Coleção traz Descobrimentos

da Redação

Uma das principais iniciativas editoriais já realizadas a respeito dos Descobrimentos foi lançada em março em Portugal. Trata-se da coleção "História da Expansão Portuguesa", em cinco volumes, organizada pelos professores Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri e editada pelo Círculo de Leitores (tel. 00.351.1/762.6001, fax 00.35.1/762.6150), com tiragem de 45 mil exemplares.
Leia a seguir um trecho extraído do capítulo "A Primeira Viagem à Índia", do historiador Kirti Chaudhuri, que faz parte do primeiro volume da coleção.


KIRTI CHAUDHURI

Uma das razões por que a chegada dos portugueses ao oceano Índico fez tão forte impressão na Europa e na Ásia encontrava-se no fato de que, ao fim de uma década e meia, os portugueses tinham conseguido levantar toda uma estrutura institucional de governo, povoamento e comércio, que viria a ser conhecida como Estado da Índia. Os cronistas que examinaram os papéis de Estado portugueses sabiam então que havia muitos elementos diferentes e contraditórios na política portuguesa de expansão ultramarina, e que o conselho real de modo algum era unânime quanto aos benefícios das descobertas oceânicas. Mas, de um modo geral, parecia a todos, a posteriori, que a coroa e os seus conselheiros estavam a levar a efeito um plano bem pensado de expansão e conquista, dirigida a partir do mar. O sentido de continuidade é introduzido numa declaração de d. Manuel sobre os serviços prestados à coroa por Vasco da Gama. De acordo com este documento, o rei via a descoberta da Índia e a abertura de relações comerciais com o oceano Índico como a progressão natural da política de descobertas na costa da Guiné, iniciada em 1433 pelo seu tio-avô, o infante d. Henrique, e executada subsequentemente por d. Afonso 5º e por d. João 2º ("Roteiro da Viagem de Vasco da Gama": 165).

Embora o próprio Vasco da Gama e os membros da sua expedição pouco soubessem sobre os pormenores da vida diária na África Oriental ou na Índia, o mundo político e comercial do oceano Índico nos fins do século 15 não era uma área da história totalmente desconhecida dos portugueses e outros povos europeus. As atividades dos venezianos e genoveses em Alexandria, Beirute e outros portos do Levante, juntamente com as descrições de viajantes contemporâneos, havia informado o público comercial europeu quanto mais não fosse dos fatos mais importantes do outro lado do Mediterrâneo.

Em 1497, o próprio rei d. João 2º enviou ao Sudão e à Índia dois experimentados viajantes e arabistas -Pero da Covilhã, cavaleiro da sua casa, e Afonso de Paiva- para reunir informação sobre a terra do Preste João e descobrir as fontes de especiarias que iam para Veneza através de terras muçulmanas. Covilhã chegou a Aden depois de viajar por Barcelona, Nápoles, Rodes, Alexandria, Tor e Suakin. Segundo o padre Francisco Álvares, participante na embaixada portuguesa à Etiópia de 1520-1526, Covilhã seguiu então para a Índia e visitou Cananor, Calicute, Goa, Ormuz e o golfo Pérsico. Regressou ao Cairo dois anos depois, e enviou ao rei d. João 2º um relatório das suas viagens antes de partir para a Etiópia. Não é certo que este relatório tenha chegado alguma vez a Portugal, e o próprio Covilhã nunca regressou à sua terra nativa.

A missão ao oceano Índico através do itinerário Mediterrâneo-mar Vermelho e a viagem marítima de Bartolomeu Dias ao cabo da Boa Esperança, em 1487-1488, são indicadores suficientes da determinação de d. João 2º em marcar uma nova fase nas viagens de exploração iniciadas pelos seus antecessores no início do século. Há ainda ulterior evidência do seu desejo de chegar ao oceano Índico no "discurso de obediência" feito em 1485 pelo enviado português Vasco Fernandes de Lucena à corte papal, no qual se afirmava que o rei, seu amo, enviaria brevemente alguns navios ao oceano Índico, para estabelecer relações com os príncipes cristãos da região. É possível que outro motivo para além do controle do comércio de especiarias que passava pelo Médio Oriente inspirasse a política real portuguesa da época. Tem sido sugerido que d. João 2º sonhava realmente em reconquistar Jerusalém e restaurar a posse cristã da cidade santa. Há muitos fatores enigmáticos que caracterizam as explorações portuguesas nesses anos críticos, o menor dos quais não será o longo intervalo que medeia entre a descoberta da rota do cabo por Dias, e a própria partida de Vasco da Gama para a Índia, em 1497. Qualquer que seja a verdade subjacente à formulação da política, não há dúvida que, quando os portugueses chegaram finalmente a Calicute, descobriram um mundo político e comercial que evoluíra com uma lógica própria altamente desenvolvida e com uma longa história atrás de si.

A lógica ditava que o Estado da Índia progrediria ao longo do século 16 primeiramente como império marítimo e sistema comercial. Historiadores portugueses, como João de Barros e Antônio Bocarro, tinham consciência de que o oceano Índico era um enorme campo de ação, político e econômico, composto por sociedades diferentes, com níveis diferentes de civilização -uma área demasiado grande para ser radicalmente influenciada por uma pequena nação européia de talvez não mais de um milhão de habitantes. Se as questões de política nacional e motivações particulares tornaram a tarefa dos historiadores contemporâneos suficientemente difícil para explicar o papel dos portugueses no oceano Índico, até a história descritiva não deixava de ter os seus problemas, como afirmava Antônio Bocarro nas primeiras páginas da sua "Década 13 da História da Índia". Escrevendo um século depois da fundação do Estado da Índia, Bocarro afirmava: "E se aquele insigne capitão dom Fernão Álvares de Toledo, duque d'Alva, dizia que nunca pudera apurar a verdade de qualquer batalha que ele mesmo dera, porque com a pressa e cuidado de cada um acudir a sua obrigação, e com a poeira do chão, ou fumo da pólvora, ninguém se podia parar a conhecer e ver o modo com que cada qual se havia, para se lhe poder dar o louvor ou vitupério que merecessem, como de coisas há mais de 20 anos passadas em partes tão remotas, por mar e terra, se poderá tirar a notícia verdadeira do que cada um nelas obrou, os motivos e causas que houve para se fazerem desta ou daquela sorte, e as circunstâncias que houve e concorreram,
convenientes ou desconformes às tenções e sucessos? O que tudo é tão próprio da obrigação do cronista (...) porque a história é alma da vida" (Bocarro, 1876; I, 5).

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