Joãosinho dedica vitória a operários

Cerca de 30 mil pessoas comemoram título

Brasil Online/AJB 13/02/97 19h17
De São Paulo e do Rio de Janeiro

Cerca de 30 mil pessoas comemoraram o título da Viradouro, na quadra da escola, em Niterói até a manhã desta quinta-feira (13). A humildade que a doença ensinou fez Joãozinho dedicar a vitória aos operários do barracão. "Ganhar um carnaval é resultado de trabalho de equipe", reconheceu, de um modo que não faria antes. Joãozinho assume a mudança. Acredita que a doença lhe deu uma nova vida, uma nova oportunidade de renovar conceitos. "A isquemia veio para mudar minha vida", afirmava, durante a apuração, como quem agradece uma graça.

Paciente, atendeu a todos os telefonemas. Prestativo, não se importou em repetir as mesmas respostas às levas de repórteres que iam chegando ao barracão da Viradouro. Diferente do Joãozinho de outros carnavais, não perdeu a calma nem quando uma equipe de TV o reteve na hora de sair para a quadra da escola, em Niterói, onde seria recebido com festa pelos componentes e pelos amigos.

Os amigos, aliás, não o abandonaram nos piores momentos das dores que enfrentou de julho para cá. Dora Cortez, produtora dos eventos, que o acompanha desde 1988, estava a seu lado durante a quarta-feira de cinzas. "Olhando o Joãozinho hoje, eu já nem lembro que tudo isso aconteceu. Eu estava em Fortaleza com ele para o lançamento de um pólo de cinema. Ele voltou e eu fiquei. Dois dias depois, veio a notícia da isquemia. Sou apaixonada por ele e pelo trabalho dele", Dora declarava seu amor, olhando o mestre falar no telefone, a poucos metros.

Dora diz que não lembra mais dos piores momentos da doença, mas seqüelas no corpo do amigo cumprem esse papel. Quando a vitória se confirmou, o pessoal do barracão, já apinhado àquela altura, tentou botar o mestre nos ombros, como nos velhos tempos. Mas a doença lhe soou como um alarme e, assustado, Joãozinho pediu ajuda ao auxiliar e amigo Fábio Miranda. "Me protege", sussurrou, segurando o braço direito com o esquerdo.

Fábio repete o amigo e diz que a doença deu ao mestre uma segunda vida: "A isquemia ensinou que Joãozinho precisava ser calmo. Ele não dormia, não comia. Ficava 24 horas no ar. Sempre teve coração, sempre foi amigo, mas perdia a calma com facilidade. Joãozinho agora é outro."

A prova de fogo da mudança foi a apuração, momento em que, antes da doença, costumava perder a calma. Ao contrário de sempre, não parecia condicionar sua vida à vitória. Acompanhou o resultado com paciência e chegou a ser solidário com os adversários. "Estou sentindo pena do Império Serrano", disse, quando soube que a escola da Serrinha havia perdido quatro pontos por ter descumprido as regras de merchandising e de dispersão.

Em outros tempos, também não defenderia a rival Imperatriz, da carnavalesca Rosa Magalhães. Mas, quando percebeu que a escola da Leopoldina tinha ficado bem para trás, fez questão de registrar: "Acho injusto a Imperatriz ficar atrás da Mangueira".

Este novo Joãozinho, livre do estresse cotidiano que marcava sua personalidade, é confirmado por outra amiga, Marli das Graças Alvarenga. "Coração dos outros é terra que ninguém pisa e nem vê. Mas ele parece ter ficado mais calmo, sem ter perdido a vontade de viver. Fui Beija-Flor, onde o conheci em 1975. Hoje, sou João Trinta. Vou torcer por ele", dizia Marli, horas antes da apuração. Marli é amiga de fé de Joãozinho. Foi na casa dela, em Nilópolis, na Baixada Fluminense, que ele morou durante 14 anos, ainda no noviciado de sua carreira.

