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E S P E C I A L
Vale do Rio Doce
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Foi dada a partida para privatizar a Vale
Falta definir como será feita a venda
Exame 03/01/96
Os sessenta executivos presentes na tarde do dia 20 de dezembro (1996) ao auditório do BNDES no Rio de Janeiro esforçavam-se para demonstrar tranqüilidade. Eram os representantes de
bancos e consultorias dos oito consórcios que disputavam a realização dos serviços de avaliação financeira, definição do modelo de venda e forma de colocação no mercado das ações da Companhia Vale do Rio Doce. O governo pretende privatizá-la no segundo semestre de
1996.
Pontualmente, às 14h30, o presidente da comissão de licitação do banco, Luziano
Prudente, iniciou o ritual de abertura dos envelopes. Meia hora mais tarde, dois grupos exibiam largos sorrisos: o liderado pela Metal Data/Máxima e o da Projeta/Merril Lynch. Ao primeiro, caberá fazer a avaliação econômico-financeira da maior produtora e exportadora de minério de
ferro do mundo. Ao segundo, ficará uma tarefa que inclui, além da avaliação, o modo como ela
será vendida e como serão ofertadas suas ações no mercado. Estava vencida mais uma batalha
para a venda de uma das maiores estatais brasileiras e um dos grandes negócios de privatização
no mundo.
Os duelos travados nos dias que antecederam essa concorrência dão uma idéia da importância e
da disputa que cerca o negócio. Durante toda a semana anterior, o BNDES vivera a expectativa
de que o consórcio Itajubá (liderado pelo Morgan Stanley e Banco Pactual) fosse à Justiça com
uma contestação ao processo de licitação. O Itajubá fora desclassificado da disputa por ter
apresentado um preço muito baixo pelo trabalho, considerado inexeqüível pelo regulamento. Se
isso fosse feito, a privatização da Vale seria adiada por pelo menos dois meses. Um telefonema
do presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, ao diretor para América Latina do
Morgan, Francisco Gros, desmanchou a possibilidade do adiamento. Na diretoria do BNDES
sabe-se que foi uma conversa em tom muito duro por parte de Mendonça de Barros. O Itajubá
não ameaçou brigar por uma ninharia. Estima-se que o valor da Vale esteja em torno dos 10
bilhões de dólares. Isso renderá ao consórcio Projeta/Merril Lynch uma comissão de
aproximadamente 100 milhões de dólares, ao vender a metade da Vale que está nas mãos do
governo.
Divergência - A próxima batalha dará muita dor de cabeça ao governo e já tem seu teatro
de operações definido. Será o Senado, onde deverá ser votado nos próximos meses o projeto de
lei do senador sergipano José Eduardo Dutra, do PT. O texto, se aprovado, concede ao Senado
o poder de decidir se a Vale deve ou não ser desestatizada. Em abril de 1990, o próprio
Congresso aprovou a Lei no 8031, entregando ao Executivo a condução da privatização. O que
se quer agora, portanto, é uma reviravolta no processo. O máximo que o governo aceita ceder
nessa questão é dar ao Senado uma espécie de supervisão da operação de venda, à semelhança
do que já foi feito na privatização da Embraer. "Nesse caso, montaremos uma forte estrutura de
comunicação com o Congresso, munindo-o de todas as informações possíveis", diz Sérgio
Zendron, ex-diretor do BNDES e atual diretor-superintendente do Banco Graphus, um dos
integrantes do consórcio Projeta/Merril Lynch.
A polêmica da venda não se restringe a isso. No governo, também não há convergência em vários
pontos. O principal deles é se a Vale do Rio Doce deve ser vendida em bloco ou em
partes. O ministro José Serra, do Planejamento, e Elena Landau, diretora do BNDES, são pela
venda em bloco. Mendonça de Barros quer a negociação de partes da empresa. Mesma posição
tem o ex-ministro e ex-presidente da Vale, Eliezer Batista, um nome ainda de muita influência
na estatal. Mendonça de Barros acha que a divisão da Vale em grandes conglomerados
resultará em mais dinheiro. Ele cita o caso da RJR Nabisco nos Estados Unidos. O gigante
americano da área de alimentação foi comprado por 25 bilhões de dólares há sete anos por um
grupo de investidores no mercado financeiro e depois revendido, aos pedaços, com lucros
bastante satisfatórios, segundo ele.
É possível, entretanto, que as 68 empresas que compõem o sistema Vale passem para mãos
privadas como um único bloco. O próprio Conselho Nacional de Desestatização já bateu o
martelo neste sentido. De qualquer forma, esta é uma das questões que a associação
Projeta/Merril Lynch tem diante de si. Um diretor de uma das empresas que integra o consórcio
diz que a "venda fatiada é uma impossibilidade". Um dos motivos seria a excessiva vinculação da
maioria das controladas às atividades da matriz. A Docenave, que transporta o produto da lavra,
por exemplo, depende totalmente da Vale do Rio Doce. Outro empecilho seria a perda
de competitividade internacional. Esse tipo de assunto deverá estar resolvido até julho de 1996,
quando o consórcio escolhido agora encerra seus trabalhos. Depois, o BNDES publicará um
edital marcando a venda, prevista para setembro.(Lauro Jardim)
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