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Becker dá conselhos para Guga ficar entre os melhores

Por Fernanda Papa 01/11/97 18h32
Agência Folha
De Paris

O encanto que Boris Becker exerce sobre o público impressiona. Há quem chore ao ver o tenista, 29, jogando ao vivo. Outros não se cansam de relembrar seus grandes momentos no tênis, como em 1991, quando alcançou a primeira colocação do ranking mundial.

Ele pode, por outro lado, ser chamado de arrogante ou impaciente. Na Alemanha, principalmente, onde se envolve em polêmicas e discussões.
Mas Becker em quadra significa estádio lotado, com certeza. Em seus 14 anos de carreira, o loiro de barba ruiva (ainda por fazer) fez vários fãs em vários países.

Entretanto, os grandes shows na quadras, com saltos quase acrobáticos perto da rede, características do alemão nascido em Leimen, não são mais vistos com tanta frequência com outros tenistas.

O alemão está deixando o circuito profissional, em que já não vê muita graça, apenas exceções.

Uma delas é Gustavo Kuerten, de quem Becker se tornou amigo durante o Torneio de Hong Kong, há quase três semanas, quando o brasileiro chegou à final.

Desde então, Becker convidou Kuerten e seu técnico, Larri Passos, para treinar durante torneios em Stuttgart, na Alemanha, e Paris, na França, diversas vezes.

Fora das quadras, jantavam juntos, para falar de algo mais do que o que ocorria dentro delas.

Nesta entrevista ''itinerante'' à Folha de S.Paulo, pelas ruas de Paris, o alemão explicou por que está chegando a hora de se aposentar.
Voltou a viver na Alemanha, em Munique, de onde havia saído por problemas com seus compatriotas, e vai ajudar a treinar a equipe do país para a Copa Davis.

Para o futuro, Becker bota fé em novos talentos alemães como Nicolas Kiefer e Tommy Haas.

À frente deles, no entanto, vê Gustavo Kuerten entre os melhores tenistas da nova geração.

Leia trechos da conversa com o tenista durante um passeio de carro pela capital francesa.

Folha - Você e Gustavo Kuerten treinaram algumas vezes juntos em Stuttgart e em Paris. Sempre pareciam estar se divertindo quando se encontravam. Surgiu uma nova amizade no circuito?

Boris Becker - Não se fica amigo de uma pessoa em duas semanas, mas posso dizer que nos damos muito bem e que o Gustavo é uma pessoa que eu admiro.

Folha - Como se conheceram e como se tornaram companheiros?

Becker - Estávamos em Hong Kong, e eu sabia que ele tinha alguma coisa a ver com a Alemanha (Gustavo Kuerten é descendente de alemães), até porque todo mundo falou disso quando ele ganhou Roland Garros.
Conversamos, e ele me contou que um avô dele era alemão.
O Gustavo não, ele é um grande brasileiro. Tanto que nossa conversa acabou em samba.

Folha - O que você acha de Kuerten tecnicamente, como jogador?

Becker - Ele é diferente de muitos que estão no circuito.
Gosta de fazer outras coisas além de jogar e pensar em tênis. Meus outros bons amigos tenistas também são assim. E, na minha opinião, ele será um dos grandes, um dos bons mesmo.

Folha - Por quê?

Becker - É talentoso, dedicado e tem boa cabeça. Para mim, não foi surpresa ele ganhar Roland Garros porque, para aquele piso, já está pronto. Mas ainda é novo, tem muito o que aprender e tem tempo para isso.

Folha - Você deu ou daria alguns conselhos a ele, em um momento como este, em que Kuerten não está obtendo bons resultados no carpete e está praticamente eliminado da Copa do Mundo?

Becker - Acho que ele não deveria ficar desapontado por perder na primeira partida em Paris. Deveria pensar que ainda é jovem e lembrar que, há um ano atrás, ele não seria nem de longe cabeça-de-chave de um torneio como o de Paris. Ele tem mais motivos para rir do que para ficar triste.

