, e
uma nau sozinha tomou um terceiro caminho. E assim passamos 20 dias
de tempestade, sem dar uma única vela ao vento.
De
Sofala, uma mina de ouro
A 16 de junho (6), avistamos a terra da Arábia. Lançamos
âncora junto à costa e apanhamos alguns peixes. Havia
muitos doentes a bordo e ninguém desembarcou. Pudemos ver,
no entanto, que essa terra é muito povoada. Pusemo-nos a
navegar, com bom tempo, ao longo da costa e avistamos grandes rios
e muitos animais, o que nos levou a concluir que todos os lugares
eram habitados.
Avançamos um pouco mais e demos com Sofala, que é
uma mina de ouro. Encontramos aí algumas pessoas que estavam
em duas naus mouras, ancoradas próximo a duas ilhas. As embarcações
vinham da mina de ouro e dirigiam-se para Melinde. Mal as naus mouras
nos avistaram, puseram-se a fugir, indo dar muito perto da terra.
As tripulações atiraram-se ao mar, nadando em direção
à praia, e jogaram também ao mar as mercadorias que
traziam, a fim de evitar que lançássemos mão
delas. Depois de capturarmos as duas embarcações,
o nosso capitão ordenou que o capitão do navio mouro
fosse trazido à sua presença, pois desejava saber
de onde era aquela gente. O prisioneiro respondeu que era um mouro,
primo do rei de Melinde, e que as naus, vindas de Sofala, eram de
sua propriedade. Disse ainda que trazia a bordo sua mulher, a qual
seguramente havia morrido afogada em companhia de um dos seus filhos,
quando tentava fugir para a terra. Ao saber que ele era primo do
rei de Melinde, um rei considerado amigo, o capitão da nossa
armada lamentou muito o ocorrido, fez-lhe muitas honras e ordenou
imediatamente que os navios e tudo o que traziam lhes fosse devolvido.
O capitão mouro perguntou ao nosso capitão se trazíamos
a bordo algum encantador que pudesse resgatar do fundo do mar todo
o ouro que havia sido atirado ali. O nosso capitão respondeu
que éramos cristãos e que, entre nós, tais
coisas não eram costume.
Prosseguiu a conversa interrogando o mouro acerca de Sofala, lugar
que ainda não havia sido descoberto e era conhecido somente
de nome. O mouro informou-lhe que em Sofala havia muito ouro, informou-lhe
também que a mina pertencia a um rei mouro residente na ilha
de Quilôa. Essa ilha, segundo ele, ficava no caminho que deveríamos
tomar, e Sofala, atrás de onde estávamos. O capitão
deixou, então, que o mouro partisse e seguimos em frente.
No dia 20 de junho (7), alcançamos uma ilha pertencente ao
rei de Sofala, denominada Moçambique. Entre a pequena população
local há ricos mercadores. Dessa ilha, que é próxima
da terra e conta com um excelente porto, levamos provisões
e um piloto para conduzir-nos a Quilôa. Partimos com esse
rumo, navegando junto à costa. Ao longo do caminho, deparamos
com muitas ilhas habitadas, todas pertencentes ao mesmo rei.
Alcançamos Quilôa no dia 26 do dito mês, restavam
somente seis velas, a outra, não mais conseguimos encontrar.
A ilha de Quilôa, situada muito próximo da terra firme,
é pequena e agradável. As casas são altas como
em Espanha e, entre os habitantes, há ricos mercadores, detentores
de muito ouro, prata, âmbar, almíscar e pérolas.
Os homens da terra, homens negros, vestem roupas de algodão
fino e de seda, bem como muitas outras finas coisas.
De como o capitão, depois de receber salvo-conduto, conversou
com o rei
Logo que chegamos a Quilôa, o capitão mandou pedir
ao rei um salvo-conduto, pedido que foi de pronto atendido. De posse
do salvo-conduto, o capitão enviou à terra, em embaixada,
Afonso Furtado, acompanhado de sete ou oito homens bem vestidos.
Eles estavam instruídos a dizer que os navios eram do rei
de Portugal, que vinham para comerciar com a cidade e que traziam
mercadorias variadas, que lhes iriam agradar. Deveriam também
comunicar ao rei que o capitão teria grande prazer em encontrá-lo.
Em resposta, o rei mandou dizer ao capitão que estava muito
contente e que o encontraria no dia seguinte, caso estivesse pronto
para desembarcar. Afonso Furtado replicou que o capitão tinha
ordens explícitas do rei para não desembarcar e que
o melhor seria que, dos seus batéis, conversassem. E assim
ficou combinado.
No dia seguinte, o capitão pôs-se pronto com toda a
sua gente. Naus e batéis estavam com todas as bandeiras hasteadas
e com as artilharias e arautos preparados. O rei do lugar, por sua
vez, com grande festa e alvoroço, à maneira local,
preparou as suas almadias. O capitão avançou com suas
trombetas e pífaros.
Avistaram-se um ao outro e, quando estavam prestes a encontrar-se,
as bombardas das naus dispararam. O barulho soou tão alto
que tanto o rei como aqueles que o acompanhavam ficaram estupefatos
e assustados. Depois de muito falarem, pediram licença um
ao outro e se retiraram.
O capitão voltou para o seu navio e, no outro dia, mandou
novamente à terra Afonso Furtado, para dar início
à negociação. Afonso Furtado, no entanto, encontrou
o rei com uma disposição contrária àquela
que manifestara ao capitão. O monarca dizia agora que as
nossas mercadorias não lhe interessavam e que suspeitava
que fôssemos corsários. Furtado transmitiu a mensagem
ao capitão e, durante dois ou três dias, ficamos sem
absolutamente nada para fazer. Eles, por seu lado, também
nada faziam, limitando-se a mandar gente da terra firme para a ilha,
movidos certamente pela preocupação de que a tomaríamos
pela força. Diante disso, o capitão mandou que nos
puséssemos a caminho de Melinde. Encontramos, ao longo da
costa, uma série de ilhas habitadas por mouros, inclusive
uma cidade chamada Mombaça, cujo rei é mouro. Toda
essa costa da Arábia é habitada por mouros. Dizem,
porém, que tanto na ilha quanto em terra firme há
cristãos, contra quem movem muitas guerras. Nós, no
entanto, não vimos nenhum.
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mais: Em
Melinde
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