Violência em Diadema afasta comandantes da PM

Covas pede desculpas por abuso de policiais

Agência Folha 01/04/97 22h51
De São Bernardo do Campo (SP), Brasília, São Paulo e Paris (França)

Reprodução
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Reprodução das imagens transmitidas pela Rede Globo
Dois comandantes da Polícia Militar foram afastados nesta terça-feira por causa do escândalo da tortura, extorsão e morte envolvendo Policiais Militares de Diadema (Grande São Paulo). A decisão foi tomada pelo governador Mário Covas (PSDB).

Os policiais tiveram a prisão temporária de 30 dias decretada pelo juiz Paulo Roberto Marafanti. Até sexta-feira, o Instituto de Criminalística prometeu terminar os laudos sobre o caso.

O coronel Paulo Miranda de Castro, diretor da Corregedoria da PM, e o coronel Luiz Antônio Rodrigues, comandante do policiamento do ABCD, foram afastados porque não comunicaram aos seus superiores que havia uma fita de vídeo que mostra a ação dos policiais durante três noites na favela Naval, em Diadema.

Na fita, os PMS são mostrados roubando, torturando e dando o tiro que matou o conferente José Mário Josino, no dia 7 de março. Castro chefiava parte das investigações. Rodrigues, os PMs envolvidos nos crimes. Os dez policiais acusados pelos crimes foram presos após a fita ter sido entregue à polícia.

Segundo moradores da favela Naval, os PMs já agiam lá havia pelo menos três meses. ''Eles viviam aterrorizando a gente. Faziam o que queriam e nós não tínhamos a quem recorrer'' afirmou a moradora da favela Valquíria Leopoldina Leite.

Presos, os policiais devem responder a processos na Justiça Militar e na comum. Todos são policiais experientes, com mais de seis anos de trabalho e cinco deles já foram alvo de investigações. Se condenados, podem pegar até 95 anos de prisão.

Covas pede desculpas
por violência de PMs

O governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB), disse nesta terça-feira não ser ''impossível'' que uma ação violenta da Polícia Militar como a ocorrida em Diadema (SP) e revelada segunda-feira em vídeo volte a se repetir. Covas, durante entrevista coletiva, pediu desculpas à população de São Paulo pela violência policial. As imagens, gravadas por um cinegrafista amador na favela Naval, em Diadema (Grande São Paulo), mostram um grupo de dez PMs torturando pessoas abordadas em uma blitz. Foram veiculadas na segunda-feira à noite no "Jornal Nacional", da Rede Globo.

''É impossível dizer que esse episódio nunca vá se repetir. Não deve servir como desculpa, mas vemos coisas assim até em outros países. Essa coisa (divulgação das imagens da violência) atinge o governo como um todo e a mim, em particular. Não abro mão desse tipo de responsabilidade'', afirmou o governador. ''A única coisa que dá para fazer agora que aconteceu o fato, é tentar remediá-lo, immpedindo que a impunidade estimule quem quer que seja a fazer um ato como esse'', disse Covas.

O governador considerou as cenas ''constrangedoras'' e ''deploráveis''. ''As cenas são profundamente constrangedoras. Portanto, eu quero declarar que deploro profundamente (as cenas) e me desculpo com o povo de São Paulo pelo acontecido''. O governador, que estava acompanhado pelo secretário da Segurança Pública, José Afonso da Silva, e pelo comandante-geral da PM, coronel Claudionor Lisboa, disse que seus dois subordinados diretos ''cumpriram suas obrigações'' nesse caso e por isso permanecem nos cargos.

OAB monta comissão
para acompanhar caso

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subseção de Diadema (Grande São Paulo), criou uma comissão para acompanhar os inquéritos policiais civil e militar instaurados para apurar o envolvimento de dez policiais militares em assassinato, tortura, agressão e extorsão.

"A OAB de Diadema se coloca à disposição das vítimas e de seus familiares para propor ação de indenização contra o Estado", afirmou o presidente da OAB-Diadema, José Luiz de Oliveira, que classificou de "barbárie e chacina" a atitude dos policiais militares.

