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Pensão é despesa

Empresários aflitos com o bafo da competição oram ajoelhados na direção de Brasília, cada qual pedindo a graça que mais lhe refrescaria o balanço no curto prazo. A turma dos bens de consumo pede mais alfândega, jurando que a proteção é por tempo limitado. Quem precisa financiar matérias-primas ou, na outra ponta, seus distribuidores reclama juros menores. Há, também, os devotos de ampla reforma constitucional. E, por fim, o grupo que almeja um corte radical no tamanho do governo. Todos querem o bem da nação, terçam argumentos vibrantes e sensatos, gostam do Plano Real, querem a reeleição e, lamentavelmente, enganam-se de prioridade.

Isso porque o primeiro e mais grave obstáculo à prosperidade do Brasil é a crise da previdência estatal. O preço da inatividade ficará próximo dos 70 bilhões de reais em 1997. Os 17,5 milhões de aposentados do setor privado custam 42 bilhões reais, cerca de 60% da verba para mais de nove décimos dos pensionistas. Os 28 bilhões de reais restantes vão para antigos funcionários públicos. De uma situação irresponsável ainda na metade da década de 80, quando as aposentadorias representavam menos de 3% da renda nacional, a conta simplesmente triplicou. E deve subir em ritmo crescente, pois cerca de 3 milhões de profissionais vão encostar somente neste ano.

Estancar a corrida pela mudança nos critérios obviamente lenientes que autorizam aposentadorias para gente na flor da idade é uma pequena parte da solução desse problema. Outra providência útil seria limitar a pensão do servidor a uma fração razoável dos vencimentos da ativa. Um competente e dedicado professor universitário, com todos os títulos, recebe hoje 5 000 reais mensais pelo exercício da cátedra em tempo integral numa escola pública de primeira linha. É pouco para um profissional de alto calibre no mercado aberto. Mas é um valor absurdamente elevado para professores aposentados de qualquer país desenvolvido. Existe uma contradição definitiva entre o prêmio à passagem do tempo, como se pratica no serviço público brasileiro, e o conceito republicano da meritocracia. De médicos a contadores, de geômetras a generais, nenhum funcionário brasileiro pode se considerar feliz antes da aposentadoria.

O desastre pode ser descrito em uma frase: pensão é despesa - e nunca investimento. Aqui está o ponto essencial e raramente mencionado pelos chefes de empresa que lutam pela prosperidade de seus negócios e nunca admitem que a estrutura societária familiar e descapitalizada é o verdadeiro atraso de vida que segura a economia brasileira. Tudo o que se arrecada num sistema em que os trabalhadores pagam a conta de inativos que desconhecem sai pelo ralo, sem deixar traço. É verdade que os 70 bilhões de reais pagos aos pensionistas brasileiros viram consumo. Mas numa sociedade onde cada trabalhador poupa em nome de seu próprio futuro há muito mais atenção com o dinheiro da previdência.

Não se engana facilmente um contribuinte que acompanha mês a mês o desempenho do seu fundo de pensão. Vigilância extensiva e transparência nos balanços de sociedades anônimas que desejam capitais a longo prazo tornam-se regra geral. No fim das contas, poupança e investimento confundem-se e ganham com isso todos os investimentos produtivos que geram retorno saudável. A euforia gerada pelo ingresso de cerca de 1 bilhão de reais por mês de capitais estrangeiros nas bolsas seria brincadeira perto de um sistema aberto e competitivo de fundos de pensão que recolhesse parte substantiva dos quase 50 bilhões de reais hoje transferidos compulsoriamente ao sistema oficial.

Os chefes de empresa não colocam a reforma previdenciária no topo de sua lista de prioridades porque a reciclagem da poupança através de fundos de pensão exigiria uma reforma patrimonial que raros negócios familiares estão realmente dispostos a enfrentar. No Brasil construído à sombra da autarquia getulista, uma fábrica de autopeças com 100 empregados e um faturamento bastante razoável, de 20 milhões de reais por ano, habituou-se a repartir seu resultado líquido típico, estimado em 6%, em duas metades: a primeira servia às despesas da família do controlador, enquanto a segunda era reinvestida. Num mercado com M maiúsculo, não existe negócio desse tamanho que consiga separar 50 000 reais por mês para o dono.

A conseqüência da fartura passada é que sobram herdades litorâneas à venda em São Paulo. Empresários genuinamente dispostos a vender parte do patrimônio pessoal amealhado nos anos de ouro do protecionismo não conseguem desmobilizar a preços razoáveis e reclamam dos juros e da falta de financiamento. O que mudou, na realidade, foi o destino da empresa familiar. Muitas conseguirão prosperar em ambientes cada vez mais severos porque têm vantagens tecnológicas ou comerciais. Mas a regra geral é clara: a prática do capitalismo é cada vez mais reservada aos profissionais.

Quanto mais demorada for essa transformação, menos oportunidades terá o Brasil para crescer com saúde e persistência. Por isso, a falsa malandragem de empurrar a reforma do sistema de aposentadorias para o final da fila pode custar caro a um país que não consegue elevar suas taxas de poupança. Que a oposição faça isso é normal. Mas a cumplicidade do mundo empresarial, nesse caso, é apenas outra prova de miopia e imediatismo.



  • "Exame" - 19/03/97