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O
SUPERPADRE
O orador de dois mundos
MARILENE
FELINTO
enviada especial a Portugal
Passados
300 anos de sua morte -em 18 de julho de 1697-, o padre português
Antônio Vieira ainda é festejado na metrópole
e na ex-colônia como o mais extraordinário fenômeno
cultural luso-brasileiro do século 17, senão da própria
cultura que haveria de se formar a partir do encontro daqueles dois
mundos.
Em Portugal, o terceiro centenário de Vieira está
incluído no âmbito das comemorações dos
500 anos dos Descobrimentos portugueses, que começaram neste
ano e se estendem até o ano 2000. De norte a sul, de Coimbra
a Lisboa, atravessa o país uma série de eventos e
iniciativas que culminarão no lançamento da ainda
inédita "Clavis Prophetarum" (Chave dos Profetas),
recém-traduzida do latim, e do primeiro volume da primeira
edição crítica de sua obra.
No Brasil, outros tantos congressos, colóquios, encontros
e exposições preenchem a movimentada agenda em memória
do jesuíta.
No centro das comemorações está, evidentemente,
a eternidade da obra vieiriana, motivo de inesgotáveis investigações
críticas, a mais perfeita realização do barroco
de expressão portuguesa no que ela encerra de cosmovisão
e força literária.
Os 15 volumes de sermões ("Sermões", 1679-1697),
as centenas de cartas ("Cartas"), a "História
do Futuro" (1718), a "Chave dos Profetas" (inacabada),
entre outras obras, formam um impressionante testemunho político
e literário do espírito barroco que aspirava à
unificação de valores medievais (o teocentrismo) com
os valores católicos ou do antropocentrismo quinhentista.
Vieira passou 62 anos de sua vida dedicado à atividade religiosa
e literária que daria ao idioma português o mais esmerado
dos tratamentos, o mais aprimorado domínio da técnica,
a expressão mais vigorosa de que já se teve notícia.
Mas, no caso de Vieira, a obra não se separa, até
hoje, da imagem do super-homem de uma época, ainda que persista
a dúvida de classificação, sobre se o jesuíta
é "homem barroco refletido pelo próprio escritor
barroco ou o escritor barroco identificado no homem barroco"
(José Aderaldo Castello).
Trezentos anos depois de sua morte, continua de pé nos púlpitos
das igrejas portuguesas e brasileiras a imagem do orador incomparável,
que amaciava platéias de índios e encantava as cortes
dos reis; do catequista poliglota, do missionário humanista,
defensor dos índios brasileiros, do patriota, político
e diplomata empenhado na Restauração portuguesa e
na consolidação do império de Portugal ou do
desvairado "quinto império do mundo"; do revolucionário
e visionário combatido pelo absolutismo tirânico da
Inquisição, do escritor prodigioso, arquiteto da língua,
do homem de ação, enfim, voltado para os grandes temas
e momentos de sua época.
Ainda que se recomende interpretar a ação desse "superpadre"
ou desse "superescritor" no âmbito dos objetivos
de sua obra sacra -"Retórica e estética, para
ele, não valeriam mais que como efeito e multiplicação
desse efeito, cujo sentido e causa não é o código
linguístico ou o gosto literário, mas a manifestação
da vontade divina entre os homens" (Alcir Pécora)-,
ainda assim, Vieira será para sempre lembrado e comemorado
como um homem de "estalo" genial.
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