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Filme de Domingos de Oliveira agrada em Gramado

AJB 13/08/98 18h02
De Gramado (RS)

Foram poucos os que não gostaram de "Amores", o 10° filme apresentado na competição oficial do Festival de Gramado mas foi o primeiro, e por enquanto o único, a lotar a sala de cinema e arrancar aplausos da platéia. Só na noite de quarta-feira, aliás, Gramado ganhou o espírito de um verdadeiro festival, ponto de encontro para se festejar o cinema no que ele tem produzido de melhor. E com profunda honestidade, olhar aguçado para as relações contemporâneas e câmera livre de amarras, "Amores" é das coisas mais interessantes que o cinema da chamada "retomada do cinema nacional" já produziu.

Domingos Oliveira, que há 21 anos não dirigia um filme (o mais conhecido de sua autoria é "Todas as mulheres do mundo", com Leila Diniz), define essa sua volta como uma experiência de produção, um filme de "baixo orçamento e altas intenções". "Filmar caro significa filmar sem liberdade. No caso brasileiro, filmar caro deveria ser uma exceção", diz Domingos, que gastou R$ 120 mil para pôr o filme na lata, num orçamento total que não chegou a R$ 600 mil.

Com pouco dinheiro e muita vontade, simplicidade foi a única saída. Domingos filmou em super 16 milímetros (depois ampliado para o formato mais comum, 35 milímetros), em apenas três semanas e basicamente duas locações (uma é o próprio apartamento do cineasta, a outra o apartamento da diretora de arte). O elenco, afiadíssimo, trabalha com o diretor constantemente, e é praticamente o mesmo da peça que deu origem ao filme e ficou um ano em cartaz.

Concretizar esse sonho foi um exercício de lidar com limitações. "Para o som, optei por microfones de lapela, que dão extrema mobilidade aos atores. Para a imagem, bolei uma estética que coubesse nesse tamanho de produção. Eu adoro as limitações, elas são a fonte da criação", define. Domingos diz que, nesse tempo todo que se dedicou ao teatro, nunca desaprendeu onde deveria situar a câmera. "A câmera, simplesmente, é o diretor, e basta plantá-la no ponto exato de onde você quer ver a cena. Mas fazer esse cinema é uma coisa muito cara. A saída, então, foi optar por uma câmera jornalística, curiosa, que se intrometesse na cena. Estabeleci então um objetivo, que era fazer 70% do filme com câmera na mão, e os outros 30% numa linguagem mais tradicional, quando achasse necessário momentos mais introspectivos". Por sorte, Domingos encontrou a dupla certa para tornar isto possível: o fotógrafo Jacques Cheuiche e o câmera Paulo Violeta.

A fluência do texto, brilhante no seu humor certeiro e na espontaneidade sugerida o tempo todo, poderia dar a impressão de cenas improvisadas, mas tudo é decorado. Ou seja, existe uma dramaturgia elaboradíssima para criar aquela impressão de "vida fluindo na tela".

Basicamente, a história resume-se no relacionamento de seis pessoas: o funcionário da TV Globo Vieira (Domingos Oliveira), sua filha Cíntia (Maria Mariana, filha do próprio Domingos), Telma (Priscilla Rozembaum) e seu marido Pedro (Ricardo Kosovsky), Luíza (Clarisse Niskier) e seu namorado, bissexual, Rafael (Vicente Barcelos). Tudo é banal e complicadíssimo ao mesmo tempo.

São perguntas básicas que definem as relações amorosas e a ética contemporânea. O que faz uma mulher quando descobre que o namorado é soropositivo? O que faz um pai quando a filha já não é mais virgem e quer mais a independência? O que faz uma mulher que quer ter filhos e não consegue? "Fiz esse filme para provar que todo mundo tem problemas", define Domingos. "Ao mesmo tempo, acho a vida um horror e uma glória. O horror já foi muito explorado pela ficção. Acho moderníssimo falar da glória. Nesse sentido, 'Amores' é um estudo sobre a possibilidade do final feliz."

© AJB 1998


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