Pesquisas derrubam mitos sobre a música feita e ouvida pelo povo no período colonial, registrada nas mais antigas partituras brasileiras


A trilha do Brasil antigo


JOÃO BATISTA NATALI
enviado especial a Minas


A música já estava em 1500 na boca dos índios. Chegaram outras com os portugueses. Depois mais outras com os africanos. Não é, no entanto, uma música que a luneta dos antropólogos ou folcloristas consiga hoje reconstituir com suas antigas minúcias.

É um dos problemas da transmissão oral da cultura. De música verdadeiramente documentada, composta por brasileiros e escrita em pentagrama, restaram os acervos de matinas e ladainhas, antífonas e novenas.

Essa parcela remota do patrimônio musical surgiu em grande escala nas Minas Gerais do século 18. Foi quando o dinheiro obtido com o ouro financiava ordens e irmandades e permitia que encomendassem a compositores, corais e orquestras a música para seus ofícios religiosos.
É sobre a música colonial brasileira que tratará esse caderno.

O repertório foi eminentemente sacro. Era escrito, como na Europa, a cada nota cantada pelas vozes ou entoada pelos instrumentos. Sem isso, a música escaparia das regras inflexíveis da liturgia católica. A música profana -das modinhas às operetas- viria bem mais tarde e criaria raízes mais sólidas com a chegada, em 1808, da Corte portuguesa ao Rio. Foi quando a música escrita -e de impressão já autorizada- virou também indústria de lazer.

A música executada nas igrejas do Brasil colônia frequenta hoje -e bem pouco- as salas de concerto. O repertório é considerado erudito. Mas não foi essa a sua origem. Por estar estreitamente associada à prática religiosa, com missas e festas de santos, ela nasceu como música popular. Servia tanto à elite branca quanto aos negros cativos.

Durante muitos anos, uma pequena partitura escrita em 1759, um "Recitativo e Ária" de compositor anônimo baiano, foi considerada como a mais antiga do repertório colonial.

Mas, nos anos 80, com a abertura de arquivos em Mogi das Cruzes (SP), o musicólogo Régis Duprat localizou uma peça anterior, da década de 1730, composta pelo músico santista Faustino do Prado Xavier (1708-1800).

Esse belo jogo de incógnitas não se esgota aí. Há pouco menos de 20 anos, diz o especialista em música sacra Amaral Vieira, o historiador Geraldo Dutra de Moraes, estudioso do compositor mineiro José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, anunciou ter descoberto uma partitura maranhense datada de 1670, com folhas coladas uma às outras, pela umidade e pelo tempo . O historiador morreu e sua coleção foi doada à Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. No caminho, a composição se extraviou.

Para trazer um pouco mais de mistério, existe uma "Missa Brevis Sobre O Gram Senhora", de suposto anônimo brasileiro do século 17, entregue pelo musicólogo norte-americano Robert Stevenson à maestrina chilena Sylvia Soublette, que a interpretou em São Paulo, em 1992.

O problema não está tanto na precedência. Está na quantidade e na qualidade das cerca de 2.500 das obras do período catalogadas. O mutirão para localizar e conservar esse imenso acervo começou nos anos 40.

Minas foi o óbvio grande viveiro de instrumentistas e compositores. Mas se fez também muita música em Goiás, no Rio de Janeiro, em Pernambuco, Bahia e também em São Paulo.

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