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Em Alagoas pistoleiros cometem 10% dos assassinatos

AJB 09/01/99 11h10
De Maceió

Pelo menos 10% dos mais de 600 homicídios praticados anualmente em Alagoas têm características de execução - quando as vítimas são amarradas ou algemadas, mortas com vários tiros, sendo um deles na cabeça, ou seus corpos são levados para um local de desova. A estimativa é baseada em levantamentos do Fórum Permanente contra a Violência em Alagoas, entidade não governamental que reúne dados sobre homicídios praticados no Estado. "Em Alagoas, tem gente que procura um pistoleiro como se tivesse ido consultar um profissional liberal. Em vez de ir ao médico, ao dentista, vai se reunir com o pistoleiro", afirma o advogado Pedro Montenegro, um dos integrantes do fórum.

Na opinião de Montenegro, a promiscuidade dos sindicatos do crime alagoanos e seus profissionais da morte com o mundo formal foi explicitada pelo assassinato da deputada Ceci Cunha (PSDB-AL) - executada junto com três parentes, segundo a Polícia Civil e a Polícia Federal, a mando do deputado federal Talvane Albuquerque. "Em que outro lugar um renomado e confesso pistoleiro iria entar na Polícia Federal como convidado para prestar depoimento e ainda dar entrevista coletiva antes de voltar calmamente para casa?", indaga Montenegro. O advogado se refere a Maurício Novaes, o Chapéu de Couro, que acusou Talvane de tentar contratá-lo para executar o crime.

A morte de Ceci, afirma o advogado, chamou a atenção mais uma vez para um problema corriqueiro no estado - e que fica limitado às suas divisas quando a vítima não tem projeção nacional. "Pouco antes do assassinato, houve outras quatro chacinas de encomenda em Alagoas", afirma Montengro, que atribui a disseminação da violência organizada no Estado a uma combinação de fatores culturais e econômicos, ao lado da orientação dada ao trabalho policial e, sobretudo, à impunidade. "Em 65% dos assassinatos praticados no ano passado, não houve sequer abertura de inquérito. Os crimes simplesmente não foram investigados. Como isso é possível?. Sendo", lamenta o advogado.

O senador Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL) concorda que a impunidade é fator preponderante para a ocorrência de crimes como o do assassinato de Ceci Cunha, sua aliada política e grande amiga. "A sociedade não pode ficar passiva diante de casos como esse. Senão, a impunidade vai continuar sustentando essa indústria", afirma o senador, que propôs ao presidente Fernando Henrique Cardoso e ao governador de Alagoas, Ronaldo Lessa (PSB), uma ação conjunta entre a Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Federal e o Ministério Público. "É preciso começar a investigar e punir, de forma cabal, todo e qualquer crime deste tipo", diz Teotônio.

Segundo ele, o primeiro passo seria a nomeação de um secretário de Segurança absolutamente independente, "com isenção para agir em qualquer direção, sem medo de atingir ninguém". Para o senador, um primeiro passo fundamental seria a conclusão das investigações a respeito de alguns crimes de grande repercussão, que permanecem insolúveis. Um deles atingiu de perto ao atual governador alagoana: seu irmão, o delegado Ricardo Lessa, foi fuzilado em meio a uma investigação sobre a ação de um pistoleiro que entrou numa Unidade de Terapia Intensiva para executar um paciente. Outro crime de grande repercussão foi o assassinato, por encomenda, do chefe da fiscalização da Secretaria de Estado de Fazenda, Sílvio Viana.

A estratégia de agir em conjunto já foi tentada em algumas oportunidades. Na primeira delas, o governo federal indicou o general José Siqueira para a secretaria de Segurança Pública. Na segunda, realizada no ano passado, a Polícia Federal foi mobilizada para ajudar na caçada à Gangue Fardada, uma organização formada por policiais militares especializada em extermínio, roubos de carros e de assaltos a bancos. Hoje, segundo Teotônio, 95 policiais estão presos. "O envolvimento de policiais com o crime organizado realmente caiu após a intensa pressão de entidades internacionais. Já houve época em que 80% dos crimes tinham envolvimento de policiais civis ou militares", afirma Pedro Montengro.

Para o advogado, o contraste entre os 54 homicídios mensais registrados em média nos últimos anos e o pequeno número de roubos e furtos no estado pode explicar um outro lado do problema. "De todas as ocorrências policiais, pouco mais de 6% são de crimes contra o patrimônio. E quem impede os crimes, em tese, é a mesma polícia que não tinha gasolina para investigar o assassinato da deputada. A ênfase na proteção do patrimônio é clara. A vida humana, em Alagoas, é menos importante", diz Montenegro.

Já o coordenador do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça, Humberto Spínola, vê raízes ainda mais profundas para a violência alagoana. "Este banditismo que é uma marca de Alagoas tem raízes no processo cultural do estado, de um coronelismo com carcterísticas muito fortes", afirma Spínola. "Isso deu origem a um processo político extremamente conservador, associado à pobreza do estado, que antes dependia dos engenhos de açúcar e hoje ainda depende das usinas de açúcar. O poder, em Alagoas, é dividido entre famílias", acrescenta.


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