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ARTIGO
Problemática da classificação
HARRY CROWL
especial para a Folha
Durante
os primeiros anos de pesquisa sobre a música produzida no
Brasil na época da colônia, surgiu a necessidade de
classificá-la de acordo com os parâmetros já
estabelecidos pela historiografia. Quando Curt Lange divulgou as
obras de Lobo de Mesquita, Francisco Gomes da Rocha e Marcos Coelho
Neto, entre outros, surgia uma questão muito mais complexa
do que poderia parecer: "Como inseri-los na história
da música brasileira e universal?".
O próprio Curt Lange apressou-se em assemelhar a música
dos compositores mineiros à de Pergolesi, Haydn e Mozart.
Musicólogos da geração seguinte esquivaram-se.
Um problema cuja resolução parecia ser óbvia
acabou por esbarrar em questões paralelas.
Em primeiro lugar, associar esses compositores à música
portuguesa criava uma expectativa em torno do que isso seria no
século 18. Até a década de 80, pouco se conhecia
a respeito dela. Em Portugal, o maior interesse dos musicólogos
era voltado à ópera e à música polifônica
dos séculos anteriores. Compositores como Carlos Seixas,
Francisco António de Almeida, João de Sousa Carvalho
e João Pedro de Almeida Mota já haviam sido divulgados,
principalmente pela música instrumental e a de caráter
dramático.
O fato é que a peculiaridade da música composta no
Brasil no período colonial está ligada à organização
socioeconômica da época e ao universo cultural luso-italiano.
Se há algo de comum entre a música desses compositores
coloniais e os já consagrados Haydn e Mozart é justamente
a música italiana, que era a referência universal em
toda a Europa.
Para complicar, não se pode falar de uma só escola
italiana. Havia, isso sim, uma influente e decadente escola romana,
que agregava elementos de uma prática veneziana mais antiga,
e uma escola napolitana, cada vez mais influente.
Em Roma praticava-se um estilo polifônico já um tanto
arcaico para a época. Em Nápoles, fazia-se uma música
religiosa já com influência direta da ópera.
Os portugueses tornaram-se mestres em misturar os dois estilos,
criando uma variante própria. Quando ouvimos o "Te Deum"
a cinco coros, solistas e quatro orquestras, datado de 1734, de
António Teixeira, encontramos elementos totalmente diversos.
Há nessa obra música policoral veneziana, polifonia
romana e árias "da capo" napolitanas.
O mesmo aparece em obras dos outros compositores portugueses -e
em trabalhos encontrados no Brasil.
Como a maior parte das obras encontradas são anônimas,
o problema da atribuição de autoria é complexo.
Alguns compositores apresentam características muito semelhantes,
às vezes. As únicas coisas que se pode dizer do ponto
de vista genérico a respeito dessas obras é que elas
têm em comum um procedimento harmônico muito semelhante
e não há nelas qualquer traço de polifonia,
como nos portugueses da época, inclusive André da
Silva Gomes.
O compositor foi mestre-de-capela da Sé de São Paulo
e obteve a sua formação no Seminário Patriarcal,
como discípulo de José Joaquim dos Santos. Deixou
extensa obra, porém sem as mesmas qualidades dos compositores
da metrópole. Há na música colonial brasileira
certa mistura de estilos profanos com religiosos, prática
que os portugueses já faziam no século 18.
Um outro problema é a mudança de gosto musical tanto
na Europa quanto no Brasil no início do século 19.
Não se pode comparar, por exemplo, a música do padre
João de Deus de Castro Lobo ou do padre José Maurício
com a de Manuel Dias ou de Emerico Lobo de Mesquita. São
composições muito mais operísticas e, em certos
casos, consta uma orquestração sinfônica de
peso.
No Brasil não havia Corte antes de 1808, fato que não
propiciou a criação de música profana, tanto
vocal como instrumental. A não-produção de
música instrumental sem dúvida afetou esteticamente
os compositores coloniais.
Ao contrário do que percebemos nos portugueses e em outros
europeus da época, os mineiros, principalmente, escreviam
música com trechos curtos, desprovidos de desenvolvimento
formal, demonstrando um desconhecimento ou aversão às
regras de contraponto e de fuga, tão caras a todos os outros
compositores da época.
Harry
Crowl, compositor e musicólogo, é doutorando em Comunicação
e Semiótica pela PUC-SP
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