Impressionismo foi precursor
da arte moderna


Monet rompeu com o passado e inaugurou novos procedimentos

Agência Folha 26/05/97 16h39
De São Paulo

Em 1874, quando um grupo de pintores organizou em Paris (França) a exposição que seria o marco zero do impressionismo, choveram ofensas e zombaria nos jornais. "Papel de parede em estado embrionário é mais bem-acabado do que esta marinha", escreveu o crítico Louis Leroy sobre a tela "Impressões, Sol Nascente", de Claude Monet.

"Não tem pé nem cabeça, nem alto nem baixo, nem frente nem trás", reclamou de outra tela. Não é à toa que essas duas críticas viraram clichês quando se quer atacar a arte moderna. É que o impressionismo e Monet inauguram procedimentos que seriam típicos do modernismo. O primeiro desses procedimentos é o rompimento com o passado -e o consequente escândalo.

A mais célebre instituição da arte francesa na época eram os "salões", cujo júri tinha poderes de formar e destruir reputações. A mostra impressionista realizada em 1874 era independente do salão. O rompimento não era só político -era plástico, principalmente. Com os impressionistas, o tema das telas e a moral que veiculam passam a ser questões secundárias.

O artista se volta para os componentes estruturais da pintura (luz, transparência, composição), como se resolvesse examinar a obra com um microscópio. O ápice dessa postura seria o cubismo. É a fotografia, inventada na Europa em 1839, que leva o impressionismo a se afastar da suposta representação da natureza e se voltar para a estrutura da pintura.

Com a invenção da câmera, retratar pessoas, paisagens urbanas ou cerimônias torna-se um serviço de fotógrafos. A pintura já não precisa representar nada. Como escreveu o crítico italiano Giulio Carlo Argan, ela terá que "mostrar como são obtidos, com procedimentos pictóricos rigorosos, valores de outras maneiras irrealizáveis". É a idéia de que a pintura é só uma pintura, não precisa narrar histórias (função do romance na época) nem sugerir climas (função da poesia).

Monet começou a se interessar por arte em meio a esse impasse. Ao chegar a Paris, em 1859, já havia um grupo de pintores que trocara o isolamento dos estúdios pela pintura ao ar livre. Essa tentativa de captar a fugacidade de uma cena -seja uma onda quebrando ou um pôr-do-sol- acabaria por determinar algumas das características do impressionismo: a pincelada rápida, sem qualquer retoque, o uso das transparências e o abandono do claro-escuro (só em estúdio era possível perder dias fazendo a passagem de um claro no rosto para uma sombra no pescoço, como faziam Rubens ou Tiziano).

Esse culto à natureza, típico do romantismo do século 19, seria seguido por uma dissecação da luz, consequência das descobertas óticas do período. Para Monet, a luz da Argélia, onde fez o serviço militar, faria as vezes da academia que ele nunca frequentou: "As impressões da luz e da cor que ali recebi só viriam a ordenar-se mais tarde, e nelas estava contido o germe de minhas futuras pesquisas", disse.

Pesquisa, aí, não é uma palavra acidental. Monet e os impressionistas viam a pintura como uma coisa científica. Sabem que não importa a cor que está na tela, mas a que se forma no olho do espectador. Pintam uma paisagem com borrões de azul e amarelo porque conhecem o efeito das cores complementares: à distância, aquela somatória resultará em verde. O efeito da luz no decorrer de um período sobre uma mesma paisagem seria o tema de várias séries de Claude Monet.

O Masp expõe duas dessas séries: quatro telas sobre uma ponte japonesa e 11 com as ninféias que o pintor cultivava nos jardins de Giverny, cidade a 80 km de Paris. Com as ninféias e seus reflexos na água, é quase impossível enxergar um tema nas telas do pintor.

Ocorrem nessa série dois movimentos simultâneos que teriam impacto sobre a arte do século 20: Monet aproxima-se da abstração e tira cada vez mais partido de uma única cor.

A série das ninféias frisa também a figura dúbia que Monet se tornaria no fim da vida: ela alia pesquisa de luz e senso de mercado, já que havia compradores ávidos por essas telas nos Estados Unidos.

Para o mercado, era a consagração do filho de um merceeiro de Le Havre. Para Monet, a luz parece ter cobrado um tributo de tragédia grega: ele conviveu com uma catarata nos últimos anos de vida.
(Mario Cesar Carvalho)