Dez PMs são indiciados por homicídio em Diadema

Tenente-coronel tem prisão decretada

Agência Folha 02/04/97 22h34
De São Paulo, São Bernardo do Campo (SP) e Brasília

Dez policiais militares foram indiciados (acusados formalmente) nesta quarta-feira (2) pela morte do conferente Mário José Josino, assassinado dia 7 de março em operação da PM na favela Naval, em Diadema (Grande São Paulo). A tortura e o disparo do tiro que matou Josino foram gravados em vídeo. As imagens mostram os policiais torturando, roubando e dando os tiros.

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Além do homicídio, os PMs foram indiciados por tentativa de homicídio contra Jefferson Santos Caputi e Antonio Carlos Dias e por infringirem outras "disposições legais", segundo José Alves dos Reis, delegado seccional de São Bernardo do Campo, responsável pela delegacia de Diadema.

Foram indiciados o terceiro-sargento Reginaldo José dos Santos, os cabos João Batista de Queirós e Ricardo Luiz Buzeto e os soldados Otávio Lourenço Gambra, Paulo Rogério Garcia Barreto, Rogério Neri Bonfim, Nelson Soares Silva Júnior, Maurício Gomes Louzada, Adriano Lima Oliveira e Demontier Carolino Figueiredo. Nove dos dez acusados estiveram no 2º DP (Distrito Policial) de Diadema. O único acusado que não apareceu foi Buzeto, que está foragido. O depoimento começou às 14h e terminou às 18h40.

Pelo menos 45 policiais participaram do esquema de segurança, cercando a delegacia para proteger os acusados, que chegaram em dois carros de polícia e em um ônibus da Tropa de Choque. Seis delegados participaram do interrogatório. Depois, os acusados voltaram ao presídio Romão Gomes, da Polícia Militar, onde cumprem prisão temporária por 30 dias.

Os soldados Otávio Lourenço Gambra, conhecido como Rambo, e Paulo Rogério Garcia Barreto não prestaram depoimento no 2º DP, em Diadema. Nervosos e chorando muito, optaram por depor em juízo. Eles devem ser convocados nos próximos dias.

Tenente-coronel
tem prisão decretada

Foi decretada nesta quarta a prisão administrativa do tenente-coronel Pedro Pereira Matheus, ex-comandante do 24º Batalhão. Ele foi responsabilizado pela fuga do cabo Ricardo Luiz Buzeto, que participou da violência de policiais contra moradores da favela Naval, em Diadema (Grande SP).

Matheus foi afastado na terça-feira do cargo pelo governador Mário Covas, devido à omissão nas investigações da violência de PMs.

O ex-comandante vai ficar detido no batalhão por um período máximo de quatro dias úteis. Após esse período, será transferido para o Estado Maior Especial da PM -conhecido como "Nasa", para onde são mandados oficiais envolvidos em irregularidades.

O cabo Buzeto denunciara a ação dos policiais após ser detido em 26 de março. Sob a alegação de que teria colaborado com a investigação, Buzeto teve a prisão revogada por Matheus um dia depois.

Mas ele também deveria estar preso, pois haveria uma ordem nesse sentido do chefe do tenente-coronel, o Comandante do Policiamento Metropolitano, coronel Elio Proni. Buzeto está foragido. O governo Covas e a Secretaria da Segurança Pública só foram informados sobre a fuga pela PM na tarde desta quarta.

Segundo a Folha de S.Paulo apurou, a PM colocou um grupo para procurar Buzeto. A PM trabalha com a hipótese de que ele esteja no interior de São Paulo. O comando do policiamento metropolitano investiga outros envolvidos na fuga.

Afastamentos

Mais dois oficiais da PM foram afastados por causa do escândalo da favela Naval. Os afastamentos foram determinados na terça, mas só foram informados pelo governo do Estado nesta quarta.

Além dos coronéis Luiz Antônio Rodrigues, ex-comandante da PM no ABCD, Paulo Miranda de Castro, ex-corregedor da PM, e do tenente-coronel Pedro Pereira Matheus, também foi afastado o major Pedro Acácio Gagliardo, ex-subcomandante da PM em Diadema.

Uma confusão na divulgação dos oficiais afastados, por parte do governo, fez com que a imprensa noticiasse apenas os afastamentos de Rodrigues e Miranda.

Deverá ser publicado no "Diário Oficial do Estado" de quinta ou sexta-feira o afastamento, por determinação do governador Mário Covas, do coronel Coji Yamaguita, do comando do policiamento da zona sul da capital.

Até o último dia 31, Yamaguita estava substituindo o coronel Élio Proni, que estava de férias, à frente do CPM (Comando de Policiamento Metropolitano).

