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Atleta que deslumbrou Pelé tem perna amputada

Por Carlos Alberto de Souza 03/02/98 20h25
Agência Folha
De Porto Alegre

Depois de uma partida entre Santos e Internacional (RS), no início da década de 70, Pelé fez questão de oferecer sua famosa camisa 10 a um jogador do time adversário, reconhecendo que ele tinha jogado demais.

Com o gesto, Pelé também reforçou o pedido de desculpas por ter dado um ''carrinho'' no craque daquele jogo, deixando-o estendido no gramado do estádio Beira-Rio, sob o olhar de advertência do juiz.

Hoje, o ex-craque brindado com as homenagens de Pelé vive um drama, abrigado na casa de sua irmã, na periferia de Canoas (região metropolitana de Porto Alegre).

Sérgio Galocha, que integrou a lista dos 40 jogadores convocados para a seleção brasileira em 1970, mas que não foi ao México, viu-se obrigado a amputar a perna direita, a mesma que um dia driblou o maior jogador de futebol de todos os tempos.

A cirurgia, realizada em 27 de dezembro passado, dia em que Sérgio Galocha completou 49 anos, foi motivada por uma infecção que começou em um calo no pé. O caso se agravou porque o ex-atleta, que também jogou no Flamengo, é diabético.

Apesar de ter recebido bons salários durante a carreira, que inclui ainda passagens pelo Sporting, de Lisboa, e Atlético-PR, entre outros clubes, Sérgio Galocha não dispõe de recursos financeiros e vem sendo ajudado por amigos. ''Não soube guardar o dinheiro, pensava que nunca ia acabar''.

O ex-jogador Escurinho, que atuou no Inter e no Palmeiras, está organizando uma partida entre ex-jogadores gaúchos e cariocas, a ser realizada dia 29 de março, no Beira-Rio. A renda reverterá para Sérgio Galocha, que é casado e pai de três filhos adultos que não dependem dele.

''Eu vou ter de dar o chute inaugural com a perna esquerda'', disse o ex-meia ofensivo do Inter, referindo-se ao jogo em seu favor. No Inter, pelo qual foi pentacampeão gaúcho, ele teve como companheiros, entre outros, Figueroa, Claudiomiro e Valdomiro.

No Flamengo, que ele ajudou a conquistar uma Taça Guanabara, jogou com Paulo César Caju, Dario, Doval e Fio Maravilha, sob o comando do técnico Zagallo. Na época, Zico estava subindo para os profissionais.

Sérgio Galocha lembra que clubes como Palmeiras, Fluminense e Atlético-MG tentaram comprar o seu passe em 1973, quando ele optou pelo Flamengo.

Sérgio Galocha trabalhou nos últimos anos como porteiro de restaurante e de casas noturnas na capital gaúcha. Quando estiver em boas condições de saúde e já usando uma prótese que ganhou de presente, pretende voltar a trabalhar no escritório de um dos seus antigos patrões.

''Não dá para ficar parado'', disse ele, que gosta de lembrar das proezas da época de jogador. ''Uma vez, em 70, em outra partida contra o Santos, ganhamos de 3 a 0 e o Rildo (lateral-esquerdo da equipe paulista) rasgou minha camiseta, depois de eu ter driblado toda a defesa''.

Sérgio Galocha fez parte do time do Internacional que inaugurou a chamada ''era Beira-Rio''. O estádio foi concluído em 1969, ano em que o clube iniciou uma série de oito conquistas consecutivas do campeonato gaúcho, ainda inédita.

Nos anos em que o Inter foi tricampeão brasileiro (75/76 e 79), liderado por craques como Falcão, Sérgio Galocha já havia saído para ''rodar o mundo''.

No torneio de inauguração do Beira-Rio, então com capacidade para mais de 90 mil pessoas, o Internacional derrotou grandes equipes, como o Benfica, de Portugal, e o Peñarol, do Uruguai.

Sérgio Galocha complicou a vida da defesa do time uruguaio. Na tentativa de pará-lo, o zagueiro central do Peñarol deu um soco no rosto do atacante colorado, que fez um gol, despertando a revolta da torcida.

Por ironia do destino, cerca de dois anos depois, o zagueiro foi contratado pelo Inter e se tornou um dos maiores ídolos de sua torcida. Era Elias Figueroa. Ao se despedir do Inter, com duas faixas de campeão brasileiro, o zagueiro chileno incluiu Sérgio Galocha entre os convidados.

Antes da ''era Beira-Rio'', Sérgio Galocha integrou o ''ataque iê-iê-iê'' do Inter, em uma alusão ao ritmo da Jovem Guarda, movimento musical da época. O ataque era formado por Bráulio, Sérgio Galocha, Claudiomiro e Dorinho, jovens recém-promovidos das categorias de base.

A grande discussão entre os colorados na segunda metade dos anos 60 era sobre quem deveria ser o titular como meia-direita: Bráulio, ''o garoto de ouro'', ou Sérgio Galocha. Uma das saídas do técnico foi arranjar um ataque que incluísse os dois, deslocando para a ponta ora um, ora outro.


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