A amizade fez Marli acompanhar de perto o drama de Joãozinho. Ela tem frescas na cabeça todas as datas que marcaram o calvário do carnavalesco. Conta que ele ficou oito dias internado na Hospital São Lucas, em Copacabana (Zona Sul), e só recuperou a fala e andou depois de uma semana. "Ele estava no barracão, à noite, quando passou mal. Mas no dia 15 de agosto estava de volta."

A força que encontrou para continuar tocando o barracão da Viradouro foi reforçada pela ajuda cotidiana de outro amigo. Na verdade, amigo e discípulo. Wany Araújo, carnavalesco com quem aceitou dividir a assinatura do enredo - gesto inédito em sua carreira -, fez tudo que seu braço direito não o deixou fazer. "Wany foi meu braço direito", disse Joãozinho depois da apuração, numa imagem literal e sem trocadilhos com sua condição, rendendo uma homenagem a seu parceiro de enredo.

A mudança também foi notada por Fátima Bessil, mulher do bicheiro José Carlos Monassa, patrono da Viradouro. "Joãosinho sempre foi um superamigo, um coração grande. Mas, antes, era ele só. Agora, ele depende, precisa de ajuda. E ficou mais moderado." Fátima brinca com as palavras para elogiar o amigo: "A doença mudou o gênio do Joãosinho, mas não a sua genialidade".

Joãosinho analisava a vitória, no início da noite, com modéstia. "A isquemia aconteceu quando o carnaval já estava todo desenhado. Os figurinos já estavam no papel, já tínhamos até samba-enredo. A isquemia apenas reforçou o trabalho de equipe e a orientação. Mas eu nunca pensei em parar."

Não deixar o barracão, na verdade, foi uma terapia. Mas, não a única. Desde a doença, Joãosinho se agarra a um livro de auto-ajuda da americana Louise Ray. Chama-se "Cure seu corpo". "É a minha bíblia", ele não faz questão de esconder. "Louise diz que nós fabricamos as doenças. E tem razão. Não vê as baianas? Poucas têm doenças, porque são felizes. Hoje, eu também tenho orgulho de anunciar minha idade. Tenho 63 anos. E é com felicidade que renovamos as forças e superamos o espectro da morte e da velhice. Eu estou feliz." Está e merece.

Apuração foi
emocionante

Foi uma disputa de tirar o fôlego até a última nota. Só mesmo quando o vozeirão de Jorge Perlingeiro cantou o dez do jurado Mário Jorge Bruno para a bateria da Viradouro é que o povão de Niterói explodiu de alegria. Desolados, os dirigentes da Mocidade Independente de Padre Miguel nem comemoraram o vice-campeonato. Enquanto a Vila Vintém sucumbia diante da derrota, Niterói vestia a fantasia e, na Apoteose, a torcida gritava: "Ei, ei, ei, Joãosinho é o nosso rei".

O carnavalesco que nos anos 70 levou a Beija-Flor de Nilópolis a quebrar a hegemonia das chamadas quatro grandes -Portela, Mangueira, Salgueiro e Império Serrano-, chega outra vez ao topo. Desta vez, rompe o favoritismo das "impecáveis" Mocidade e Imperatriz Leopoldinense. Estrela maior de uma escola sem estrelas, Joãosinho levou a taça para o outro lado da Baía de Guanabara. O samba agora vai de barca para Niterói, terra de Ismael Silva, fundador da primeira escola do Rio, a Deixa Falar.

Desde seu início, às 15h40, a apuração das notas do desfile do Grupo Especial, na Praça da Apoteose, desenhou uma guerra ombro a ombro entre a Viradouro e a Mocidade. As duas escolas colecionavam notas dez, ao lado de Imperatriz e Beija-Flor.

A escola de Niterói era a única a receber dez de todos os jurados. A Mocidade, por exemplo, tirou um nove em mestre-sala e porta-bandeira, mas a nota foi descartada. Da mesma forma, a Imperatriz tirou um 9,5 em fantasia e a Beija-Flor, um 9,5 em alegorias e adereços. Cada meio ponto perdido ia enfraquecendo as rivais. Ao contrário, a sucessão de notas dez da Viradouro foi enchendo de esperança o coração do torcedor niteroiense.

