Coordenador do MST diz que estuda ficar mais tempo em Porto Seguro, ao contrário do combinado

Sem-terra ameaçam descumprir acordo

(17/4/2000)

LUIZ FRANCISCO
da Agência Folha, em Porto Seguro

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ameaça não cumprir o acordo feito com governo da Bahia que permitiu o fim das barreiras policiais para que os sem-terra chegassem a Porto Seguro (705 km ao sul de Salvador). O acerto foi intermediado pelo presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), e pelo deputado federal Aloízio Mercadante (PT-SP).

Ontem de manhã, durante a marcha dos agricultores de Eunápolis (BA) à cidade, o coordenador regional do MST, Ademar Bogo, disse que o trato será reavaliado. "O acordo foi feito em Brasília. Amanhã (hoje) nós decidiremos aqui se vamos cumpri-lo ou não", afirmou.

Pelo acordo, os sem-terra foram liberados para fazer uma manifestação hoje de manhã no centro de Porto Seguro para lembrar o massacre de Eldorado do Carajás (PA), onde, há exatamente quatro anos, 19 trabalhadores rurais foram mortos em um confronto com policiais militares.

Em contrapartida, os manifestantes sairiam ainda hoje da cidade, que, no próximo dia 22, será palco das comemorações oficiais dos 500 anos do Brasil.

A negociação do MST com o governo foi realizada anteontem, um dia depois que nove sem-terra foram presos pela polícia de Itabuna (429 km ao sul de Salvador). Na ocasião, os policiais barraram a passagem dos manifestantes na BR-101. No tumulto, três policiais militares ficaram feridos.

Turistas, ricos e governantes Ademar Bogo disse também que os sem-terra vão aproveitar a manifestação de hoje para denunciar a violência contra os trabalhadores rurais.

"Nós queremos dizer que o Brasil, com seus 500 anos de história, ainda não aprendeu a fazer festa para o povo. O presidente Fernando Henrique Cardoso precisa entender que não existem apenas turistas, ricos e governantes no Brasil", afirmou Bogo. Anteontem, o coordenador estadual do MST Walmir Assumpção já havia dito que os manifestantes pretendiam voltar a Porto Seguro no dia 22.

Diante disso, o governador da Bahia, César Borges (PFL), afirmou que isso seria "quebra de acordo" e acenou com a possibilidade de a Polícia Militar voltar a apertar o cerco. "Não há espaço físico em Porto Seguro para comportar uma quantidade muito grande de gente para todos os eventos. Se algum grupo já tiver anunciado a intenção de fazer protestos e constranger autoridades, nós temos a obrigação de tomar todas as precauções", declarou o governador.

A marcha dos sem-terra de Eunápolis a Porto Seguro foi tranquila. Cerca de 2.500 integrantes do MST, segundo a diretoria regional, participaram da caminhada. A PM estima que 1.200 sem-terra fizeram o percurso. No total, os sem-terra caminharam ontem 25 quilômetros. Dois carros da PM acompanharam os manifestantes no trajeto. Parte da pista que liga as duas cidades foi bloqueada em alguns trechos para facilitar a caminhada.

No final da manhã de ontem, os sem-terra chegaram ao acampamento montado pela diretoria regional do MST. O acampamento fica a 15 quilômetros de Porto Seguro. "Nós só vamos sair daqui amanhã (hoje). Primeiro, vamos esperar os índios que também estarão na manifestação contra o governo federal", disse Bogo.


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