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Zé Celso responde por Jean Genet no Bate-papo

Universo Online 08/10/97 20h31
Do São Paulo

O ator e diretor teatral Zé Celso Martinez Corrêa participou do
bate-papo do UOL nesta quarta-feira, personificando o dramaturgo francês Jean Genet -que se autodefinia como "homossexual, ladrão e traidor".

Jean Genet é o autor do texto "Ele" (1955), que Zé Celso adaptou para o teatro com o nome de "Ela". Na peça, que acabou de estrear em São Paulo, Zé Celso interpreta o papel do papa. O texto fala sobre a relação da autoridade máxima da Igreja Católica com a mídia.

Abaixo, leia os melhores trechos da conversa.

Receptividade do público ao "Ela"
"A receptividade é total. Eu acho que com este trabalho realiza-se um desejo de Genet: começamos a espatifar as imagens definitivas. O próprio Teatro Oficina, quando vc entra, vc vai ter uma surpresa. Não corresponde a nenhuma imagem que vc tenha feito dele até agora."

Personificar Jean Genet
"Eu agora sou Jean Genet. Estou menos Jean Genet do que às quintas, sextas, sábados e domingos no teatro. Me chamaram para fazer o papel dele aqui, neste teatro virtual. Por incrível que pareça eu estou me saindo bem porque como eu ele a essa hora está sempre fora do ar... Só se liga quando o sol cai.
Foi o horário marcado que me deixou assim. Nunca fiz este trabalho na minha vida, é como um michê que tem que estar à disposição do freguês à qualquer hora porque me interesso cada vez mais por qualquer tipo de comunicação, principalmente a que desconheço e essa que é muito excitante. Estou me ligando e sentindo porque só se fala com estranhos."

Carmem Miranda, em clipe de Caetano Veloso
"Achei um tesão puro. Eu e a sala toda que estava no cinema. Estava no ar. Parecia um banheiro público. Ninguém precisava se tocar, nem se olhar."

Maquiagem
"A maquiagem é um fotograma que eu corto na minha cara. Como se fosse a foto de uma múmia."

Denúncia
"Aliás, quero fazer uma denúncia aqui: um banheiro do Ibirapuera, o único, onde os homens se encontravam querellamente, está fechado e antes a direção do
parque pôs um espião dentro do mictório pra proibir contatos imediatos. Não sei se o espião foi corrompido mas hoje está fechado e era muito lindo. Mesmo se vc não quer nada
é muito bonito sentir a eletricidade criada no espaço quando homens se plugam em silêncio sem se tocar. Parece que alguma coisa no cosmos muda. E muda mesmo."

Terceiro Milênio
"Estou preparando o fim do terceiro milênio porque nós somo muito mais velhos do que isso. Romances interplanetários vc pode ter agora. Por exemplo, comendo bons cogumelos, que são extra-terrestres muito gostosos"

Identificação com Jean Genet
"O que mais me identifica é o valor de dar valor a tudo. Citando "Ela": "Até uma guimba de cigarro, uma bagana cuspida fora, desprezada no ar, merece considerações pontificais", quer dizer, de Papa. Quer dizer, tudo tem valor. Me espelho também no sentido da solidão, na consciência do nada, do deserto que é o mundo onde vale o que é fertilizado por uma paixão"

"Homossexual, ladrão e traidor"
"Me identifico com todos os três termos e todos os que já me tascaram ou vão me tascar. Eu sou um ator e vivo a alegria e a dor de cada rotulação de imagem. Homossexual, por exemplo. Pra Genet e pra mim é uma benção. Como ele, não divido o mundo entre bi, homo, hetero mas entre os que arriscam pra gozar o amor e os que ficam enchendo o saco dos outros por não conseguirem fazer isso. O amor é livre.
Ladrão: Genet foi menor adotado por uma família. Quando foi pegar um doce ou sei lá o quê, ouviu sua família adotiva dizer: ladrão! Aquele doce era propriedade de uma família. Como Genet admiro a habilidade teatral dos gestos do ladrão, do batedor de carteira, como do antigo cobrador de bonde e não acredito no mito da propriedade privada.
Traidor: também sou. Da minha ex-classe média e às vezes até por amor. A traição no amor liberta e excita e faz-nos gozar do fato de que ninguém é de ninguém. E o mundo, um corpo orgiástico."

Mais Genet
"Seria algo pela Energeia, a energia que emana do planeta. Genet, como estava ligado em todo mundo e em todos, morava num hotelzinho, nunca foi proprietário e se punha à disposição de qualquer situação desesperada no mundo em que pudesse atuar com seu texto de ouro. Foi importantíssimo pra causa Palestina, se
apaixonou por este povo com um amor por ele desconhecido. Ficou quase 30 anos sem escrever, uma obra de fôlego até que um fato o levou a escrever "O cativo apaixonado", sua última obra. Estava na Palestina no período da guerra pesada, foi dormir na casa de um jovem que no dia seguinte partia pro campo de batalha. Ele continuou na casa e foi tratado pela
mãe do jovem da mesma maneira que ela tratava o filho. Isso deixou ele pirado e ele voltou a escrever. Foi quando encontrou não uma mãe edipiana mas uma mãe do mundo, uma Geia."

Situação dos homossexuais
"Sim, as coisas estão mudando para os homossexuais mas à
custa de se ter de vender uma imagem definitiva do homossexual, que é a política anglo-americana: "Cada macaco no seu galho". Não é assim. É preciso não deixar cinza nos estereótipos. Ninguém sabe o que é a sexualidade. O estereótipo do
homossexual é uma defesa do rebanho que tem medo do encontro -gente é gente, homem é homem, mulher é mulher, mulher-homem. Inventou-se um teatro papai-mamãe e pederasta inato que é a família edipiana. Essa bobagem tem de ser desfeita"





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