Coração que ficou apertado na leitura das notas de bateria, o último quesito da tarde e o primeiro nos critérios de desempate. Já então a Mocidade estava meio ponto atrás da Viradouro, à espera de um milagre que virasse o jogo.

Quando Jorge Perlingeiro leu a nota nove do terceiro jurado para a escola de Niterói, fez-se o silêncio. Por que diabos o jurado Álvaro Medeiros deu nove à bateria que conseguiu fundir funk e samba? O show dos ritmistas comandados por Mestre Jorjão transformou em agonia a vibração dos niteroienses e fez soprar uma brisa de esperança para os lados da Vila Vintém.

Faltava ainda a última nota. Só o dez interessava à Viradouro. Qualquer outra nota poderia levar um jogo aparentemente ganho para os pênaltis. Mas veio o dez. Foi uma gritaria só. Viradouro campeã, com 180 pontos: 34 notas dez, uma nota 9,5 (em samba-enredo) e um nove, em bateria. Mocidade vice, com 179,5 pontos, derrubada por dois 9,5 em harmonia -uma das notas ficou valendo. Suprema ironia. Foi por meio ponto que a escola de Padre Miguel venceu ano passado a Imperatriz.

Os perdedores choraram. Jorge Pedro Rodrigues, presidente da Mocidade, nem levantou a taça de vice. "Perder ponto em harmonia é uma injustiça. Somos os campeões morais do carnaval", disse o presidente. Perto dele, o vice-presidente de carnaval da escola foi buscar no fundo de sua amargura um comentário patético: "Falaram tanto que o Joãosinho estava doente que os julgadores resolveram prestar uma homenagem ao grande carnavalesco". Pura mágoa.

Mais elegantes, os dirigentes da Mangueira preferiram olhar para a frente. "Estamos tentando entender os critérios dos jurados. Nossa intenção é aperfeiçoar nosso desfile cada vez mais", comentou o presidente da Mangueira, Elmo José dos Santos. O carnavalesco da Porto da Pedra, Mauro Quintaes, comemorou o quinto lugar da escola de São Gonçalo. "É uma vitória. Nós, do lado de lá da ponte, ganhamos o carnaval do Rio", lembrou.

Pura verdade. O "lado de lá" ficou com a primeira e a quinta colocações. Nilópolis, berço da Beija-Flor, abocanhou o quarto posto. Restaram duas das cinco vagas no Desfile das Campeãs para as escolas do Rio -a Mocidade e a Mangueira, segunda e terceira colocadas. Pior que isso. As quatro escolas que desceram para o Grupo de Acesso são cariocas -Estácio de Sá, Santa Cruz, Império Serrano e Rocinha. Duas delas levam para o fundo do poço histórias enciclopédicas do samba carioca.

O Império Serrano, no ano em que comemora seu ciquentenário, despenca com um enredo feito sob encomenda. A Estácio de Sá, campeã de 92 e herdeira da Deixa Falar de Ismael Silva, deixa a elite do samba.

Samba onde reina a elegância dos bambas. Quando ficou selada a vitória da ousadia de Joãosinho Trinta, a torcida da Mangueira, que lotava a arquibancada da Apoteose, fez questão de saudar: "Eu, eu, eu, Viradouro mereceu". Mereceu mesmo. Niterói, terra de Ismael, é berço de um samba campeão.

Harmonia tirou bi
de Padre Miguel

Uma pequena falha na harmonia tirou da Mocidade o meio ponto que faltava para ela chegar ao bicampeonato, dividindo o título com a Viradouro. A "tarefa" coube ao maestro Nilton da Silva e à jornalista Denira Rosário.

"A Viradouro tinha todos os componentes cantando o samba, acompanhando no mesmo tom da bateria, do cavaquinho e do violão" resumiu a jornalista Denira Rosário, explicando a nota máxima que deu para a Viradouro na harmonia. "A Mocidade não tinha o mesmo equilíbrio", disse. Ela criticou as escolas que aceitam turistas que sequer sabem a letra do samba.

