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O desperdício da eloqüência

Sandra Maria Lima Barros, 44 anos, é personagem da diáspora da recessão brasileira. Bancária, em 1980 foi tentar a vida em Miami como faxineira e garçonete, deixando os três filhos no Rio de Janeiro. Mais tarde,em visita à família, entregou ao ex-marido cheques em branco assinados para saldar compromissos pendentes. Três desses cheques foram emitidos sem fundos. No final do ano passado, Sandra Barros veio ao Rio rever os filhos, mas, ao embarcar de volta, foi detida no aeroporto. Levada para a Polícia Federal, costatou que uma sentença, expedida à revelia, a condenava a dois anos e seis meses de prisão.

Ela está presa há noventa dias e, se os recursos forem infrutíferos, vai para uma cela no Talavera Bruce, presídio feminino, incorporando-se aos 1 400 brasileiros _ 0,9% da população carcerária do país _ que cumprem pena por estelionato. Todo esse contingente vem dos porões da sociedade. Já na cobertura do edifício social brasileiro, centenas de liquidações e intervenções feitas até hoje pelo Banco Central (116 só do Plano Real para cá) não resultaram na prisão de ninguém.

Entra escândalo, sai escândalo, e o Brasil desperdiça eloqüência e não faz nada para prevenir o próximo surto. A indignação, estado de espírito nacional quase permanente, tem suas virtudes. Flagra bucaneiros e, se não pune todos, execra exemplamente alguns. Foi assim com os anões do Orçamento e antes disso com o mandarinato de Collor. Mas, até hoje, por exemplo, não está configurado como crime o fato de um sujeito _ cidadão comum ou presidente da República _ fazer pagamentos com dinheiro proveniente de cheques depositados em sua conta por pessoas que não existem. Quem imaginava que ninguém mais teria a desfaçatez de contar semelhante história de carochinha teve de ouvir na terça-feira passada Fausto Solano Pereira, dono da corretora Boasafra, dizer no plenário da CPI dos precatórios que recebeu de um tal de Renê (?) um cheque de 9,7 milhões de reais.

A frouxidão de pijama velho que rege o trânsito do dinheiro mantém o cenário assim, com Solano solto e Sandra presa. Montar uma CPI do mercado financeiro certamente renderá mais manchetes. Editar rapidamente uma lei que tipifique com clareza os crimes financeiros dá mais trabalho. A distância entre uma coisa e outra ajuda a explicar por que, havendo de tempos a tempos tamanha coalizão de interesses a favor do bem, o mal ainda triunfe tantas vezes no Brasil.



  • "Veja" - 19/03/97