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América tenta voltar a ser grande no Rio

AJB 24/01/98 16h11
Do Rio de Janeiro

"Hei de torcer, torcer, torcer, hei de torcer até morrer, morrer, morrer, porque a torcida americana é sempre assim..." Inconformada. O América dá domingo, às 18h, no estádio Hermenegildo Barcelos, em Arraial do Cabo, contra o Itaperuna, sua largada em busca de uma das duas últimas vagas para Octogonal final do Campeonato Carioca.

Humilhado com a obrigação de disputar esse hexagonal preliminar com Itaperuna, Madureira, Friburguense, Olaria e Volta Redonda, o clube recorre aos sete títulos que detém em seu currículo no Estadual - número superior ao de Bangu e Americano, os pré-classificados junto dos quatro grandes - para mostrar o tamanho da injustiça. "Ser excluído até do Carioca é demais. Isso aconteceu porque o América começou a ficar do lado dos pequenos contra os grandes nos arbitrais da Federação. Desse jeito é melhor virar um clube social", protesta o torcedor Jorge Perlingeiro, apresentador de TV e ex-diretor do clube.


Mais do que a possibilidade de perder gordas rendas e cotas de TV, o presidente Serafim Batista lamenta a perda de prestígio e força política nos bastidores. Para evitar mais prejuízos com a dificuldade de conseguir patrocínio para este "qualifying", o América vai levar para Arraial do Cabo todos os cinco jogos em que tiver o mando de campo. Em troca, a prefeitura local paga as hospedagens e cede os dividendos das placas de publicidade. A classificação será o cartão de visitas para fechar um contrato de patrocínio com um "pool" de empresas de construção civil ou com um banco. Esse é o plano.


Para a missão, está escalado um elenco de jogadores e comissão técnica que somam apenas R$ 40 mil mensais na folha de pagamento, liderados por Joel Martins - técnico bicampeão estadual pelo Botafogo em 1990. Os maiores salários do time são dos atacantes João de Deus e Júnior, e do zagueiro Tôni, que recebem R$ 2,5 mil mensais. Mas a diretoria promete reforços caso o time se classifique. No programa "Cartão Verde", na TV Cultura, o jornalista José Trajano já fez um discurso de torcedor contra a exclusão do América entre os pré-classificados do octogonal. A injustiça contra o América sensibilizou até o presidente da Federação Paulista, Eduardo José Farah, que estava presente na ocasião e prometeu no ar o empréstimo de jogadores ao time alvirubro. Mas, passada a emoção, Farah passou a evitar o assunto e despistar o presidente Serafim Batista, que cobrou a promessa. "Talvez ele quisesse fazer apenas uma média com o Rio", arrisca Trajano. Da Federação Paulista o clube carioca recebeu a informação de que Farah voltará à questão quando retornar de sua viagem à Assunção, no Paraguai


Mas o América tem um grande trunfo para concretizar seu sonho de voltar a ser grande: o apoio de um ilustre e apaixonado torcedor, Giulite Coutinho, ex-presidente do América (55-56 e 69-70) e ex-presidente da CBF (80-86). Presidente da Comissão de Obras e Evolução Patrimonial do América (Coepa), Giulite comanda as obras do futuro estádio do clube, em Édson Passos, na Baixada Fluminense, que já se arrastam há dois anos. Giulite Coutinho conta com a verba que o clube vem recebendo pela venda do terreno onde foi construído o Shopping Iguatemi - R$ 20 mil por mês. A meta é inaugurar a primeira parte do estádio, com capacidade para 6 mil espectadores, em agosto.


A verba do terreno vendido ao Iguatemi também está sendo usada para melhorar as instalações do centro de treinamento Caldeirão do Diabo - na altura do Km 18 da rodovia Rio-Petrópolis -, onde a equipe realiza seus treinos. O próximo projeto será criar uma escola de futebol na Baixada Fluminense. Para isso, um terreno de 507 mil metros quadrados já foi comprado em Belford Roxo. Para Giulite, esse é o segredo para conquistar torcedores e acabar com a lenda de que a torcida americana unida lota, no máximo, duas Kombis. "Temos que concluir nosso estádio e formar uma geração de craques identificados com o clube."


