E S P E C I A L
Vale
do Rio Doce

A descoberta de novas jazidas põe em questão a privatização da Vale?

José Machado*

Folha de S.Paulo 30/01/97
São Paulo

Sim
A proposta de privatização da Vale do Rio Doce é uma insensatez sob todos os pontos de vista, não somente em função do anúncio da descoberta de uma nova jazida de ouro nas vizinhanças de Carajás.

Provavelmente, o ouro localizado pelos trabalhadores da Vale só foi surpresa para nós. Certamente ele já era do conhecimento do setor de sensoriamento remoto da Nasa, que mantém um antigo acordo com o Brasil, acordo mal pactuado, que permite àquela agência governamental americana não repassar todas as informações geológicas que obtém sobre o Brasil.

A "descoberta", portanto, tem seus méritos, mas não é o centro da questão.

Como, a rigor, não existe surpresa geológica para os satélites, o que precisa ser avaliado é o papel da Vale como agência de desenvolvimento. Quer dizer, o potencial mineral do sul do Pará e de outras áreas do país, se não é conhecido rigorosamente, sobre ele podemos pelo menos ter fundadas suspeitas, e é certo que o território nacional abriga vários "escândalos" geológicos.

No entanto, se a região sul do Pará hoje se integra com dinamismo à economia nacional em vários setores, não é somente em razão de suas riquezas minerais. É porque existe a Vale do Rio Doce. E esta empresa foi lá, ao meio da selva, fazer investimentos e gerar riquezas.

Nunca houve impedimento para o capital estrangeiro investir em Carajás. A US Steel chegou a participar desse projeto e se retirou porque não quis investir na construção da ferrovia Carajás-Itaqui. A Vale bancou sozinha o empreendimento, cumprindo com brio sua missão de agência de desenvolvimento.

Agora que o projeto está em andamento, com a infra-estrutura construída, assegurando à Vale o controle de 25% do mercado mundial de minérios, o capital estrangeiro do setor, revelando seu caráter parasitário, quer comprar por preço vil aquilo que se negou a construir.

É como se o Estado brasileiro assumisse a responsabilidade de construir a infra-estrutura para, em seguida, doá-la ao capital estrangeiro, que vai explorar o nosso subsolo. Mantida a tradição, vai nos legar como herança os buracos e as chagas sociais.

Esse é um tipo de colonialismo ainda mais perverso do que o colonialismo clássico, porque, no colonialismo tradicional, o capital era aportado pelo colonizador; nesta nova forma de colonialismo, o capital investido na infra-estrutura é aportado pela colônia.

Em resumo, a privatização da Vale do Rio Doce equivale à renúncia a qualquer projeto nacional, porque esta agência é um dos poucos sistemas globais do país que têm capacidade de atrair investimentos e financiamentos externos, realizar parcerias estratégicas e manter uma inserção competitiva num mercado internacional altamente oligopolizado, como ensina Maria da Conceição Tavares.

Ao implementar tal política, Fernando Henrique Cardoso está fazendo o Brasil econômico retroagir ao período histórico anterior a 1930. Como a economia é a política condensada, esse mesmo governo está abrindo o caminho, pelo golpe da reeleição, para que o Brasil político volte ao Estado Novo. Essa política exige a mobilização de todas as pessoas sensatas em defesa de nosso futuro como nação independente.

*José Machado, 51, é deputado federal pelo PT-SP, ex-prefeito de Piracicaba (SP) e líder da bancada na Câmara.

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