Walter Lima Jr. liberta 'A Ostra e o Vento'

Filme foi selecionado para o Festival de Veneza

Agência Folha 22/07/97 16h26
De São Paulo

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Walter Lima Jr.
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Antes de filmar "A Ostra e o Vento", Walter Lima Jr. carregava a fama de ser um dos maiores cineastas brasileiros vivos. Mas era fama pouco partilhada internacionalmente. Agora, com "A Ostra e o Vento", seu décimo longa de ficção, selecionado para a competição do Festival de Veneza, algo pode mudar nessa equação.

Em "A Ostra e o Vento" alternam-se tragédia e loucura, paixão e solidão, intimismo e fantástico. Para onde quer que se olhe, não se encontram signos de brasilidade. Filmado em nove semanas, em meados do ano passado, e orçado em R$ 2 milhões, esse projeto de seis anos é, para o diretor, seu filme "mais internacionalista", que "não pertence a nenhuma nação, pertence a uma ilha, a tela".

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É, secundariamente, um manifesto crítico desse diretor que combate, há muito tempo, a identificação entre o cinema brasileiro e uma certa sintaxe "bárbara", herança do primeiro cinema novo. Nesta entrevista, Walter Lima fala de "A Ostra e o Vento" e de seu modo de entender o cinema e conceber as relações pessoais.

Pergunta - A primeira coisa que chama a atenção em "A Ostra e o Vento" é sua ligação com a natureza, que é muito estreita.
Walter Lima Jr. - A história é muito identificada com a idéia do desejo. Então é como falar do desejo como projeção da natureza. O desejo é uma projeção de tudo o que está em torno, tudo que é natural. Não adianta lutar contra.

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Pergunta - Há um toque trágico no filme, que também está presente em "Inocência", "Ele, o Boto", "O Monge e a Filha do Carrasco".
Lima Jr. - Uma coisa meio sombria perpassa esses filmes. O embate das pessoas com a natureza é exatamente tentar disciplinar essa relação natural, essa performance da natureza dentro de nós.

Pergunta - Uma coisa que chama a atenção em "A Ostra e o Vento" é essa presença quase física do vento. É o tipo de situação em que é muito fácil cair do cavalo. Qual foi a dificuldade de mexer com um material tão abstrato?
Lima Jr. - Não sei até que ponto há dificuldade, a história é muito atraente. O material exerce sobre mim um fascínio muito grande.

Pergunta - Sim, mas o filme é um faroleiro num farol, com a sua filha e o vento. Como convencer investidores de que isso pode virar filme?
Lima Jr. - Ah! Você fala sobre o projeto! Eu tive dificuldade. O problema não era tanto fazer o filme, o problema era conseguir as condições ideais... O essencial é que eu tinha que reunir as condições favoráveis. Uma delas é não ter ninguém não apaixonado pelo assunto. Para entrar naquela história você tem que entrar apaixonado.

Pergunta - Hoje no Brasil você é sempre apontado como senão o maior, ao menos um dos maiores cineastas, mas no exterior a sua recepção nunca foi tão fácil. Então, como é que você vê agora a ida de "A Ostra e o Vento" para Veneza?
Lima Jr. - Acho que do cinema novo para cá, o cinema brasileiro encontrou um tom que me pareceu que era revelar o país por meio de uma visão ao mesmo tempo desalienada e poética. Desnudar o país com a câmera. Usar a precariedade gramatical de quem está começando a aprender a falar aquela língua do cinema como um estilo.
Tudo isso de alguma maneira consagrou uma geração de cineastas que usou esse aprendizado como estilo. A esse aprendizado se deu um rótulo, o Glauber batizou de "estética da fome". Quando fiz o "Menino de Engenho", o filme teve saída boa lá fora, e ele de alguma forma criava um relato que de alguma maneira explicava o país.

Pergunta - Mas parece existir uma dificuldade, no exterior, em identificar seu cinema como brasileiro.
Lima Jr. - Nós também temos um refinamento do qual a gente não deve se afastar tanto. Não tem só a escrita grosseira, tem Machado de Assis.
O Villa-Lobos foi fazer toda a música dele fundada em cima de preceitos absolutamente clássicos, mas ele foi buscar coisas do nosso inconsciente musical.
A linguagem do cinema é internacional. Essa particularidade de fazer uma cinematografia baseada num léxico tão particular, em que a sintaxe seja totalmente reinventada a partir das nossas idiossincrasias, parece um dialeto.

Pergunta - Isso não te preocupa?
Lima Jr. - Já sei o que sou. Vai ser difícil provar que não sou brasileiro pra mim mesmo.
Acho "Inocência" profundamente brasileiro. "A Ostra e o Vento" talvez seja meu filme mais internacionalista. Não-nacional pois não pertence a nenhuma nação, mas a uma ilha chamada tela.
É um espaço solto no ar. É uma tela, ele se passa num país chamado cinema. "A Ostra" aspira a esse espaço. Não quis que ele estivesse preso a nenhum espaço geográfico ou político dado. Tudo se passa, na verdade, dentro das pessoas.

Pergunta - "Inocência" é atual?
Lima Jr. - Mas por que teria de ser atual? Que noção é essa de atualidade? Eu tenho que estar falando da chacina dos sem-terra para ser atual? Se o meu processo me levar a isso e fizer um filme sobre o José Rainha, tanto melhor.
A história de amor de Rainha e sua mulher é épica. Aquelas duas pessoas que se debatem contra o estado de coisas. Ele foi levado para o tribunal e prenderam o camarada e o condenaram, contra todas as evidências. Então aparece a mulher na frente das câmeras... Parece história de Fritz Lang.

Pergunta - Hoje, depois de todas as crises por que passou, o que pensa que o cinema tem a dizer ao Brasil?
Lima Jr. - No momento em que a gente começou a fazer cinema, a gente dizia que ia mostrar ao brasileiro a sua própria cara. Era uma espécie de confronto policial.
Esse cinema era extremamente cruel e muito pretensioso. Em primeiro lugar, porque há várias caras no Brasil. Depois, era quase um desvirtuamento da essência mesmo do cinema, a eliminação da fantasia, do sonho. Penso que o que o cinema brasileiro tem a oferecer é exatamente a possibilidade de fazer uma reflexão por meio da fantasia.

(Inácio Araujo)

 
   

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