O prefeito de Diadema, Gilson Menezes (PSB), afirmou que a ação dos policiais militares mostrada pela TV repercute mal para a cidade. "Mas não podemos ficar escondendo o lixo debaixo do tapete. Para corrigirmos isso, é preciso que essas ações violentas, cruéis e covardes sejam mostradas", afirmou.

O deputado estadual Wagner Lino (PT), 50, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, disse que o caso dos policiais de Diadema será encaminhado para a Procuradoria Geral do Estado, que deverá analisar e acompanhar o inquérito. Além da punição exemplar dos policiais e o pagamento de indenização às famílias das vítimas, Lino diz defender uma discussão do papel da PM.

Governo federal se diz
indignado com atuação de PMs

O ministro da Justiça, Nelson Jobim, afirmou nesta terça-feira que a posição do governo sobre o crime cometido por policiais militares em Diadema é de "indignação e atenção" para que se tenha uma resposta "rápida" sobre o resultado do processo. Jobim afirmou ter conversado com o presidente do Congresso, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), para pedir maior agilidade na tramitação do projeto de lei do Executivo contra crimes de tortura. O projeto foi aprovado na Câmara e deve ser votado no Senado.

O ministro afirmou que o Executivo também propôs ao Legislativo emenda constitucional para transferir à Justiça Federal e Polícia Federal a competência para inquéritos contra direitos humanos. "Portanto, depende da aprovação dessa emenda constitucional, já que a Justiça comum é residual, ou seja, tudo o que não for da Justiça Federal é de competência da Justiça comum." Ele afirmou ainda que as medidas administrativas e judiciais sobre o assunto já estão sendo tomadas pelo governo paulista.

Sobre a repetição de ações violentas por parte de policiais militares -como o massacre de Eldorado do Carajás (PA), em abril de 1996- Jobim afirmou que "não se pode generalizar, nem julgar as atividades policiais por esses fatos". Segundo o ministro, o governo está trabalhando também para mudar a instrução da Polícia Militar e introduzir matérias de direitos humanos nas academias policiais.

Conselho da PM de SP repudia
ação violenta de policiais

O Conselho Geral da Comunidade da Polícia Militar divulgou nota oficial na tarde desta terça-feira repudiando a ação violenta de policiais militares em Diadema (Grande São Paulo).

Segundo a nota, "o Conselho Geral da Comunidade da Polícia Militar vem a público manifestar sua indignação diante das cenas de violência mostradas na noite do dia 31 pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, e reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito e os Direitos Humanos".

Ainda segundo a nota, a entidade diz esperar que o caso seja apurado "a fundo" e que os responsáveis "sejam punidos com o rigor da Lei". O Conselho declara ainda seu apoio à Polícia Militar, por considerar que a corporação repudia a "conduta violenta dos seus integrantes".

TV francesa exibe imagens
da violência policial em SP

O canal TF1, de maior audiência na França, exibiu nesta terça-feira trechos do vídeo que mostra a ação irregular dos policiais em Diadema. A exibição ocorreu durante o jornal das 20h (horário francês) e mostrou as cenas gravadas em 7 de março, quando os policiais agrediram Mário José Josino e seus dois amigos depois que eles saíram de um Gol. A TV francesa também mostrou as imagens dos policiais atirando contra o Gol.

Para Antoine Bernard, diretor da FIDH (Federação Internacional das Ligas de Defesa dos Direitos Humanos), a arbitrariedade da ação policial é uma realidade que não muda. A FIDH é uma ONG (Organização Não-Governamental) que tem sede em Paris e acompanha a aplicação dos direitos humanos em 409 países.

"Essa história lembra o assassinato dos meninos de rua no Rio de Janeiro. Infelizmente, parece que no Brasil o desrespeito dos direitos humanos pela polícia é uma constante", disse Bernard, referindo-se ao assassinato de menores por policiais na Candelária.

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