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Intoxicação na Quaresma

Quaresma, cada um tem a sua. Para o telespectador, ela chegou em forma de superdose com catorze novelas no ar. Definitivamente, ficou impossível acompanhar todas, nem que seja para vê-las só de vez em quando. O demônio da Quaresma se fingiu de generoso, mas deu de presente ao fã de novelas a mesma ansiedade que já atormentava o assinante dos canais a cabo: por mais que veja TV, ele sempre está perdendo o melhor. Paciência. Ou melhor: penitência.

A CNT é a responsável pela explosão da oferta de novelas. Sozinha, ela entrou com cinco estréias. São todos títulos mexicanos, aqueles em que mulheres ricas e más xingam a moça pobre de empregada doméstica o tempo todo.

(Como no melodrama mexicano a candura significa o bem e a feiúra significa o mal, a produçào se encarrega de dar à moça pobre um ar de princesa espanhola e às vilãs ricas, um toque de horror. Isso resulta num preconceito às avessas, pois esse toque de horror consiste em apresentar as malvadas milionárias como...empregadas domésticas desonestas mal fantasiadas de madame. Na verdade, a fantasia desse tipo de melodrama não é eliminar a diferença social, mas invertê-la, de tal modo que a princesa injustiçada assuma o topo da pirâmide e os usurpadores sejam condenados à pobreza, à infelicidade, à cadeia ou à morte. O mundo ideal do melodrama mexicano é a monarquia.)

Fora a ansiedade, um efeito curioso dessa superdose é que, sendo muitas, as novelas vão perdendo sua marca individual. Sobretudo, as mexicanas da CNT, que já começam misturadas. Elas se sucedem em fila compacta, prescindindo até mesmo de intervalos comerciais entre o fim de uma e o começo da outra. A conseqüência é a confusão. É como se o cantor Eduardo Casablanca de Alcançar uma Estrela despencasse disfarçado de advogado dentro da cela de Prisioneiros do Amor, que por sua vez se apaixonasse por Juan Carlos del Villar, de Simplesmente Maria.

Mas a maçaroca talvez não prejudique as novelas mexicanas, que muitas vezes caem ao gosto do público brasileiro, o que Marimar, do SBT, acaba de comprovar. Com sua simplicidade pueril, suas princesas choronas e sua estrutura repetida, elas funcionam menos como ficção e mais como terapia diária para lavar a alma e renovar a esperança do público sofrido. Assim, acaba não fazendo muita diferença se, naquela noite, a vingança do bem contra o mal acontece em Coração Selvagem e se o grande beijo de amor explodirá em Império de Cristal.

A Quaresma embolou os enredos, mas, mesmo assim, pode arregimentar novos fiéis para a CNT.



  • "Veja" - 26/02/97