'O Paciente Inglês' chega aos cinemas

Filme tem doze indicações ao Oscar

Agência Folha 20/02/97 17h52
De São Paulo

Oscar Com 12 indicações ao Oscar 97, incluindo de melhor filme, diretor, ator (Ralph Fiennes) e atriz (Kristin Scott Thomas), "O Paciente Inglês" é o destaque desta sexta-feira nas estréias dos cinemas. Dirigido pelo britânico Anthony Minghella, o sucesso obtido junto ao público e a crítica norte-americanos surpreendeu, principalmente pelo fato de o filme não contar com estrelas de Hollywood em seu elenco.

"O Paciente Inglês" retrata a vida de quatro pessoas que se conhecem e têm suas vidas mudadas durante a Segunda Guerra Mundial. Mesclando cenas de deserto às de guerra, a produção, vencedora do Globo de Ouro de melhor filme deste ano, oscila entre a descrição intimista e a grandeza épica.

Filme vaga entre
o épico e o intimismo

O que mais chama a atenção em "O Paciente Inglês", que estréia nesta sexta-feira, são as agônicas, desoladas sequências do deserto no final. Elas não interessam pela originalidade, ao contrário. Lembram, ostensivamente, filmes dos anos 30 e 40, tipo "Marrocos" ou "Saara", toda uma saga em que o deserto é uma terra de ninguém, lugar da pura aventura, espaço extraterritorial, borda do mundo.

É assim também que o conde Laszlo Almasy -protagonista da história- e seus amigos enxergam as coisas. Na verdade, tanto Almasy quanto os filmes dos anos 30/40 estavam plantados dentro de um sistema colonial. Era como se os nativos não existissem ou fossem apenas um adorno exótico, servidores de cabeça baixa, desprovidos de subjetividade.

A ficha técnica do filme tem um caráter tão internacional quanto seus personagens ou sua intriga. Tem um pé na Inglaterra (terra do diretor Anthony Minghella e do grosso do elenco) e um nos Estados Unidos (de onde veio o grosso do dinheiro). Tem uma atriz francesa (Juliette Binoche). O autor do livro, Michael Ondaatje, é nascido no Sri Lanka e nacionalizado canadense.

A soma dessas duas características -o olhar colonial e o caráter internacional da produção- talvez expliquem a curiosidade em torno do filme, e seu sucesso, mais do que tudo.

"O Paciente Inglês" tem aventura (os homens do deserto, que deixam o mundo civilizado e optam pelo silêncio, pelo risco), tem uma história de amor (entre o conde Almasy e Katharine), tem guerra (a Segunda Guerra Mundial), dedicação (Binoche é a enfermeira que abandona a guerra para se dedicar exclusivamente ao desfigurado Almasy), mistério (quem é esse conde afinal?).

Assim como o livro, o filme baseia-se em um sistema de flashbacks contínuos. Transitamos da África -antes do início da guerra- à Itália do fim do conflito, quando os nazistas batem em retirada e os Aliados avançam. O cenário emocional da história são as lembranças de Almasy e as da enfermeira Hana.

Hana é atormentada pelo fantasma de que todas as pessoas que ama morrem (vamos convir, é um pouco fraco: elas morrem na guerra, não é um fato assim tão excepcional). Mas está viva. A ação gira em torno do seu futuro. Já Laszlo Almasy é um homem tecnicamente morto. Não só pelas dores que carrega, como pelo fato de ter sido todo queimado num desastre aéreo.

O filme de Minghella -muito mais aplicado do que talentoso ou inventivo- oscila entre a descrição intimista e a grandeza épica (o deserto, a guerra), sem se definir por um ou outro. Essa talvez seja a diferença essencial em relação a "Lawrence da Arábia" (1962), de David Lean, por exemplo.

"Lawrence da Arábia" buscava o íntimo a partir do épico. O meio-termo em que Minghella se estabelece impede ao filme se impor, seja pela grandiosidade, seja pelos caráteres que descreve (um problema que, de resto, não existe no livro).

No mais, a falta de um ponto de vista definido (antibritânico, no caso de David Lean) torna "O Paciente Inglês" um enigma. Seria uma história de amor, de guerra, de amizade, de dedicação, de espionagem? O filme experimenta um pouco de tudo. Toca em tudo, sem chegar a se definir por algum desses aspectos.

Esse enigma que se cria só se resolve nas cenas finais -referentes à desolação do deserto e à euforia do final da guerra- e na observação da ficha técnica. Curiosamente, essa ausência de ponto de vista não cria uma babel. A acumulação de gêneros, assim como a permanente remissão ao passado, criam dois pólos de ação: o início da guerra e o seu final.

Assim, se o filme foi visto pela platéia norte-americana e pela Academia de Hollywood como um objeto tão claro e sem arestas talvez seja porque termina por se impor como um filme antibelicista. Mas o pacifismo de "O Paciente Inglês" é um tanto particular, dadas as diversas nacionalidades envolvidas.

O filme nos fala de um mundo onde o mal são as fronteiras nacionais, que determinam a guerra, afastam os homens uns dos outros, geram a desconfiança e exilam o amor. Talvez seja bem o que se queira ver num mundo em que a ruptura das barreiras nacionais torna-se um objetivo incontestado. "O Paciente" é um filme neoliberal por excelência.(Inácio Araujo)

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