De todos os jurados, apenas dois não deram nota máxima para Viradouro. O técnico de informática Álvaro Medeiros deu nove para a bateria. O jornalista Álvaro Costa e Silva deu 9,5 no samba-enredo. Consagrada como a bateria nota 10, a Mocidade não conseguiu unanimidade dos jurados. O músico Antônio José do Espírito Santo deu 9,5 para a escola.

Inconformado com o segundo lugar, o presidente da Mocidade, Jorge Pedro Rodrigues, pensou até em não subir no pódio após o término da apuração na Apoteose. Vencido pela indignação, permaneceu de cabeça baixa. Também não quis levantar o troféu muito alto. "Deixa prá lá", respondeu à mulher Rosângela quando ela pediu que ele erguesse a cabeça. "Achei este resultado uma vergonha. Dizem que a Viradouro fez um grande desfile, tudo bem eu não vi. Mas tirar ponto da Mocidade em harmonia e samba-enredo é uma injustiça", disse Jorge.

Confiante e "consciente do trabalho bem feito", Jorge Pedro trocou o otimismo pelo desepero depois de lidas as notas do quesito harmonia -em que a Mocidade tirou dois 9,5. Debruçou na grade, abaixou a cabeça. A nota 9,5 em samba-enredo piorou a situação: ele quase sentou no chão e chorou, consolado pela mulher. O choro de tristeza deu lugar ao alívio com o 9 dado à Viradouro. A esperança não durou muito. O último 10 da vermelho-e-branco de Niterói no quesito bateria enterrou o sonho do bicampeonato. Jorge aplaudiu o resultado e se retirou.

Não sem antes criticar a escola que lhe roubou o bicampeonato por apenas meio ponto. "A bateria da Viradouro tocou funk na avenida e o regulamento diz que ela tem que manter a cadência do samba", criticou, esquecendo a ousadia da Mocidade que levou sua porta-bandeira de bailarina para a avenida e causou grande apreensão aos torcedores da escola depois do 9 dado por um dos quatro julgadores do quesito, que depois foi descartada.

Jorge também criticou os jurados dos quesitos harmonia e samba-enredo: "Harmonia é o canto do desfile e a Mocidade cantou o tempo todo na avenida. A comunidade sabia a letra. Também queria saber se o samba-enredo da Viradouro é melhor do que o da Mocidade. A avenida toda cantou. Fica difícil quando os jurados não sabem nem o que estão julgando".

Mesmo em segundo lugar, o vice-presidente de carnaval, José Manuel Leonor, garantiu que a Mocidade vai brindar o público com um desfile inesquecível no sábado. "Quando a bateria estiver quase na Apoteose, vamos parar a escola e dar um sacode. Este público é que entende de samba e merece isto. No dia do desfile queríamos fazer isto, mas o abre-alas ficou entre dois postes e não deu", disse ele.

Sábado campeãs
voltam à avenida

No sábado, será a vez de conferir porque a Unidos do Viradouro, um escola sem tradição no mundo do samba carioca, conseguiu arrancar o título das mãos de bichos-papões como Mocidade, Imperatriz e Mangueira. A partir das 20h, tem início o Desfile das Campeãs.

A Viradouro, como é tradição, encerrará o desfile, que contará ainda com outras quatro escolas do Grupo Especial: Mocidade Independente, Mangueira, Beija-Flor e Porto da Pedra. As escolas que abrirão a festa serão, respectivamente, a campeã e a vice-campeã deste ano no Grupo de Acesso.

O desfile acontece na Passarela do Samba, na Rua Marquês de Sapucaí, na Praça 11. Ainda há ingressos à venda para o setor 1 -a R$ 10- e para os setores 6 e 11 - a R$ 3. Os bilhetes podem ser comprados, até sexta-feira, nas agências do Banco Meridional. No sábado, eles serão encontrados somente na agência Cinelândia do Meridional, das 10h às 15h, ou no próprio Sambódromo, a partir das 18h, no Setor 11.

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