Yamaguita deverá agora, conforme a Folha de S.Paulo apurou, exercer uma função meramente administrativa no CPM. O coronel seria um dos comandantes que teria conhecimento do conteúdo da fita de vídeo com antecedência. Yamaguita não foi encontrado na noite desta quarta para comentar o assunto.

Manifestantes protestam
contra PMs e cercam delegacia

Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem
Diadema
Policiais chegam ao 2º DP de Diadema
Durante o depoimento dos acusados, pelo menos mil pessoas cercaram a delegacia, exigindo justiça. A maioria dos manifestantes era de moradores da favela Naval. Dezenas de faixas com frases contra os policiais eram carregados pelos manifestantes. Uma série delas trazia a mensagem: "Pena de morte para marginais fardados". O principal alvo era o soldado Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, que teria dado o tiro que matou Mário José Josino. Os cerca de mil manifestantes usavam gritos de guerra típicos de partidas de futebol. Um dos mais ouvidos era "Cadê Rambo, cadê Rambo".

O clima ficou especialmente tenso depois das 17h, quando o advogado de Rambo, Gamalier Corrêa, saiu da delegacia. Os manifestantes gritavam "Lincha, lincha", como se escuta na reportagem feita por Lúcia Soares, da Rede Bandeirantes.

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O policial Rambo precisou de proteção policial. "O Rambo matou um trabalhador e precisa ser punido. Se depender de mim, a gente invade essa delegacia e lincha esse safado", disse o mecânico Paulo Luiz Cardoso, 19, morador da favela Naval, que conhecia Josino.

Entre os manifestantes, uma das mais revoltadas era a dona-de-casa Lídia Kobenik, 40, mãe do montador Cristiano Kobenik, 20. Cristiano foi agredido pelos mesmos policiais no último dia 3. Ele é a primeira pessoa que aparece apanhando nas imagens mostradas na Rede Globo. "Meu filho nunca fez mal a ninguém, não podia apanhar daquele jeito. Aquele tapa doeu mais em mim do que nele."

Tenente considera
legal ação da PM

O tenente Aparecido Gomes Barros, que preside o inquérito militar sobre a morte de Mário José Josino, considerou legal uma ação da Polícia Militar com agressões e tiros em Diadema (SP) mesmo havendo cinco laudos de corpo de delito das vítimas indicando a veracidade do espancamento.

Em seu relatório, datado de 12 de março último, ele disse que não via indícios de crime. Sua decisão foi ratificada pelo ex-comandante do 24.º batalhão, tenente-coronel Pedro Pereira Matheus.

O inquérito policial militar apurava a abordagem feita por policiais militares ao padeiro Daniel Sales de Lima, 18, no dia 8 de novembro de 1996. Daniel denunciou os policiais do 24.º Batalhão à corregedoria da PM em setembro passado. O padeiro dizia ter sido extorquido em um blitz.

Após ter sido abordado pelos policiais, seus familiares e amigos tentaram protegê-lo. Seus tios Silvério Gomes Ferreira e Maria da Conceição de Paula Ferreira, seu primo José Roberto Ferreira, e seus amigos Josuel Sales de Lima e Luiz Henrique de Paula também teriam apanhado dos policiais.

Em meio à confusão, outros carros da PM teriam chegado ao local. Os policiais teriam disparado para o alto e levado as vítimas para a delegacia de Diadema.

A primeira investigação do caso, chefiada pelo tenente Marco Antônio de Carvalho, concluiu que havia indícios de crime militar com base nos depoimentos, das vítimas e nos exames de corpo de delito que constataram as lesões.

Mesmo assim, o tenente afirmou que a "guarnição trabalhou de acordo com as normas estabelecidas pela PM" e que o "civil Daniel Sales de Lima" foi quem "motivou a situação".

Classificado como "rebelde" por não querer ser revistado pelos policiais militares, o relatório diz que Daniel estava "embriagado". Nos depoimentos, os PMs dizem que "nenhum policial agiu com violência, só com os meios necessários para manter a ordem".

São acusados pelas vítimas o sargento Marcelo Fernando da Silva, os soldados José Luiz Fré, José Apolinário da Silva e Rogério Lima do Nascimento. Os policiais disseram também que não dispararam para o alto, mas que os moradores atiraram do alto de suas casas.

Ao ratificar o relatório do tenente Barros, o tenente-coronel Matheus fez apenas um reparo. Acusa o sargento Silva de uma transgressão disciplinar: não anotar na escala de serviço a dispensa médica de um soldado, o que "causou embaraço administrativo".

