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Sem investir, Tuna Luso vira sensação da segundona

Por Estanislau Maria 14/10/97 20h14
Agência Folha
De Belém

Sem investir um centavo sequer na compra ou empréstimo de jogadores, a Tuna Luso Brasileira, de Belém, foi o único time da Região Norte a se classificar entre as oito equipes finalistas da segunda divisão do Campeonato Brasileiro, desbancando até os rivais mais famosos, Remo e Paysandu.

A exemplo de Vasco e Portuguesa -times ligados à colônia lusitana bem colocados na primeira divisão no Campeonato Brasileiro-, a Tuna surpreendeu na competição. Disputou 11 jogos e ganhou cinco. Empatou quatro vezes e sofreu duas derrotas.

Azarão que queria apenas evitar o rebaixamento, a Tuna derrotou o Remo por duas vezes e o Paysandu com uma goleada histórica de 4 a 0.

Sem torcida nem estrelas no time -os salários não passam de R$ 1.500,00-, a equipe também não tem patrocinador. A única alternativa é investir na escolinha de futebol.

Lá jogam quase 2.000 garotos com idades de 7 a 18 anos -do pré-mirim ao júnior-, acompanhados por oito técnicos e um preparador físico. De lá saíram craques como Giovanni (Barcelona) e Arinélson (Santos).

Sete jogadores do time atual chegaram emprestados a custo zero. Os outros 22 saíram da escolinha.

Detalhe: esse time foi renovado, porque nove titulares revelados no ano passado já foram vendidos ou emprestados. Mais nove juniores devem virar titulares no ano que vem, porque alguns titulares já têm propostas para sair.

Na escolinha, não há peneiras (teste para admissão de jogadores). O que existe é um convênio com as Secretarias Municipal e Estadual de Educação.

A Tuna Luso oferece campo, instalações e equipamentos aos alunos de rede pública, que mantém os profissionais.

Além disso, cerca de 600 alunos pagam mensalidade e pagam R$ 15,00. Essa verba de R$ 9.000 mantém a escola funcionando e a fonte de craques da Tuna.

''Da quantidade, tiramos a qualidade'', afirma o técnico dos juniores e coordenador da escolinha, Samuel Cândido.

A eficiência se comprova nas conquistas: tricampeão estadual infantil, bicampeão estadual juvenil (disputando o tri), pentacampeão (de 91 a 95) e duas vezes vice (96 e 97) júnior.

Como os jogadores aparecem e são vendidos na mesma velocidade, o time profissional não tem o mesmo retrospecto.

Ganhou apenas dez estaduais; o último foi em 1988. Foi campeão em 1985 da extinta Taça de Prata e 1992 da segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Nas duas ocasiões, não havia ascensão e a Tuna permaneceu na segundona.

Agora, jogadores e técnico já sonham em chegar à primeira divisão e dão a receita: humildade, união, muito esforço e garra.

Taticamente, o técnico Paulo Comelli, 37, não tem refinamentos. Ela cobra muita marcação e ataques e contra-ataques rápidos, principalmente pelas pontas. O destaque da equipe é o atacante Rogério.

A Tuna enfrenta na segunda fase da segunda divisão em quadrangular o América-MG, Vila Nova, de Goiás, e o Joinville.

O técnico da Tuna Luso é jovem e linha-dura. O paulista Paulo Comelli, disse ter sido influenciado pelo estilo do futebol da região sul e acha que está ''mais para Luiz Felipe que para Joel Santana''.

Luiz Felipe, técnico do Palmeiras, é conhecido pelo seu estilo duro e disciplinado de trabalhar. Joel Santana tem fama de cultivar um estilo mais suave, amigável e próximo do jogador.

''Ele ouve os jogadores, mas é muito sério, exigente e detalhista em suas determinações'', disse o zagueiro Walter, 22.

''Comigo não tem blá-blá-blá. Para mim, é menos conversa e mais trabalho'', declarou Comelli. O técnico assumiu a Tuna Luso neste segundo semestre, a 20 dias do início do Campeonato Brasileiro. Apesar do pouco tempo, conseguiu imprimir seu esquema de jogo ao time.

''Eu quero sempre uma marcação forte e os ataques com trocas rápidas de passes. A defesa mantenho fixa, mas do ataque cobro uma movimentação constante'', disse Comelli.

Os atuais jogadores da Tuna sonham com o mesmo destino do craque Giovanni, revelado na escolinha e hoje titular do Barcelona (Espanha).

''Aproveitamos a boa fase como uma espécie de vitrine'', disse o goleiro reserva Dimas, 22.

''Queremos ser campeões, mas também queremos a transferência para equipes do Rio, São Paulo e Paraná'', disse o lateral Júnior, 28. Júnior é o artilheiro da Tuna, com seis gols marcados na segundona.

''Se passar a lei Pelé, com o fim do passe, vamos fazer contratos de dez anos'', disse o supervisor de futebol da Tuna Luso, Rui Pacheco, 44.

Com baixas rendas, devido à pequena torcida, e sem patrocinador, a Tuna sobrevive da venda de jogadores. Segundo Pacheco, com contratos longos, o time vai continuar faturando nas multas rescisórias para a transferência de jogadores.

Atualmente, um fabricante de cerveja patrocina o clube social, mas não não há uma verba específica para o departamento de futebol profissional. ''Eles ajudam quando nós precisamos'', declarou Pacheco.

A colônia portuguesa de Belém também contribui com o time. Empresários, sobretudo do setor de transportes, ajudam financeiramente.

Pacheco, o diretor de futebol Wilson Morishita, 36, e o técnico Paulo Comelli, 37, disseram ser favoráveis ao fim do passe, à profissionalização do futebol e à fiscalização do Ministério Público, propostas da lei Pelé.

''As federações e a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) sugam os times. Com a nova lei, essa 'teta', se não acabar, pelo menos vai diminuir'', afirmou o diretor.

Morishita, além de dirigente, também é procurador e empresário de 60 jogadores. ''Para mim, a nova lei vai ser maravilhosa. Vai aumentar o trabalho em 200%.''

Segundo ele, muito mais jogadores precisarão de procuradores para fazer o contato com os times.


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