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Simplicidade marca enterro de Lucio Costa

AJB 14/06/98 17h30
DO RIO

Discrição e simplicidade marcaram o enterro do arquiteto e urbanista Lúcio Costa, hoje pela manhã, no Cemitério São João Batista do Rio de Janeiro. Um cortejo com cerca de 300 pessoas - entre elas o governador do Distrito Federal, Cristóvam Buarque, e o ministro da Ciência e Tecnologia, José Israel Vargas - prestou as últimas homenagens ao homem que planejou Brasília e ajudou a revolucionar a arquitetura brasileira. Lúcio Costa morreu sábado de manhã, aos 96 anos, em sua casa no Leblon. Hoje, às 11h20, quando o caixão baixou à sepultura, apenas uma salva de palmas selou a despedida ao arquiteto. Para alguns, uma homenagem singela demais que não fez justiça à importância do urbanista.

"Lúcio Costa era uma das personalidades mais importantes da cultura brasileira. Mesmo assim, não houve qualquer iniciativa das autoridades em apoiar a organização do velório. O mínimo que poderiam ter feito era ceder o Palácio Gustavo Capanema, uma de suas principais obras no Rio de Janeiro. Essa omissão institucional é um pecado imperdoável", afirmou o produtor de cinema Luiz Carlos Barreto, que era muito ligado à família e estava revoltado com a simplicidade do enterro. Foram sentidas as ausências do governador Marcello Alencar, do arquiteto Oscar Niemeyer e do prefeito Luiz Paulo Conde, que se encontra na França. Para Barreto, Lúcio Costa representava um dos pilares da cultura brasileira. "Não só por sua arquitetura, mas por suas idéias. Ele está para o urbanismo como Villa-Lobos está para a música clássica, Tom Jobim para a música popular e Glauber Rocha para o cinema. O que está se passando aqui é um pequeno escândalo, um sintoma da falta de auto-estima do brasileiro", disse o produtor, que mora no Parque Guinle, em Laranjeiras, área projetada pelo urbanista.

Maria Elisa, filha de Lúcio Costa, preferiu não se manifestar sobre o assunto. Apenas confirmou que em momento algum foi procurada por autoridades oferecendo um espaço para o velório - mesmo depois de ter sido notificada da decretação do luto e ter recebido condolências oficiais. "Isso é um problema da cultura brasileira e não estou em condições de falar sobre isso". O corpo do arquiteto ficou em sua casa até a hora de ser transferido para a Capela 1 do Cemitério São João Batista, às 6h da manhã de hoje, quando começou o velório. A afirmação de Maria Elisa desmentiu o ministro Israel Vargas, representante do presidente Fernando Henrique Cardoso, que assegurou ter partido da própria família a opção por um velório discreto na capela do cemitério.

Maria Elisa permaneceu todo o tempo ao lado do pai, recebendo as pessoas que faziam questão de abraçá-la e demonstrar o sentimento de perda pela partida do amigo e renomado arquiteto. "Quando alguém chega a essa idade a gente sabe que isso pode acontecer a qualquer momento, mas nunca estamos preparados", disse Maria Elisa em um de seus poucos comentários.

O governador Cristóvam Buarque afirmou que ainda não sabe como vai homenagear Lúcio Costa. Havia um boato de que o Eixo Monumental passaria a ostentar o nome do urbanista mas, segundo a família, o próprio arquiteto recomendava no plano-piloto da cidade que nomes de pessoas não fossem utilizados para batizar logradouros e prédios - e que portanto não gostaria de ver seu nome quebrando essa regra. "Se não pudermos homenageá-lo dando seu nome a um espaço, vamos encontrar uma outra forma. Ainda temos tempo para pensar. A cidade de Brasília inteira é uma homenagem a ele e o mais provável é que dentro de alguns anos seja erguido um monumento como o de Juscelino Kubitscheck", disse o governador. Ele ainda ressaltou que, pelo menos em Brasília, o urbanista é tão conhecido quanto Oscar Niemeyer, outro nome intimamente ligado à cidade. "Nenhuma outra cidade no mundo está associada desta forma ao nome de duas personalidades. Poucos imprimiram um traçado tão definitivo a um projeto urbano. Falar em Brasília e falar em Lúcio Costa é a mesma coisa", afirmou.

"Mais importante do que criar monumentos à pessoa de Lúcio Costa seria divulgar a sua obra, sobretudo seu pensamento", disse o arquiteto Paulo Casé, que foi prestar sua última homenagem a quem considera um mestre. "Gosto de compará-lo a Villa-Lobos. Sua arquitetura, como a música de Villa, era decorrência de um pensamento, de um estudo profundo da realidade brasileira". Luiz Carlos Barreto confirmou a paixão pelas idéias de Lúcio: "Seus textos eram uma aula de cidadania e amor ao Brasil".

O ministro da Ciência e Tecnologia lembrou o reconhecimento mundial do arquiteto. "Lúcio Costa realizou uma das obras mais importantes desse século quando concebeu o projeto de Brasília. Seu trabalho foi reconhecido no exterior pela Unesco, que há dez anos transformou a cidade em patrimônio da humanidade", afirmou. "Sua vida vai permanecer como símbolo dos grandes projetos do Brasil. Sua imaginação, criatividade e o modo simples de lidar com as pessoas sempre impressionaram", completou.

Lúcio Costa era um apaixonado por cinema e já dissera que, se tivesse nascido nos Estados Unidos, provavelmente teria sido cineasta. Talvez isso explicasse a presença de tanta gente ligada ao metiê em seu velório. Além do produtor Luiz Carlos Barreto estavam lá sua mulher, Lucy, e seu filho, Bruno Barreto, além da cineasta Susana Moraes, filha de Vinícius de Moraes. "Não houve arquiteto mais cinematográfico do que ele. Brasília só poderia ser filmada em cinemascope", comentou Bruno. Já Susana contou que Lúcio Costa era um de seus "pais estéticos". "Ele era muito amigo de meu tio, Carlos Brandão. Os dois faziam parte de um grupo de arquitetos modernistas que me influenciou muito", disse, emocionada. Recentemente, Susana teve a oportunidade de entrevistar Lúcio Costa para um vídeo institucional. "Ele falou como um sábio, um homem que não dava importância aos seus feitos, mas sim à vida e às pessoas."

O cineasta Gilberto Motta não teve a mesma sorte. Ele estava começando a preparar um grande documentário sobre o urbanista, em fase de roteirização e pré-produção, quando foi surpreendido pela notícia de sua morte. Com o título provisório de O risco, o filme pretende entrelaçar a trajetória do arquiteto com uma história da arquitetura e do urbanismo no Brasil. "Vamos mostrar a importância de Lúcio Costa na formação de um pensamento estético nacional", explicou o diretor, que filmou o velório e entrevistou algumas pessoas. A fotografia será de Walter Carvalho.

O risco conta com a colaboração da família de Lúcio Costa, que já cedeu vasto material sobre o urbanista. Foram encontradas, também, entrevistas realizadas pelo cineasta José Resnick entre 1989 e 1991, e que contêm muitos depoimentos de Lúcio. Mas Resnick morreu antes de concluir seu trabalho. Este material poderá compensar a ausência de uma entrevista inédita com o urbanista. O produtor Luiz Carlos Barreto pretende homenagear Lúcio Costa apresentado três vídeos sobre ele na inauguração do Canal Brasil, que entra no ar em breve.


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