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O Brasil mora em São Conrado

O bairro de São Conrado, no Rio de Janeiro, saiu de um mostruário de Brasil. A paisagem de mar, floresta, montanha e maciços que desenham a Pedra da Gávea e o morro Dois Irmãos é um formidável clichê do país das palmeiras onde cantam sabiás. No plano da fábula social, Belíndia está lá, com a Bélgica sentindo no cangote o bafo quente da Índia. Só uma pista de alta velocidade separa a favela da Rocinha dos edifícios apetrechados com um enxoval de requintes como não se vê em Bruxelas _ até porque, naqueles prédios, a ambição é ser Miami.

No condomínio Praia Grande convivem a rabugice do general João Baptista Figueiredo, o último presidente da dinastia dos quartéis, e a paz odara de Gilberto Gil que saiu direto dos armários onde o regime militar escondia desafetos para o exílio em Londres. No mesmo condomínio moram a ex-mulher do ex-presidente Fernando Collor e o juiz Ilmar Galvão, que deu parecer no Supremo Tribunal Federal pela inocência do barão da Casa da Dinda. A menos de 1 quilômetro dali vivem as netas do presidente Fernando Henrique Cardoso _ pelo menos enquanto não termina o processo que pode penhorar a casa de sua nora, Ana Lúcia Magalhães Pinto, herdeira do finado Banco Nacional. Para o edifício Sol Maior, mudou-se há pouco Gustavo Franco, diretor da área externa do Banco Central e a lasca mais reluzente da pedra filosofal do Plano Real. Será vizinho de Jacques Ganon, irmão mais velho de Ronaldo Ganon, um dos donos do Banco Vetor, o coelhinho da páscoa dos precatórios.

Há dez dias, há uma gritaria em São Conrado porque, pelos cálculos da prefeitura, em 1998 deve ser cobrado o mais alto IPTU (o imposto predial e territorial urbano) da cidade. Nos últimos tempos, as aparições do governo têm sido raras em São Conrado. Na década de 70, o poder público esteve lá para cevar com água, esgoto e gás encanado a viabilidade dos condomìnios. Depois, só fez aparições esporádicas. Na ausência dele, a favela trocou, por conta própria, tábuas por alvenaria. E expandiu-se. Desmesuradamente, sem controle. Já o patriciado teve de tirar do próprio bolso o soldo de exércitos de seguranças, não pode freqüentar a praia, emporcalhada por línguas negras, e fica ilhado nos temporais.

São Conrado é um coágulo das fortunas e desgraças nacionais. País pequeno esse Brasil.



  • "Veja" - 02/04/97