Batalhão de advogados vai combater suspensão da venda da Vale

Mais de 120 profissionais trabalham para derrubar liminar concedida na sexta-feira

AJB 26/04/97 16h55
do Rio de Janeiro

Vale A suspensão do leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce será enfrentada por uma verdadeira tropa de advogados. São 120 profissionais que estão encarregados, em tempo integral, de zelar pela realização do leilão na terça-feira, data escolhida pelo governo no início de março, quando o edital de venda da empresa foi divulgado. Na segunda-feira, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), vai por à prova o seu esquema, entrando com recurso para cassar a liminar concedida na última sexta-feira suspendendo o leilão.

Também é aguardada com ansiedade a votação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de pedido de liminar de ação direta de inconstitucionalidade impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A ação questiona o fato de as concessões de transportes da Vale serem vendidas junto com a empresa e não através de uma licitação específica. O relator da ação é o mesmo ministro Marco Aurélio Mello, que concedeu liminar anulando decreto presidencial que dava utilização gratuita a uma gleba de terra nas adjacências de Carajás, no município de Paraupebas (PA).

As centenas de ações que deram entrada na Justiça nas últimas semanas contestando a venda da estatal eram um forte indicativo de que o processo de venda da Vale não seria simples. Como não foram outros tantos.

Além da equipe reforçada de advogados deslocados dos quadros do BNDES, da Advocacia Geral da União (AGU) e da própria Vale, foram contratados ainda dois conhecidos escritórios de advocacia para ajudar na empreitada e mais a Pampulha, empresa de jatinhos de Belo Horizonte, encarregada de transportar a qualquer momento os advogados desta tropa de choque para qualquer ponto do país, sem perda de tempo.

Todos estes preparativos já custaram ao governo a bagatela de R$ 695 mil. Só com a Pampulha, vencedora da licitação promovida pelo BNDES, o governo está gastando R$ 75 mil. A empresa fica obrigada a deixar disponíveis, até o dia 5 de maio, quando será feito o pagamento do leilão, quatro jatinhos. Se as aeronaves forem usadas, haverá um custo adicional de R$ 1,10 por quilômetro voado. Tudo para permitir o deslocamento em tempo recorde dos advogados que defenderão o processo de venda da Vale em qualquer parte do país.

As despesas do governo também incluem o escritório da advogada carioca Maria Tereza Nogueira e a banca dos advogados de Brasília Cláudio Lacombe e Fernando Neves da Cunha, o mesmo que defendeu o ex-presidente Fernando Collor. Com estes dois escritórios, o governo está gastando R$ 570 mil. O restante da conta foi gasta com hospedagens e alimentação para a equipe enviada aos estados onde a Vale tem unidades.

Todo este esquema de defesa vem sendo montado desde dezembro. No início de abril, uma grande reunião em Brasília acertou os últimos detalhes da estratégia de defesa que seria usada para garantir a realização do leilão.

Assunto Vale "faz mal
à saúde" de Eliezer Batista

Se tem um assunto que deixa o engenheiro Eliezer Batista de mau humor, é a privatização da Vale do Rio Doce. "Não gosto de falar sobre isso porque faz mal à minha saúde", se limita a dizer para qualquer interlocutor insistente em saber a opinião do pai da estatal. Ele é contra a privatização, pelo menos agora e da forma com que está sendo preparada.

"Vão esquartejar a Vale logo depois do leilão por um preço que poderia ser muito maior se ela fosse vendida em blocos estratégicos, reunindo, a área mineral, florestal e de infra-estrutura", tem confidenciado Eliezer Batista, ex-presidente da Vale. Ele acaba de confirmar sua saída da Vale para assumir o Conselho Coordenador de Assuntos Federais do Rio de Janeiro.

Isto não significa, porém, que ele tenha ficado em casa, assistindo pela televisão todo o intrincado jogo de xadrez dos últimos meses envolvendo o destino do conglomerado de 54 empresas. O engenheiro, de 74 anos, mais conhecido como Doutor Eliezer - que há cerca de 40 anos calçava bota de operário para entrar na selva ou subir no trem para começar a desenhar o gigantesco grupo - ainda respira Vale 24 horas por dia. Era, até a semana passada chairman do braço internacional, Rio Doce Internacional, e negociava diretamente com japoneses, australianos e outros.

Eliezer foi consultado primeiro pelo presidente Fernando Henrique há dois anos, quando a privatização da Vale ainda não tinha sido realmente decidida por decreto presidencial. Falou o que achava, alertando para o risco da estatal simplesmente ser desmembrada em vários pedaços, perdendo sua unidade.

Nas últimas semanas, voltou a ser cortejado pelos representantes dos dois consórcios interessados na CVRD. Benjamin Steinbruch (dirigente da Companhia Siderúrgica Nacional), que lidera o consórcio Brasil e Antônio Ermírio de Moraes (dirigente do grupo Votorantim) e comandante do outro consórcio, o Valecom, procuraram o ex-presidente da Vale.

Bem ao seu estilo, muito reservado, Eliezer Batista não disse sim para nenhum dos dois. Sequer sinalizou qualquer esboço de simpatia pelas duas propostas de modelo de gestão.

Chegou a ser convidado por Benjamin para presidir o consórcio Brasil e diante de sua recusa surgiu o convite para se manter, ao menos, no cargo de chairman. Nada pareceu comover o engenheiro de olhos claros, voz forte e idéias brilhantes.

"Ele não quer mesmo se envolver. Ninguém vai conseguir mudar sua decisão", comenta um dos poucos interlocutores que têm acesso às conversas recheadas de dados e visão estratégica de Eliezer Batista.

Muito reservadamente, porém, o ex-presidente da estatal já deu alguns indicadores de que, diante do inevitável, faz torcida para um consórcio. O que se especula no mercado financeiro é que o Doutor Eliezer preferiria ver o consórcio Brasil, liderado pela CSN, ganhando a disputa. Por esse raciocínio, o grupo do Votorantim tem muitos parceiros estrangeiros e principalmente a Anglo American, sul-africana. Já que a venda é inevitável, imaginam os executivos do mercado, Eliezer consideraria que a melhor solução seria ter o controle ainda mas mãos de brasileiros.

Os planos atuais do Doutor Eliezer, segundo os amigos, é de ficar afastado na nova Vale. Já que não concorda com o modelo de venda, não faria sentido, portanto, ajudar os novos donos da iniciativa privada. A intenção do ex-presidente da CVRD é trabalhar no Conselho Coordenador de Assuntos Estratégicos do Rio de Janeiro por mais algum tempo. Isto significa comparecer a algumas reuniões, ter uma sala na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, onde está o Conselho, e esperar a hora de parar.

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