São Paulo faz seu principal desfile

Escolas apostam alto e atraem famosos para brilhar

Agência Folha 07/02/97 21h58
De São Paulo

Carnaval
Paulo Giandalia/Folha Imagem
Ensaio_na_X-9
Ensaio na quadra da X-9 Paulistana, terceira a entrar na avenida
O carnaval de São Paulo vive neste sábado (8) a sua noite de gala, com o desfile das escolas de samba do Grupo Especial no Pólo Cultural do Anhembi. A organização espera que pelo menos 30 mil pessoas assistam à passagem das dez principais escolas da cidade. A festa começa às 21h com a Águia de Ouro e tem horário previsto de término às 7h50 de domingo com a Nenê de Vila Matilde.

A badalação dos famosos em São Paulo começa a se aproximar do que acontece todos os anos na Marquês de Sapucaí, no Rio. Este ano, as atrizes Luiza Tomé, Taís Araújo, as modelos Valéria Valenssa e Paula Melissa e a apresentadora infantil Eliana prometem ser os maiores destaques do Carnaval paulistano.

O maior desfalque, sem dúvida, é a atriz Isadora Ribeiro. Grávida de dois meses, ela foi desaconselhada de desfilar pelo médico. Isadora declinou de um convite de sua escola de coração em São Paulo, a Gaviões da Fiel, para participar da homenagem a seu ex-marido, Hans Donner, promovida pela Mocidade Alegre. "Infelizmente estou com problemas de sangramento na gravidez e o meu médico pediu que eu não desfilasse. Então não vai dar para mim este ano", contou à Folha de S.Paulo, nesta sexta, por telefone.

Luiza Tomé foi confirmada na última semana para ser a musa da bateria da Tom Maior. Segundo a atriz, é a primeira vez que desfila. "Nunca deu antes, porque geralmente eu fujo do Carnaval, viajando." "Este ano, como estou gravando 'A Indomada' (próxima novela das 20h30 da Rede Globo) e não vou viajar, aceitei na hora o convite da Tom Maior, com a possibilidade de estrear numa escola da cidade onde moro há dois anos", conta.

A Tom Maior também leva para o sambódromo Gisele Alves, 26, eleita rainha do Carnaval paulistano. Estará ao lado de Luiza, como a madrinha da bateria. A Tom Maior vai ser a sexta escola a desfilar, já na madrugada de domingo, com o tema "O Céu é o limite no caminho das estrelas".

Paula Melissa, capa de Playboy de janeiro, será a rainha da X-9. Ela garante já ter decorado o samba da escola e que pretende se divertir e sambar muito, desfilando no chão -o que não ocorre no Rio, onde sai como destaque num dos carros da Portela. Nesta sexta, ela exibiu a fantasia que estará vestindo no desfile, desenhada por Augusto de Oliveira.

O maior problema para ela e sua mãe, a pedagoga Neusa, será transportar a enorme fantasia, com enfeite para cabeça e adorno para as costas gigantescos. Ela cogitava conseguir uma Kombi da escola para levá-la ao sambódromo. A X-9 é a terceira a entrar na avenida com um enredo sobre a Amazônia.

A atriz Taís Araújo, protagonista da novela "Xica da Silva", da Rede Manchete, faz parte de um time de estrelas negras que desfilará pela Nenê de Vila Matilde que vai levar para a avenida o enredo "Narciso Negro". Sua fantasia não prima pela criatividade -vai de Xica da Silva.

Valéria Valenssa também repete a roupa -ou a falta dela. Desfila como a personagem da vinheta Globeleza, criada por Hans Donner, que se encaixa bem no enredo da Mocidade Alegre, que homenageia o designer.

Apesar de aparecer mais vestida que as demais, como um anjo em um carro da Vai-Vai, representando a religiosidade mineira, a apresentadora infantil Eliana, deve cativar o público com sua simpatia. Angelical, ela pediu que o carnavalesco carioca Chico Spinoza aumentasse sua fantasia.

A Unidos do Peruche vai tentar emocionar o público com o ex-locutor esportivo Osmar Santos. Outro comunicador que estará na avenida, mas pela Tom Maior, é o apresentador Raul Gil. Ele sai no papel de Chacrinha, comandado um time de ex-chacretes vestidas de chacretes.

Escolas crescem
e usam marketeiros

A aposta das escolas de samba não se resume à presença de mulheres bonitas e gente famosa. Foram buscar carnavalescos no Rio e patrocínios.