Assim foi concluído o inquérito que investigava as acusações de espancamento que teriam sido cometidas pelos PMs de Diadema. Agora, ele será remetido ao Ministério Público que o analisará.

Um outro inquérito, do 2.º Distrito Policial de Diadema, apura a acusação de espancamento e a de resistência à prisão feitas pelos PMs contra as vítimas.

Mulher de cabo desconhece
paradeiro do marido

A atendente de saúde Adriana Buzeto, 28, mulher do cabo Ricardo Luiz Buzeto, disse nesta quarta-feira desconhecer o paradeiro de seu marido.

O cabo foi quem denunciou os nove policiais militares que participaram, junto com ele, das agressões, extorsão e morte na favela Naval, em Diadema (Grande São Paulo).

Apesar de ter sua ordem de prisão decretada, Buzeto estava foragido até as 17h desta quarta. Os outros nove policiais militares envolvidos estão presos.

"Naquele dia da fita (na última segunda-feira à noite, quando o "Jornal Nacional", da Rede Globo, exibiu as imagens), ele saiu de casa à tarde para trabalhar e não voltou mais", disse Adriana.

Sobre o conteúdo da fita, Adriana disse ter ficado "assustada" com a violência exibida. Segundo ela, Buzeto não havia comentado sobre o episódio em casa, com a família. "Ele não mistura trabalho com família. Quando ele sai de lá (do trabalho), acabou."

Adriana disse, porém, que no dia 7 de março passado, quando seis policiais militares haviam sido acusados da morte de Mário José Josino, o nome de seu marido estava entre eles. "Mas ele não falou nada em casa", afirmou.

Casados há oito anos, Buzeto e Adriana têm dois filhos. O casal mora no Jardim Elba, na zona leste de São Paulo, na divisa com Santo André.

Segundo Adriana, Buzeto estava na polícia havia oito anos e praticava "bicos" em transportadoras do bairro de Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo. Ela não soube dizer os nomes das transportadores para as quais ele trabalhava.

Mulher de vítima vai pedir
indenização ao Estado

A viúva do conferente Mário José Josino, morto pela PM em Diadema (Grande São Paulo), disse nesta quarta que vai entrar com ação indenizatória contra o Estado.

"Alguém tem de pagar pelo que fizeram a meu marido. Eu e meu filho dependíamos totalmente do dinheiro que ele trazia para casa", disse a dona-de-casa Josélia Ribeiro Josino, 30.

Ela recebeu nesta quarta a visita do prefeito de Diadema, Gilson Menezes (PSB), que ofereceu o serviço de assistência judicial gratuita da prefeitura para auxiliar no processo indenizatório.

Josélia, mantida sob efeito de calmantes desde a morte do marido, no último dia 7 de março, disse que está sobrevivendo graças à ajuda do irmão, que trabalha como frentista, e de amigos.

Ela está morando na casa da sogra, no bairro Jordanópolis, região de classe média baixa de São Bernardo. "Cada um contribui com um pouquinho. Já me deram roupa, comida, remédios. Vai ter de ser assim até eu criar novamente forças para trabalhar", afirmou.

Além do marido, Josélia perdeu também a mãe, morta na semana passada aos 62 anos de idade. "A polícia matou duas pessoas. Minha mãe sofria de úlcera nervosa e piorou muito depois da morte de Mário."

A dona-de-casa disse que não sente raiva dos PMs, mas afirmou estar bastante assustada. "No começo, eu tinha medo que a PM viesse aqui em casa para 'terminar o serviço', mas acho que eles não teriam coragem de fazer isso."

Ela disse que não sabe quando conseguirá superar o trauma da morte do marido. "Pode demorar um ano, dois anos, quem sabe? Hoje mesmo, um carro da polícia passou em frente de casa e eu entrei em pânico. Meu filho (de 9 anos de idade) foi para dentro de casa correndo, com medo", afirmou.

Josélia afirmou que confia na atuação da Justiça e na condenação dos assassinos de seu marido. "Esses policiais vão ser condenados e expulsos, mas somente se nós continuarmos denunciando a violência."

PM apreende mais 2 armas
em casas de acusados

A Polícia Militar encontrou nesta quarta-feira mais duas armas nas casas dos policiais acusados do crime em Diadema. Foram apreendidos um revólver calibre 38, registrado com o número da corporação, na casa do soldado Otávio Lourenço Gambra, e uma pistola Taurus calibre 380, de propriedade particular, na casa do PM Paulo Rogério Garcia Barreto.

Uma dessas armas pode ter sido usada no disparo que matou o conferente Mário José Josino. Segundo o delegado do 2º DP em Diadema, Mitiaki Yamamoto, elas vão para perícia nesta quarta. O resultado deve sair na sexta-feira.

