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Caetés teriam comido 91
náufragos, entre eles o primeiro bispo do Brasil, no litoral
sul de Alagoas, em 1556
(26/03/2000)
Igreja
cobra taxa na região
onde bispo Sardinha foi devorado
ARI CIPOLA
da Agência Folha, em Coruripe
A Igreja
Católica recebe taxas dos moradores do pequeno município
de Coruripe, em Alagoas. O local foi terra dos índios caetés,
lembrados por terem promovido o mais conhecido "banquete antropofágico"
do país.
Segundo o pároco local, Pedro Silva, atualmente o valor arrecadado
com os "impostos territoriais" é de cerca de R$
1,2 mil por ano. "É pouco. A miséria que o governo
deixou crescer na cidade é maldade maior que a que os caetés
fizeram com o bispo Sardinha", disse o padre.
Em 16 de junho de 1556, os caetés devoraram o primeiro bispo
do Brasil, dom Pedro Fernandes de Sardinha, e 90 tripulantes que
naufragaram com ele na região.
Em consequência da ação contra o bispo, os indígenas
foram extintos em cinco anos de batalhas determinadas pelo governo
português e apoiadas pela igreja. Historiadores definem como
"guerra santa" as investidas contra os índios.
Com o massacre, as terras dos nativos, descritos como canibais,
guerreiros e fortes, passaram para as mãos dos estrangeiros.
Dois séculos depois da morte do bispo Sardinha, 3.000 hectares
foram doados à igreja pelo capitão Pedro Leite Sampaio,
em nome de Nossa Senhora da Conceição, a padroeira
de Coruripe.
Foi nesse momento que se formou o centro urbano de Coruripe, e fazendas
de cana-de-açúcar foram instaladas. Tanto nos terrenos
urbanos quanto nos sítios, aos quais a igreja ainda mantém
a propriedade, seus ocupantes pagam taxas legais à diocese.
Os "impostos" são o laudêmio e o foro, cobrados
também, mas com valores diferentes, de ocupantes de terras
devolutas da União. Segundo a igreja de Coruripe, a cobrança
dessas taxas acontece em outras cidades do país que se formaram
nas propriedades dela.
O laudêmio, que é cobrado a cada transferência
de posse, está estipulado em 5% do valor do negócio.
O governo tem um imposto semelhante, o ITBI (Imposto de Transmissão
de Bens Imóveis), mas o percentual é de 2%.
O foro é uma espécie de IPTU (Imposto Predial Territorial
Urbano). Em Coruripe, a taxa é calculada pela largura do
lote de cada uma das 5.000 casas ou terrenos da cidade. Cada metro
custa R$ 1 por ano.
Sem o pagamento do laudêmio e do foro, o proprietário
do cartório de Coruripe, Jorge Azevedo Castro, não
registra a posse em nome do novo morador da terra.
Coletor
No Pontal de Coruripe, bairro de pescadores localizado a quatro
quilômetros do baixio de Dom Rodrigo -coluna de arrecifes
onde teria batido e naufragado o navio Nossa Senhora da Ajuda, que
levava o bispo Sardinha-, a Igreja mantém até um "coletor
de impostos" para receber o foro.
"Ganho 25% do que arrecado", disse Antônio Ferreira
dos Santos, 53. "Tem gente que me xinga quando vou cobrar o
foro. Se todos pagassem, eu ganharia bem."
A igreja da cidade chegou a manter funcionários nomeados
e com salário fixo para a coleta do foro. Eram os "fabriqueiros".
Mas, nos últimos 20 anos, a Igreja da cidade vendeu a maioria
das fazendas para posseiros que transferiram a propriedade das terras
para produtores de cana e usinas de açúcar. Só
restou um "fabriqueiro".
A igreja de Coruripe possui hoje cem hectares, divididos em três
propriedades, arrendadas a pequenos produtores de cana.
O bispo de Penedo, dom Valério Breda, responsável
pela diocese à qual Coruripe está integrada, afirmou
que a igreja perdeu o controle sobre a maior parte de suas terras
na cidade.
Desde que assumiu a diocese, há dois anos, ele proibiu a
venda das propriedades para não dilapidar ainda mais o patrimônio
do clero.
"Não há escândalo na cobrança do
foro e do laudêmio, que são taxas legais. O Código
Canônico determina que temos que manter a vontade dos doadores,
que deixaram terras para a igreja manter seus templos e culto",
disse.
Contradições
Apesar de versões que negam que o bispo Sardinha tenha sido
comido pelos índios, a tese sobre o "banquete"
encontra respaldo em documentos históricos, como cartas de
jesuítas da época.
Alguns historiadores levantam a hipótese de que o bispo tenha
sido assassinado por homens da guarda do então governador-geral,
Duarte da Costa, a quem Sardinha vinha criticando publicamente,
segundo o historiador Douglas Aprato, da Universidade Federal de
Alagoas.
De acordo com o historiador Moacir Soares Pereira, Sardinha foi
devorado por índios, mas não os caetés nem
em Alagoas. Na versão dele, o bispo foi alvo de tupinambás
em território sergipano.
Há dúvida ainda com relação a possíveis
sobreviventes do naufrágio e do "banquete". Há
relatos de que podem ter sobrevivido de três a dez homens.
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