Em meio a dívidas crescentes, ganha força nas escolas a figura do marketeiro. Pelo menos duas escolas da cidade já dispõem de um profissional assim, responsável pela captação de merchandising. O empresário Wagner Jacopetti, diretor da Nenê de Vila Matilde, é um deles. Jacopetti fez sua primeira incursão no Carnaval em 89, na Tradição, do Rio de Janeiro. Desde então, tem se dedicado a contatar empresas para escolas de samba, como a Nenê e Tradição.

Para Jacopetti, o segredo é atrair a classe média. "O Grupo Especial já é um evento hollywoodiano. O público de classe baixa está restrito aos outros grupos do desfile", diz. A Vai-Vai, que também tem um marketeiro, esconde o nome do profissional. "É delicado, ele não deixou a empresa onde trabalha", diz Sólon Tadeu Pereira, presidente da escola.

Para Elaine Cristina Cruz Bichara, da Mocidade Alegre, há vários caminhos para a exploração comercial do desfile: melhorar contratos com a televisão, profissionalizar o homem de marketing e criar incentivos fiscais para quem apoiar o Carnaval. "Ou as escolas se profissionalizam, ou vão sucumbir", diz Eduardo Basilio, presidente da Rosas de Ouro, uma das poucas que diversificou as fontes de renda e não enfrenta falta de dinheiro.

Quatro vezes campeã e duas vezes vice somente nos últimos seis anos, a Rosas deve fechar o Carnaval com dinheiro em caixa. E o investimento para o desfile do próximo ano começa antes de terça-feira. A escola compra e reforma fantasias e esculturas das concorrentes, usa em shows e revende.

A Gaviões também exibe boa saúde financeira, mas por outras razões. É que a diretoria não faz distinção entre a contabilidade da escola e da torcida de futebol, a maior organizada do Brasil.

Na opinião de Basilio, a profissionalização é a saída para as escolas evitarem o dinheiro ilícito, como do jogo do bicho. A maioria das escolas entrevistadas pela Folha de S.Paulo alegou gastos incompatíveis com as poucas fontes de renda. O rombo, em alguns casos, chega a R$ 300 mil.

Algumas dizem que o déficit vai virar dívida. Outras, que doações vão cobrir o buraco. Todas negam semelhanças com escolas cariocas, financiadas por bicheiros. Leandro Alves Martins, 46, da Leandro de Itaquera, é o único que admite ter recebido, "no passado", dinheiro de um banqueiro do bicho, conhecido como "Bolão". Hoje, segundo ele, isso acabou.

Gabriel Cezar Zacarias Inellas, promotor que investiga o jogo do bicho em São Paulo, diz que nunca detectou ligação entre a contravenção e as escolas de samba. A informalidade e a organização das escolas de samba, propícias para lavagem de dinheiro ilícito, atraem outros tipos de atividades. "Um traficante propôs financiar a escola em troca de vender drogas e guardar armas na nossa sede", diz Marko Antonio da Silva, da Tom Maior, que recusou a oferta.

A estratégia de homenagear uma celebridade para garantir um bom retorno financeiro deu certo na Mocidade Alegre. A escola escolheu um enredo e ganhou um patrono, o designer Hans Donner. Donner não revela quanto investiu na escola, mas afirma que esgotou suas reservas e ainda emprestou dinheiro de amigos. "Se precisava de um espelho de três metros, eu comprava. Se precisava de tinta, cola, lantejoula, eu comprava", diz o designer.

O artista ainda usou o prestígio angariado em anos de trabalho na TV Globo para obter patrocínios. Em troca, as empresas poderão aparecer em um "making off" do desfile, que deve ser exibido na emissora, no "Video Show".

Estão nesse pacote a Tecnon, do grupo Tabacow, fabricante de plásticos moldados que produziu a fantasia das baianas, e a Sony, que forneceu um "video wall" para a escola. As duas forneceram seus produtos gratuitamente.

O apoio, porém, demorou a aparecer. "Fui humilhado e trapaceado", diz o designer. "Uma multinacional da área de equipamentos eletrônicos garantiu, inclusive por fax, que me apoiaria. Pediram por três meses que não fosse a concorrentes. No final, me deixaram na mão."

A saída foi tirar dinheiro do bolso, para evitar que o designer da maior emissora de TV do país fizesse um desfile mambembe. "A maravilhosa homenagem se transformou em um pesadelo, mas agora isso já passou."

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