Para tentar incomodar a hegemonia dos quatro grandes, o América conta com um razoável escrete de torcedores ilustres como o humorista Max Nunes, o cantor Tim Maia, o jornalista José Trajano e o secretário estadual de Cultura e Esporte Leonel Kaz. Curiosamente, a queixa comum entre eles não é a falta de títulos nem as gozações, mas os constantes assédios para que mudem de time. "Não renuncio jamais à façanha de torcer pelo América", diz Leonel Kaz.


Quem tem hoje mais de 35 anos de idade cresceu ouvindo dizer que o América era o segundo clube no coração do carioca. Mas houve uma época, entre o comecinho do século e os anos 30, em que o clube de Campos Sales tinha brilho próprio, capaz de arrastar aos estádios a sua fiel e apaixonada torcida.


O América nasceu como qualquer outro clube do Rio, da união de meia dúzia de jovens em torno de um time que pudesse representar o bairro - no caso a Tijuca e arredores - em que viviam.


Na época de seu surgimento, 18 de setembro de 1904, o futebol, entre nós, ainda engatinhava, e não passava de um "match" entre cavalheiros, em que os jogadores, universitários em sua maioria, eram chamados de "players".


Nos anos seguintes, com seu desenvolvimento, houve a necessidade de se criar uma Liga - a Liga Metropolitana, da qual o América foi um dos fundadores. O clube, no entanto, não pôde disputar os dois primeiros campeonatos, 1906 e 1907, em conseqüência da fragilidade de sua equipe.


Em 1908, foi terceiro colocado, em torneio com seis equipes. Graças ao esforço dos fundadores e dos primeiros adeptos, o "grêmio rubro" ganhou notoriedade e logo começou a conquistar seus primeiros campeonatos. O primeiro, em 1913, ninguém esquece. Os irmãos Carneiro de Mendonça, Marcos e Luiz, abriam a escalação do time que se completava com Belfort Duarte, Mendes, Jônatas, Lincoln, Witte, Juquinha, Fernando Ojeda, Gabriel e Aleluia.


Também foi campeão da cidade em 1916, e em 1922, no ano do centenário da Independência do Brasil. A estrela era Osvaldo Mello, o Osvaldinho, carinhosamente chamado de "Divina Dama".


Embora o futebol ainda fosse oficialmente amador - os jogadores não recebiam salários, apenas facilidades aqui e ali, em seu cotidiano -, o clube montou uma comissão de futebol e um serviço médico de primeira. O quadro social garantia.


Entre 1928 e 1935 o América viveu novo período de glórias. Adaptado aos novos tempos, o clube abriu suas portas aos negros e ganhou fama internacional, recebendo, daqui e dali, convites para excursões ao exterior. Após o título de 1928 - Joel, Penaforte e Hildegardo; Hermógenes, Floriano e Válter; Gilbert, Osvaldinho, Mário Pinto, Mineiro e Celso - o time fez sucesso na Argentina.


O título de 1931 levou ainda mais prestígio ao clube. Dois anos mais tarde, quando o futebol brasileiro ainda se debatia entre o falso e decadente amadorismo e o profissionalismo, o América tomou posição corajosa, se alinhando entre os que passaram a aceitar o regime remunerado.


Em 1934, o clube voltou a lançar novidade, contratando de uma só vez sete argentinos - De La Torre, Fassora, De Saa, Dedovitis, Mariani, Arresi e Rivarola - com o objetivo de motivar o público. A importação não deu certo, mas o clube ainda concentrava tal poder de reação que acabou conquistando o título da Liga Carioca no ano seguinte, superando Flamengo e Fluminense. O time? Qualquer criança recitava, sem hesitar - Válter, Vital e Cachimbo; Ferreira, Og e Possato; Lindo, Clóvis, Carola, Mamede e Orlandinho.


O profissionalismo que o América ajudou a implantar foi, mais tarde, talvez o principal de seus algozes, ao lado, é evidente, do longo hiato de títulos, entre 1935 e 1960. A torcida encolheu, os outros quatro grandes do Rio adquiriram mais prestígio, passaram a ditar as regras dos bastidores, o que determinou a queda acentuada do clube de Campos Sales.


Mesmo assim, até 1986, quando disputou o título nacional - foi terceiro colocado - o América se manteve. Mas após a queda para a Segunda Divisão do Brasileiro, em 1988, o declínio acabou sendo insustentável. E faz 10 anos que o clube tenta voltar a ser pelo menos o segundo no coração de cada carioca.





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