Despedida permeia filme de Manoel de Oliveira

''Viagem ao Princípio do Mundo'' estréia nesta sexta

Por Cássio Starling Carlos (Agência Folha) 12/02/98 19h02
De São Paulo

A cada último filme de Manoel de Oliveira, o espectador reverente vai assisti-lo como se estivesse indo para uma cerimônia de adeus. Afinal, trata-se do único cineasta em atividade quase ao completar 90 anos de idade. De fato, ''Viagem ao Princípio do Mundo'', que estréia nesta sexta no Cinesesc, em São Paulo, reúne várias cerimônias de adeus. E não só para Marcello Mastroianni, em seu último papel, ironicamente interpretando o próprio Manoel de Oliveira.

O filme divide-se em duas partes, aparentemente distintas. Na primeira, o cineasta Manoel percorre antigos caminhos, sondando lugares marcantes de sua vida -o colégio onde estudou quando criança, um velho hotel abandonado, palco dos primeiros amores. Trata-se de um movimento, digamos, proustiano, tentativa de compreender a vida com a ajuda da memória. Nesse caminho, o espectador tropeça na beleza, intensificada pela melancolia da saudade. Afinal, tudo ainda está lá, mas em estado de ruína. À memória, resta o trabalho de preencher os vazios impostos pelo tempo. Até esse ponto, a ''Viagem ao Princípio do Mundo'' realiza-se em sentido literal.

O cineasta Manoel, contudo, insiste que falta algo a encontrar. Uma imagem perdida. A estátua de Pedro Macau, que funciona como símbolo da condição humana, em geral, e portuguesa, em particular, com um eterno fardo a carregar e sem poder se livrar dele, sob o risco de se aniquilar. Esse ponto alto do filme serve também de passagem para o segundo ato.

A partir daí, o ''princípio do mundo'' amplia seu significado. Na companhia de Manoel, e até então quase em silêncio, viaja Afonso, um ator francês que também busca suas origens portuguesas. Filho de um imigrante, Afonso participa da viagem para reencontrar a família de seu pai. Num ''fim do mundo'', em meio a cabras, onde sobrevive uma aldeia, habitada só por velhos, é a vez de Afonso reencontrar sua origem. Uma força cômica nasce da incapacidade de a velha tia de Afonso compreender ''por que ele não fala a nossa língua''.

Por trás dela, Oliveira constrói com ironia sua visão da União Européia e do lugar subordinado que Portugal ocupa nela. Ela é, sobretudo, um desdobramento político da outra viagem, a existencial, ambas em luta contra o esquecimento, um último adeus à identidade condenada, a Portugal, em suma. Nesse momento de síntese entre o passado e o presente, Oliveira reitera, para os ainda reticentes, porque ele é o maior cineasta vivo.
 

   
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