Holanda
quis 'reescravizar' negros
Da
enviada a Amsterdã
Parte
da história da escravidão no Brasil ainda dorme
em arquivos da Holanda, conforme a Folha apurou junto aos
estudiosos da ocupação holandesa (1624-1654),
Hannedea van Nederveen Meerkerk e Paul Meurs, em Amsterdã.
O arquiteto Paul Meurs, especialista em arquitetura militar
holandesa do século 17, disse que ''ainda é
estranho encontrar aqui, em nossa própria língua,
documentos sobre o Brasil, um país tão diferente
da Holanda''. Meurs elabora estudo sobre a evolução
urbana de Recife e acha que mais historiadores brasileiros
devem aprender holandês para ter contato com documentos
''desse período curto, mas rico em experiência
cultural para os dois países''.
A presença holandesa no Brasil ganhou impulso durante
o governo do conde e militar holandês João Maurício
de Nassau (Johan Maurits van Nassau-Siegen, 1604-1679), na
então Capitania de Pernambuco. Nassau estabeleceu em
Recife o centro da administração colonial holandesa,
controlada pela Companhia das Índias Ocidentais, associação
de comércio e tráfico de mercadorias e escravos.
Durante o período holandês, os escravos negros
_que aparecem serenos nas paisagens do pintor Frans Post (1612-1680)_
rebelaram-se e fugiram aos milhares para as matas da serra
da Barriga, hoje Estado de Alagoas, consolidando o maior,
mais duradouro e organizado quilombo da história da
escravidão nas Américas, o de Palmares, que
já existia em 1605.
Os escravos aproveitaram-se da confusão estabelecida
em Pernambuco, pela guerra entre holandeses e portugueses,
para escapar das fazendas e dos engenhos abandonados pelos
senhores brancos. Os holandeses chamavam os negros fugidos
de ''boslopers'' (literalmente, ''corredores das florestas'').
Dentre os documentos holandeses que tratam da situação
dos negros durante a ocupação, a historiadora
Hannedea van Nederveen destaca a importância dos arquivos
do Museu Judaico de Amsterdã. ''Os judeus holandeses
de Recife eram grandes compradores de escravos, tinham muito
contato com os negros'', afirma. Ela também ressalta
os diários de viajantes como Johannes Nieuhof.
''Relatos de Zacharias Wagner e Nieuhof sobre Palmares já
indicam o culto dos negros a xangô naquela época'',
observa van Nederveen. ''Nieuhof conta que os negros de Palmares
dançavam ao bater de tambores, que podiam ser ouvidos
até perto da meia-noite''.
Para o historiador pernambucano Antônio Gonsalves de
Mello Neto, 78, ''a bibliografia contemporânea em língua
holandesa é, sem dúvida, mais rica que a portuguesa
e de grande valor documental'' (prefácio a ''Tempo
dos Flamengos'', 1944).
Mello Neto, estudioso pioneiro da ocupação holandesa,
escreveu em 1934 o primeiro texto importante sobre a relação
dos negros com os holandeses, em que retoma (do historiador
Rocha Pombo) o conceito da ''reescravização
do escravo'', a ser empreendido pelo colonizador holandês.
Os negros, que já eram escravos dos portugueses, teriam
de ser reescravizados pelos novos invasores. ''Tarefa impossível
em tão pouco tempo'', como conclui a holandesa van
Nerderveen, ''e dada a absoluta falta de know-how'' do seu
povo para lidar com cana-de-açúcar e escravos,
principal riqueza da colônia.
Os holandeses deram por definitivamente derrotada sua aventura
no Brasil em 1654, deixando pronto todo um ambiente favorável
para o nascimento daquele que seria o mais comemorado dos
negros que lutaram por liberdade: Zumbi, nascido na ''república
livre'' de Palmares em 1655. (Marilene Felinto)
FONTES
1. José Antônio Gonsalves de Mello, ''A Situação
do Negro Sob o Domínio Holandês'', in ''Novos
Estudos Afro-Brasileiros'', Rio, 1937; e ''Atitude dos Holandeses
Para Com os Negros e a Escravidão'', in ''Tempo dos
Flamengos'', Fundação Joaquim Nabuco/Ed. Massangana,
Recife, 1987
2.
Hannedea van Nederveen Meerkerk, ''Recife - The Rise of a
17th-Century Trade City From A Cultural-Historical Perspective'',
trad. do holandês para o inglês por Cecilia M.
Willems, Van Gorcum, Assen/Maastricht (Holanda), 1989
ONDE
PESQUISAR NA HOLANDA
Museu Nacional de Amsterdã (Rijksmuseum), tel. 31 20
673-2121
Museu Histórico de Amsterdã (Amsterdams Historisch
Museum), tel. 31 20 523-1822
Museu Judaico de Amsterdã (Joods Historisch Museum),
tel. 31 20 626-9945
Museu Marítimo de Amsterdã (Nederlands Scheepvaartmuseum),
tel. 31 20 523-2222
Casa de Maurício de Nassau, em Haia (Mauritshuiss),
tel. 31 70 346-9244
Museu Histórico de Haia (Haags Historisch Museum),
tel. 31 70 364-6940
Museu Municipal de Haia (Haags Gemeentmuseum), tel. 31 70
338-1111
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