Sim
A proposta de privatização da Vale do Rio Doce é uma insensatez sob todos os pontos
de vista, não somente em função do anúncio da descoberta de uma nova jazida de ouro nas
vizinhanças de Carajás.
Provavelmente, o ouro localizado pelos trabalhadores da Vale só foi surpresa para nós.
Certamente ele já era do conhecimento do setor de sensoriamento remoto da Nasa, que mantém
um antigo acordo com o Brasil, acordo mal pactuado, que permite àquela agência governamental
americana não repassar todas as informações geológicas que obtém sobre o Brasil.
A "descoberta", portanto, tem seus méritos, mas não é o centro da questão.
Como, a rigor, não existe surpresa geológica para os satélites, o que precisa ser avaliado é o papel
da Vale como agência de desenvolvimento. Quer dizer, o potencial mineral do sul do Pará e de
outras áreas do país, se não é conhecido rigorosamente, sobre ele podemos pelo menos ter
fundadas suspeitas, e é certo que o território nacional abriga vários "escândalos" geológicos.
No entanto, se a região sul do Pará hoje se integra com dinamismo à economia nacional em vários
setores, não é somente em razão de suas riquezas minerais. É porque existe a Vale do Rio
Doce. E esta empresa foi lá, ao meio da selva, fazer investimentos e gerar riquezas.
Nunca houve impedimento para o capital estrangeiro investir em Carajás. A US Steel chegou a
participar desse projeto e se retirou porque não quis investir na construção da ferrovia
Carajás-Itaqui. A Vale bancou sozinha o empreendimento, cumprindo com brio sua missão de
agência de desenvolvimento.
Agora que o projeto está em andamento, com a infra-estrutura construída, assegurando à Vale
o controle de 25% do mercado mundial de minérios, o capital estrangeiro do setor, revelando seu
caráter parasitário, quer comprar por preço vil aquilo que se negou a construir.
É como se o Estado brasileiro assumisse a responsabilidade de construir a infra-estrutura para, em
seguida, doá-la ao capital estrangeiro, que vai explorar o nosso subsolo. Mantida a tradição, vai
nos legar como herança os buracos e as chagas sociais.
Esse é um tipo de colonialismo ainda mais perverso do que o colonialismo clássico, porque, no
colonialismo tradicional, o capital era aportado pelo colonizador; nesta nova forma de
colonialismo, o capital investido na infra-estrutura é aportado pela colônia.
Em resumo, a privatização da Vale do Rio Doce equivale à renúncia a qualquer projeto
nacional, porque esta agência é um dos poucos sistemas globais do país que têm capacidade de
atrair investimentos e financiamentos externos, realizar parcerias estratégicas e manter uma
inserção competitiva num mercado internacional altamente oligopolizado, como ensina Maria da
Conceição Tavares.
Ao implementar tal política, Fernando Henrique Cardoso está fazendo o Brasil econômico
retroagir ao período histórico anterior a 1930. Como a economia é a política condensada, esse
mesmo governo está abrindo o caminho, pelo golpe da reeleição, para que o Brasil político volte
ao Estado Novo. Essa política exige a mobilização de todas as pessoas sensatas em defesa de
nosso futuro como nação independente.
*José Machado, 51, é deputado federal pelo PT-SP, ex-prefeito de Piracicaba (SP) e líder da
bancada na Câmara.
Leia também