Folha - Você, no lugar dele, se sentiria muito cobrado para participar da Copa do Mundo?

Becker - Acho que não. Ele não deve se preocupar com a Copa do Mundo. Daqui uns dois ou três anos, ele se colocará facilmente entre os oito que jogam o torneio.

Folha - Você também ganhou um torneio do Grand Slam, Wimbledon, quando era jovem, mais até do que o Kuerten, pois tinha 17 anos. Você o vê em uma situação pela qual também passou?

Becker - Sim, vivi muita pressão, muita expectativa.

Folha - E como você lidou naquela época com as coisas?

Becker - Obtendo bons resultados e confiando mais em mim e no meu jogo do que no que muitas pessoas falavam.

Folha - Kuerten deve fazer isso?

Becker - Ele está no caminho certo. É só ficar rodeado pelas pessoas certas. Outros bons resultados vão aparecer.

Folha - Você acha que o Kuerten é uma das figuras que quebraram a monotonia que você tanto critica no tênis atual?

Becker - Eu nunca disse que não há jogadores carismáticos no circuito. Há muitos deles por aí, e o Gustavo é um deles.
O problema são as regras da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais, que organiza o circuito), que acabam deixando a pessoa sem expressão enquanto joga. Se ela se expressar como gostaria, é punida.

Folha - Antes não era assim...

Becker - Veja este senhor, sentado aí no banco da frente (aponta o tenista norte-americano Jeff Tarango). Ele é considerado o ''bad boy'' do circuito porque agita suas partidas. Mas, perto do (John) McEnroe, ele é uma criança. Se o McEnroe jogasse submetido às regras de hoje, não duraria uma única partida.

Folha - Você acha que as mudanças que estão sendo discutidas para dar um novo formato ao jogo na virada do século serão a solução para esse problema?

Becker - Espero que sim. Hoje em dia, você assiste a uma partida na televisão e não vê diferença entre quem está ganhando e quem está perdendo. É muito chato, mal se vê um tenista se divertindo.

Folha - Você também não parece tão feliz durante seus jogos...

Becker - Vejo o jogo de outra maneira. Passei o lado da descoberta, estou há 14 anos no circuito, não me emociono mais com as mesmas coisas.

Folha - O que te emociona?

Becker - Muitas coisas. O tênis em geral ainda me emociona.

Folha - Como será o circuito sem a sua presença?

Becker - O circuito sem mim vai ser o mesmo (risos).
Eu já não estou no circuito há algum tempo. Não treino como antes, não jogo como antes. Já não me vêem rindo tanto, não é?

Folha - E por que você ainda joga? Compromisso com os seus patrocinadores?

Becker - Eu e o (Michael) Stich decidimos parar na mesma hora, neste ano. Ele parou de vez (e comentou o Torneio de Paris para uma emissora de TV). Eu estou indo aos poucos. Se eu parar de vez, o tênis da Alemanha pode se perder. Existe um buraco grande entre eu, o Michael e a nova geração.

Folha - E até quando você pretende preencher esse espaço?

Becker - Tenho compromissos com a Mercedes, que patrocina a equipe de juniores da Federação Alemã de Tênis. Estou trabalhando para o buraco ficar pequeno. Só vou parar com tudo quando o (Nicolas) Kiefer e o (Tommy) Haas estiverem prontos para ficar entre os grandes jogadores.

Folha - E como é o seu trabalho?

Becker - É quase diário, na quadra e em projetos. Meu envolvimento com a Copa Davis ainda será grande. Devo jogar a primeira rodada do Grupo Mundial, trabalhar com os garotos e ver o que acontece. Sem a Steffi (Graf) e sem mim, a situação fica perigosa para o tênis na Alemanha.

Folha - Você acha que os grandes patrocínios podem acabar?

Becker - Espero que não (o carro se aproxima do Hotel Bristol, e Becker desce e se despede).



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