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Pierre Lévy prega otimismo sobre novas tecnologias

DANIELA DARIANO 31/05/2000 09h50
especial para a Folha de S.Paulo

Num mundo de nostálgicos e críticos, ele tornou-se polêmico por prever o futuro com otimismo e criatividade. O francês Pierre Lévy, 43, é um dos grandes pensadores e pesquisadores da evolução cultural da atualidade, o primeiro a encarar o ciberespaço sem medo.

Com seu livro “O Fogo Liberador”, recém-lançado em português pela Iluminuras, está mais uma vez no Brasil para um ciclo de palestras no Rio Grande do Sul e será o próximo entrevistado do programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na segunda-feira (5).

Assumindo seu papel de filósofo, ele rebate os críticos que o chamam de ingênuo e diz apenas participar de uma conversa global, que inclui até mesmo Pascal (1623-1662).

Em sua passagem por Porto Alegre, onde fez parte de um seminário sobre novas linguagens, na PUC-RS, Lévy conversou com a Folha.

Folha - Suas visitas ao Brasil não frustram a idéia de que estamos construindo um mundo melhor, já que tantas pessoas estão fora da inteligência coletiva no mundo virtual?

Pierre Lévy -
Acho que ninguém está fora da inteligência coletiva. Se você é humano, está dentro da inteligência coletiva. Você está conectado pela língua, por tradições, por sua família, seus amigos, seu trabalho, ou até por sua ausência de trabalho. Mas há níveis de conexão. Se você está conectado à Internet, terá mais chance de estar em contato com outras culturas. É uma questão de níveis, não de exclusão.

Mas não é só minha a idéia de pensar em uma ecologia humana, em incluir os excluídos. Imagino que seja a idéia de todo mundo. E não serei eu quem incluirei as pessoas. Se não é o objetivo de toda a sociedade, não acontecerá.

Folha - E o senhor acha que estamos criando algo melhor?

Lévy -
Sim, mas num sentido muito preciso. Melhor é a abertura do espaço para a escolha de formas diferentes. É mais liberdade, mais responsabilidade e mais conflitos entre o que é bom e o que é ruim. Isso é evolução, que não se dirige a um lugar determinado, mas abre o espaço de possíveis formas de relações, de processos, de pensamentos.

Folha - Inteligência coletiva não implica ignorância individual?

Lévy -
Inteligência coletiva é a condição humana. Somos inteligentes porque estamos fazendo significados. Quanto mais rica for uma cultura, mais aumentarão as riquezas emocionais, intelectuais e pessoais. Assim, existe uma relação entre a riqueza de uma cultura e a abertura das mentes de seus indivíduos. Se houver muita gente inteligente trabalhando junta, a inteligência coletiva será maior.

Folha - Em “O Que É o Virtual”, momentos históricos são citados para datar o início da onda de virtualização. Quando ela começou?

Lévy -
É um processo evolutivo. Talvez tenha começado com o início da vida, com o DNA, um corpo virtual. Talvez tenha começado com o sistema nervoso.

Folha - Seus livros mostram uma visão muito otimista do futuro com a Internet e com as novas tecnologias. Somente em alguns momentos são mencionados os perigos inerentes ao processo. Quais são eles e por que não discuti-los?

Lévy -
Porque estamos sempre ouvindo sobre eles. Então, tento ser útil e não falar do que todo mundo sabe. Os perigos da Internet são os perigos da condição humana. Sempre haverá agressividade, e o fato de a Internet existir não a suprime.

Se você observar a configuração da comunicação no nazismo e no fascismo, verá grandes centros de emissão de mensagem controlados pelo partido, pelo Estado ou pelo ditador. E ninguém mais tem o direito de se expressar. Não há comunicação horizontal.

A comunicação é sempre vertical. A Internet é exatamente o contrário. Todo mundo pode falar com todo mundo, e a comunicação é completamente horizontal. A conversa livre previne totalitarismos.

Folha - Seus críticos dizem que o senhor tem um ponto de vista ingênuo. E, em seus livros, o senhor às vezes parece dar dicas. Para garantir um futuro criativo e integrado é preciso ler Pierre Lévy?

Lévy -
Está havendo uma conversa generalizada sobre o que tudo isso significa. O que estamos fazendo agora? Como podemos construir uma sociedade melhor? Todo mundo quer isso.

Eu só participo dessa conversa e tento expressar visões originais para ser construtivo. Se repetir o que a mídia fala, não cumprirei meu papel de filósofo. Um filósofo não deve dizer o mesmo que os jornalistas. Já estamos conscientes dos perigos. Se pensarmos apenas neles, não poderemos criar um futuro melhor. O medo não é inteligente nem generoso.

Folha - Para fazer parte da inteligência coletiva é preciso saber inglês?

Lévy -
Claro que será melhor se você souber inglês, porque ele está se tornando a língua franca da ciência, dos negócios, do turismo. É útil falar inglês. Não é contraditório. É preciso perceber nossas próprias experiências, não ideologias. Mas isso não significa esquecer sua língua original, claro.

Folha - O texto não perde espaço para as imagens na Internet?

Lévy -
As imagens são uma forma bem antiga de comunicação. Se você vai à igreja, você vê todas aquelas estátuas e aqueles quadros, tudo muito antigo. Nesse ambiente de imagens, estátuas e arquitetura, está o padre que fala e o texto. A comunicação humana sempre tem todas as dimensões: música, dança, quadros, estátuas. Por que temer que o texto desapareça? Se você navega na Internet, é só texto, texto, texto.

Folha - Em seus livros, o senhor prevê o futuro. Já foi corrigido pela realidade? O futuro já se tornou passado em suas expectativas?

Lévy -
Sim. Acho que fui tímido em minhas previsões. O futuro é sempre mais incrível do que imagino. Em meu livro “As Tecnologias da Inteligência”, de 1990, disse que o futuro do texto seria o hipertexto em rede global. Mas isso aconteceu antes mesmo da “world wide web”.

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