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'Dédalus' é pausa de realidade em Curitiba

Da Agência Folha 20/03/2000 08h20
Em São Paulo


"Dédalus" não tem nem pé nem cabeça, uma mistura de mitologia grega, viagem intergaláctica e a Jovem Guarda. Mas é uma pequena pausa de realidade, uma chance de escapar da rotina de boas ou más representações do teatro, mas sempre representações.

Porque os atores de "Dédalus", que abriu a chamada mostra dos incluídos no Festival de Teatro de Curitiba, anteontem, não interpretam, propriamente: pacientes psiquiátricos, eles acertam quando erram, empolgam quando esquecem as falas e improvisam; em suma, na expressão artaudiana, eles "presentam".

Tome-se Eduardo Halim, um senhor sem idade definida que faz o personagem-título. Ele precisa de ponto, uma jovem que passa a peça ditando, tão baixo quanto possível, o que ele tem de falar. E ele se dirige a ela, faz piadas distanciadas sobre sua própria falta de memória.

A certa altura, passa outro personagem mítico e questiona Dédalus: "Quem é o herói desta história?". E Dédalus, no que pareceu um "caco": "É o Leônidas, do São Paulo".
Nesse espetáculo que tem muito de comédia, a trama central retrata o amor trágico de Eurídice e Orfeu, "o deus da MTV", em meio aos diálogos de Dedálus e Ícaro, sem contar citações a Dioniso e Narciso.

O amor e, mais até, a sensualidade estão presentes, "incluídos", o que é espantoso, e é estranhamente verdadeira -e emocionante- a "ordem" que os diretores Sérgio Penna e Renato Cohen deram à confusão de atores que vagam, cantam, narram, dançam.

De linha um pouco semelhante é "Um Credor da Fazenda Nacional", do dramaturgo brasileiro Qorpo Santo -em encenação de Georgette Fadel, de São Paulo, atriz da Cia. do Latão. Não se achará traço de ortodoxia "racionalista" neste espetáculo do Fringe, a mostra paralela.

A partir da crítica à burocracia escrita mais de um século atrás por Qorpo Santo, que era paciente psiquiátrico, os atores criam uma realidade que, entremeando sarcasmo e nonsense, faz lembrar o ambiente cênico de "Dédalus". A própria dramaturgia leva a tal efeito.

A produção é limitada na cenografia e nos figurinos, mas há ótimas passagens, e muitas das soluções de mise-en-scène são hilariantes.

Não se pode dizer o mesmo de "Crimes Delicados", de Antônio Abujamra, na qual Nicette Bruno e Paulo Goulart fazem um casal que decide matar a empregada doméstica.

Grosseira e mal construída, sob a capa de questionar o "politicamente correto" amontoa sexismo, preconceito social e cenas supostamente cômicas, como a da atriz Bárbara Bruno atravessando o palco para dizer "cu". Talvez funcione num show de humor baixo, mas não foi além do constrangimento.

O apelo comercial não se restringe à mostra oficial. No Fringe, "As Meninas" recorre à obra de Lygia Fagundes Telles, sobre juventude e drogas nos anos 70, como pretexto para a seminudez de atrizes apresentadas como "a Adriana da novela "Suave Veneno" ou "a Priscila de "Malhação".

Quem se sai melhor é "a Andrea de "Chiquititas", que pela beleza e pelo tempo cômico faz lembrar, guardadas (imensas) proporções, Tonia Carrero.

(NELSON DE SÁ)

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