O exame de balística das outras oito armas que haviam sido apreendidas com os acusados foi concluído no início da semana.

"O resultado para combustão recente foi negativo." Mas, como as armas só foram para perícia dias depois de supostamente terem sido usadas no crime, a probabilidade de apresentarem resultado positivo era pequena. O exame só tem resultados confiáveis quando feito no máximo um dia após o disparo. A bala que matou Josino está sendo examinada. O resultado deve sair na sexta.

Pelo menos dois policiais militares que faziam parte do grupo de PMs que aterrorizava a favela Naval continuam soltos, segundo moradores. "Zapata" e "Mancha" participaram das sessões de tortura e extorsão na favela Naval, mas não apareceram na gravação em vídeo e, por isso, não foram presos.

"Esse Mancha me deu um 'couro' (surra), há um mês e meio, no mesmo lugar onde foi feito o vídeo. Eram 23h40, mais ou menos, eu vinha da casa da minha cunhada. Ele me levou para um beco, me bateram, puseram o cano do revólver na minha boca", disse J., 21, morador da favela há 19 anos.

J. não reconheceu o PM que o agrediu entre os policiais presos pela corregedoria. "Nem ele nem o ajudante dele."

Sargento "Zapata" é outro nome identificado na favela como sinônimo de tortura. São vários os depoimentos de pessoas que dizem ter sido agredidas pelo policial, nos mesmos bloqueios da PM na entrada da favela. "Nem todos os policiais envolvidos estão presos", disse o aposentado Paulo, 45.

Vítimas de ação violenta
da PM em Diadema depõem em CPI

A CPI do Crime Organizado da Assembléia Legislativa de São Paulo ouviu nesta quarta-feira os depoimentos de duas vítimas da ação criminosa de policiais militares do 24§ Batalhão de Diadema (Grande São Paulo) e a versão do comandante do batalhão, coronel Pedro Pereira Matheus, que foi considerado ''omisso'' pelos deputados.

O vendedor Antônio Carlos Dias, 35, e o assistente de departamento pessoal Jefferson Sanches Caputi, 39, contaram como apanharam dos policiais, mas não souberam informar o motivo das agressões. ''Os PMs sequer verificaram nossos documentos. Bateram por bater'', disse Dias. Segundo Caputi, o tiro disparado pelo policial Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, aconteceu depois de ele ter dito que havia anotado o número do carro dos policiais. ''Nunca deveria ter dito isso'', afirmou Caputi.

O tenente-coronel Pedro Pereira Matheus afirmou que foi informado da existência da fita com as imagens da violência de seus subordinados no último dia 25 pelo seu chefe imediato, o comandante do policiamento da região do ABCD, coronel Luiz Antonio Rodrigues. Ele afirmou que determinou instauração de Inquérito Policial Militar para apurar a morte de Josino no último dia 7 e que não determinou a prisão dos PMs.

Mesmo depois de ter assistido às gravações, no dia 25, o coronel Mateus disse que não poderia prender administrativamente os PMs que aparecem nas imagens porque ''não se pode prender alguém por suposição''. O relator da CPI, deputado Elói Pietá (PT), considerou o coronel Mateus ''omisso''. ''Ele demonstrou o completo desconhecimento sobre as arbitrariedades que aconteciam no seu batalhão e que eram denunciadas pela população'', disse Pietá. A CPI decidiu visitar na quinta-feira o 24º Batalhão da PM de Diadema. A reportagem apurou que o comando da corporação não deverá permitir a visita dos deputados.

Planalto orienta embaixadas
sobre violência policial

O Palácio do Planalto preparou e enviou nesta quarta nota com orientação política às embaixadas do Brasil no exterior para que elas tenham subsídios e possam rebater eventuais críticas à violência das polícias militares no país. Também foi enviado material informativo e recortes de jornais brasileiros.

A nota -não divulgada à imprensa- foi preparada por sugestão do Ministério das Relações Exteriores diante do desgaste da imagem do país no exterior por causa da divulgação das imagens da violência da PM em Diadema (SP).

''Certamente, esses fatos não contribuíram para a boa imagem do Brasil, mas, como correspondem à realidade, não nos cabe ocultá-los, mas demonstrar as providências que tomamos para punir os culpados e evitar que eles se repitam outras vezes'', disse o porta-voz da Presidência, Sergio Amaral.

Amaral, que também é secretário de Comunicação Social da Presidência, disse que está avaliando a possibilidade de realizar um seminário, organizado pelo governo, para discutir uma possível autolimitação da imprensa e dos meios de comunicação na divulgação de fatos ligados à violência, para não estimulá-los.

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