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Uma idéia para os educadores

Faz poucos anos, num debate sobre o poder da televisão numa biblioteca pública da periferia paulistana, um homem da platéia pediu a palavra para dar o seu depoimento. Contou que sua filha, de 5 anos de idade, depois de ser repreendida pela mãe, reagiu gritando: "Não sou mais sua filha. Agora eu sou filha da Xuxa". A mãe de verdade, "demitida" assim de repente, ficou sem reação.

Essa história não aparece aqui atrasada para fazer uma referência atrasada ao Dia das Mães. O seu propósito é apenas lançar uma pergunta: o que se passa na cabeça de uma garotinha que quer trocar sua mãe pela Xuxa? Dificilmente alguém terá perguntado isso para a pessoa mais interessada: a própria menina.

Segundo inúmeras estatísticas, uma criança fica diante da tela da TV pelo menos três horas por dia. Isso é um fato, e é tolice tentar revogá-lo com decretos ou proibições domésticas. O preocupante não é a presença da televisão, mas a ausência de diálogo com esse público infantil sobre o que ele assiste. Na maioria dos estudos a respeito do tema, a criança é tratada como um ser passivo. Há desde trabalhos neurológicos até pesquisadores que expõem a garotada a filmes violentos e depois soltam a turma num pátio para brincar _ aí, observando de longe, contam o número de tabefes que os pequenos trocam entre si. Estudos existem. O que falta é ouvir e dar atenção sincera àquilo que a criança é capaz de falar sobre a televisão. Em casa, esse papel cabe aos pais. Na escola, o desafio é dos professores.

Os educadores, em lugar de simplesmente condenar a TV como um vício menor, talvez pudessem desenvolver programas criativos de discussões regulares com os alunos: o que eles gostam de ver?; por quê?; como é isso de virar "filha" da Xuxa? Claro que cérebros infantis não dão respostas diretas a essas perguntas, mas o simples exercício do diálogo, fora do espaço delimitado pela TV, poderia favorecer o olhar crítico, que é a única defesa possível contra o poder dos meios de comunicação. Não há outro caminho dentro da democracia. Aliás, a formação de cidadãos requer a formação da consciência crítica.

O cotidiano infantil de nossos dias já não é demarcado apenas por coisas corpóreas, como o estilingue, a bola de futebol, a mãe ou o pai. Em grandes extensões, ele é dado por objetos imaginários, como os cavaleiros do zodíaco, os filmes policiais e até mesmo a Xuxa, que, na imaginação daquela telespectadora tão pequena, tinha assumido o lugar da mãe. Falar mais sobre essas coisas irreais e brincar de criticá-las não faria mal a nenhuma criança. Nem ao país.



  • "Veja" - 21/05/97