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O mundo de Marlboro é aqui

Recostado na relva, o caubói acende seu cigarro sob o entardecer, com montanhas, rios e cavalos selvagens a seus pés. A campanha do Marlboro está no ar. Na televisão do mundo inteiro, nada pode ser mais bonito. Nada pode ser superior. O vaqueiro é um deus olímpico e, acima disso, um vetor de outro deus, o deus bíblico, condenando a natureza: "Pois tu és pó e ao pó retornarás". Os cigarros, como tudo, viram fumaça e cinza. Sim, o Ministério da Saúde adverte que homens comuns viram câncer e enfisema pulmonar, mas deuses como aquele caubói não têm tumores malignos e não ligam para isso.

Até aí não há mistério algum, pulando para outra passagem das escrituras. "Nada de novo sob o sol". O nosso tempo, no entanto, foi caprichoso ao inverter certas expectativas. Atualmente, enquanto o sólido se desmancha no ar, entidades que eram apenas imagens abstratas se materializam em pedras, metais e armações eletrônicas. O camundongo Mickey, por exemplo. Antes, ele não passava de um desenho. Até que, certo dia, virou parque de diversões de verdade na Disneylândia, um lugar físico, as crianças e as mães encostam a mão no focinho do Mickey. As crianças, pobrezinhas, um dia hão de retornar ao pó, mas a Disneylândia estará sempre lá, em sua majestosa irrealidade material.

Restaurantes, hotéis, saguões de condomínio e alguns empetecados banheiros de apartamento, quase tudo se organiza e se decora como se fosse um território em que a fantasia, como se diz, virou realidade. O efeito Disneylândia é generalizado, a própria realidade vai cedendo espaço aos cenários. Não é absurdo imaginar que, dentro de alguns anos, os fabricantes dos cigarros Marlboro arrematando o Grand Canyon nos Estados Unidos para transformá-lo no mundo de Marlboro concreto, onde vacas e até cachoeiras serão monitorados por satélites, no maior e melhor parque de diversões adultas da galáxia. O cliente vai chegar lá, cavalgar e depois brincará de ser campeão de Fórmula 1; vai estourar o champanhe, ganhar um beijo da princesa e ainda dormir com ela na mesma noite.

Mas, atenção, mesmo antes de ser construído, o mundo de Marlboro já existe na imaginação dos fumantes e das crianças, futuros fumantes. Não estando em lugar nenhum, ele está em todo lugar. Basta uma tragada para entrar nele. Que câncer que nada. É por isso que o cigarro é um sucesso e a marca Marlboro é a mais cara do mundo: vale 44,61 bilhões de dólares. Em nosso tempo, a tentação da fantasia é maior que qualquer antitabagismo. Em nome dela, ele também se desmancha no ar.



  • "Veja" - 12/03/97