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Pérola Negra foi empregada doméstica

AJB 02/11/98 23h06
Do Rio de Janeiro

O último show, nesse templo da mais popular música brasileira que é o Seis e Meia do Teatro João Caetano, Jovelina Pérola Negra fez como uma das grandes damas negras do samba que de fato era: no palco da Praça Tiradentes, nesses últimos dias, ao lado de Carmem Costa, Dona Ivone Lara, Áurea Martins e Leci Brandão; na carreira artística, desde o início, com um certo ar de continuadora da insubstituível Clementina de Jesus, não só pela tênue, talvez, semelhança de timbre, mas pelo gosto do jongo, do caxambu e do calango, formas musicais nacionais quase extintas.

Como Clementina (e também como Carmem Costa), a pérola Jovelina Faria Belfort foi empregada doméstica. Tempos difíceis, evidentemente. Sua generosidade recordou-os um dia, em 1986, quando o sucesso prolongou por mais duas semanas o show que fazia numa casa sofisticada da chamada nova Lapa, onde antigos patrões foram vê-la: "Minha mãe era empregada dessa família. Havia outras crianças na casa e eu fazia companhia a elas. Fui crescendo, outros filhos foram chegando, eu virei babá de alguns. Minha mãe morreu e eu assumi o lugar dela. Hoje, ver todos eles já crescidos, me aplaudindo, foi uma emoção muito difícil de ser traduzida em palavras."

Teve três filhos; um morreu de leucemia, ainda pequeno. Nasceu em Botafogo, morou em Belfort Roxo e em Madureira, onde se fez imperiana: anos a fio desfilou na Ala das Baianas do Império Serrano e, já reconhecida no meio artístico, era, ao lado de Roberto Ribeiro, Jorginho do Império e outros nomes de peso da escola da Serrinha, atração no Botequim do Império, show na quadra, durante os ensaios, para aumentar a caixa que financiaria os desfiles.

Estreou em disco, em 1985 (já quarentona, como é comum entre os artistas do povo: Cartola, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento, Dona Ivone Lara, Xangô, Guilherme de Brito - e não precisa parar por aqui - só chegaram ao LP depois dos 50 anos), no mesmo pau-de-sebo que revelou também Zeca Pagodinho. Já sabia de onde vinha, pois logo na primeira oportunidade do disco solo, no ano seguinte, soube incluir, a despeito das pressões tácitas e explícitas do mercado, compositores como Nei Lopes e Monarco, de compromissos exclusivamente artísticos.

Jovelina compunha e gravou ela própria boa parte de sua produção. A compositora, embora sem nenhuma dúvida muito acima da imensa maioria dos signatários dos chamados pagodes que atropelam as paradas de sucesso do momento, não estava à altura da intérprete pura, áspera, felizmente não lapidada, que aparentemente não deixa seguidoras.

Teve carreira curta, aliás: são praticamente de ontem os seus passos iniciais, acompanhados pelos ouvintes do memorável programa radiofônico que Adelzon Alves conduzia na madrugada. Nessas audições boêmias, se impunham a verve e a picardia de Bezerra da Silva, um convidado quase diário. Adelzon e Bezerra podem ser considerados, senão os descobridores, os grandes incentivadores de Jovelina Pérola Negra. Dificilmente imaginariam que ela um dia levaria a música dos morros e dos terreiros ao Teatro Municipal: a versadora Jovelina Pérola Negra, princesa do partido, foi uma das estrelas, ali, da festa de entrega do último Prêmio Sharp.




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