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MÁRIO DE ALMEIDA Pensão é despesa
Empresários aflitos com o bafo da competição oram
ajoelhados na direção de Brasília, cada qual pedindo a
graça que mais lhe refrescaria o balanço no curto
prazo. A turma dos bens de consumo pede mais
alfândega, jurando que a proteção é por tempo
limitado. Quem precisa financiar matérias-primas ou,
na outra ponta, seus distribuidores reclama juros
menores. Há, também, os devotos de ampla reforma constitucional. E,
por fim, o grupo que almeja um corte radical no tamanho do governo.
Todos querem o bem da nação, terçam argumentos vibrantes e sensatos,
gostam do Plano Real, querem a reeleição e, lamentavelmente,
enganam-se de prioridade.
Isso porque o primeiro e mais grave obstáculo à prosperidade do Brasil é
a crise da previdência estatal. O preço da inatividade ficará próximo dos
70 bilhões de reais em 1997. Os 17,5 milhões de aposentados do setor
privado custam 42 bilhões reais, cerca de 60% da verba para mais de
nove décimos dos pensionistas. Os 28 bilhões de reais restantes vão para
antigos funcionários públicos. De uma situação irresponsável ainda na
metade da década de 80, quando as aposentadorias representavam
menos de 3% da renda nacional, a conta simplesmente triplicou. E deve
subir em ritmo crescente, pois cerca de 3 milhões de profissionais vão
encostar somente neste ano.
Estancar a corrida pela mudança nos critérios obviamente lenientes que
autorizam aposentadorias para gente na flor da idade é uma pequena
parte da solução desse problema. Outra providência útil seria limitar a
pensão do servidor a uma fração razoável dos vencimentos da ativa. Um
competente e dedicado professor universitário, com todos os títulos,
recebe hoje 5 000 reais mensais pelo exercício da cátedra em tempo
integral numa escola pública de primeira linha. É pouco para um
profissional de alto calibre no mercado aberto. Mas é um valor
absurdamente elevado para professores aposentados de qualquer país
desenvolvido. Existe uma contradição definitiva entre o prêmio à
passagem do tempo, como se pratica no serviço público brasileiro, e o
conceito republicano da meritocracia. De médicos a contadores, de
geômetras a generais, nenhum funcionário brasileiro pode se considerar
feliz antes da aposentadoria.
O desastre pode ser descrito em uma frase: pensão é despesa - e nunca
investimento. Aqui está o ponto essencial e raramente mencionado pelos
chefes de empresa que lutam pela prosperidade de seus negócios e nunca
admitem que a estrutura societária familiar e descapitalizada é o
verdadeiro atraso de vida que segura a economia brasileira. Tudo o que
se arrecada num sistema em que os trabalhadores pagam a conta de
inativos que desconhecem sai pelo ralo, sem deixar traço. É verdade que
os 70 bilhões de reais pagos aos pensionistas brasileiros viram consumo.
Mas numa sociedade onde cada trabalhador poupa em nome de seu
próprio futuro há muito mais atenção com o dinheiro da previdência.
Não se engana facilmente um contribuinte que acompanha mês a mês o
desempenho do seu fundo de pensão. Vigilância extensiva e
transparência nos balanços de sociedades anônimas que desejam capitais
a longo prazo tornam-se regra geral. No fim das contas, poupança e
investimento confundem-se e ganham com isso todos os investimentos
produtivos que geram retorno saudável. A euforia gerada pelo ingresso
de cerca de 1 bilhão de reais por mês de capitais estrangeiros nas bolsas
seria brincadeira perto de um sistema aberto e competitivo de fundos de
pensão que recolhesse parte substantiva dos quase 50 bilhões de reais
hoje transferidos compulsoriamente ao sistema oficial.
Os chefes de empresa não colocam a reforma previdenciária no topo de
sua lista de prioridades porque a reciclagem da poupança através de
fundos de pensão exigiria uma reforma patrimonial que raros negócios
familiares estão realmente dispostos a enfrentar. No Brasil construído à
sombra da autarquia getulista, uma fábrica de autopeças com 100
empregados e um faturamento bastante razoável, de 20 milhões de reais
por ano, habituou-se a repartir seu resultado líquido típico, estimado em
6%, em duas metades: a primeira servia às despesas da família do
controlador, enquanto a segunda era reinvestida. Num mercado com M
maiúsculo, não existe negócio desse tamanho que consiga separar 50 000
reais por mês para o dono.
A conseqüência da fartura passada é que sobram herdades litorâneas à
venda em São Paulo. Empresários genuinamente dispostos a vender
parte do patrimônio pessoal amealhado nos anos de ouro do
protecionismo não conseguem desmobilizar a preços razoáveis e
reclamam dos juros e da falta de financiamento. O que mudou, na
realidade, foi o destino da empresa familiar. Muitas conseguirão
prosperar em ambientes cada vez mais severos porque têm vantagens
tecnológicas ou comerciais. Mas a regra geral é clara: a prática do
capitalismo é cada vez mais reservada aos profissionais.
Quanto mais demorada for essa transformação, menos oportunidades
terá o Brasil para crescer com saúde e persistência. Por isso, a falsa
malandragem de empurrar a reforma do sistema de aposentadorias para
o final da fila pode custar caro a um país que não consegue elevar suas
taxas de poupança. Que a oposição faça isso é normal. Mas a
cumplicidade do mundo empresarial, nesse caso, é apenas outra prova
de miopia e imediatismo.
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