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Mestre Didi joga com os búzios da arte em esculturas

CELSO FIORAVANTE 31/05/2000 10h16
da Folha de S.Paulo

“Esin Mesan Awo”, “Sasara Ibiri Ati Ejo Meji”, “Odé Olorú Ninu Iya Egan Agbara”. Os nomes são os mais obscuros possíveis e suas traduções também não ajudam muito: “As Nove Lanças do Mistério”, “Xaxará Ibiri com Duas Serpentes”, “Poderosa Patrona da Floresta com Magnífico Herdeiro”.

Nada disso, porém, dificulta a fruição das esculturas que o baiano Deoscoredes Maximiliano dos Santos apresenta a partir de hoje na galeria São Paulo, já que, apesar de toda a sua simbologia, elas possuem também rigor compositivo, cromatismo bem cuidado e rigor técnico em sua confecção.

Deoscoredes Maximiliano dos Santos é, na verdade, Mestre Didi, um sacerdote do candomblé cuja iniciação começou em 1925, aos 8 anos de idade. Com 19 anos, já era um “assogbá”, sacerdote do culto de Obaluiayê no terreiro Axé Apó Afonjá.

Sua produção artística está intimamente ligada a essas atividades religiosas. As duas, aliás, são indissociáveis, pois mesmo as peças sem fins religiosos estão carregadas de simbologias míticas.

“Mestre Didi trabalha com materiais ancestrais, que carregam algum tipo de simbologia, como palha desfiada, búzios e contas vegetais. Mesmo elementos retirados do cotidiano, como contas de plástico, têm significados especiais dentro de uma contextualização mítica”, explica a antropóloga Juana Elbein dos Santos, que conheceu o artista em 1964 e com ele se casou no ano seguinte.

É a antropóloga quem fala pelo artista, já que, segundo ele, como sacerdote, Mestre Didi não pode falar em público sobre sua obra.

“O conhecimento que o público em geral tem da civilização afro-brasileira é superficial, deturpado e permeado por superstições, medos e misticismos. Isso vem sendo perpetuado pelos meios de comunicação de massa, que não reproduzem a verdadeira identidade do objeto”, disse Elbein. Por isso é ela quem fala.

Mestre Didi é muito rigoroso em relação à sua produção. Rigor, aliás, é uma palavra que define bem seu trabalho, iniciado ainda em sua juventude, quando fazia apenas objetos para adoração em cultos afro, já com grande domínio artesanal (ele era carpinteiro na juventude). Depois passou a produzir objetos para uso pessoal. São objetos profanos, mas sempre com referências míticas.

Suas esculturas são estruturas totêmicas que reúnem três características da simbologia afro: “ibiri” (o feminino, representado pelas curvas), “xaxara” (o masculino, representado por uma estrutura ereta) e “oxumaré” (a serpente, símbolo da união entre a Terra e o Além).

As cores também são simbólicas. O vermelho, por exemplo, pode ser dinastia ou transformação. Mesmo os materiais utilizados possuem sua carga mítica. A palha desfiada pode representar a presença de espíritos. Os búzios podem ser fertilidade ou poder.

Essas relações, porém, não são óbvias, estanques ou fruto de uma crendice popular. “Trabalhar em uma cultura ancestral não significa estar parado no tempo, mas sim trabalhar dentro de uma continuidade. A simbologia que cerca as obras, por exemplo, não está congelada, mas é contextual, plurivalente e depende do contexto em que opera”, disse Elbein.

O quê: Exposição “Mestre Didi” (25 esculturas)
Onde: galeria São Paulo (rua Estados Unidos, 1.456, Jardins, em São Paulo)
Vernissage: hoje (quarta-feira), às 20h
Quando: de segunda a sexta, das 10h às 20h; sábado, das 10h às 19h
Quanto: de R$ 3.600 a R$ 20 mil
Informações: 0/xx/11/852-8855

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