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O governo diz ausente

Na semana passada, na primeira assembléia dos novos acionistas da recém-privatizada Vale do Rio Doce, duas cadeiras estavam vagas. Deveriam ocupá-las representantes do governo, que ainda detém 32% das ações ordinárias da empresa com direito a voto. Sabe-se lá por que, o governo abriu mão do direito. No noticiário, o assunto foi tratado como corriqueiro. Está longe de ser. A assembléia celebrava o fim de uma penosa maratona que incluiu modorrenta e insuportável batalha de liminares, lutas campais de pedradas e cassetetes e guerras de manifestos do nacionalismo com odor de naftalina e do neoliberalismo deslumbrado. Toda a propaganda oficial alardeava que a soberania nacional sairia incólume da privatização graças a uma cláusula que garantia remuneração ao governo por descobertas que a companhia venha a fazer de novas jazidas.

O absenteísmo tem implicações. A curto prazo, a presença de representantes do governo poderia funcionar como um moderador de apetite. Serviria, quem sabe, para encabular os novos acionistas a não correrem com muita sede ao pote dos 700 milhões de reais que encontraram em caixa na Vale. Quase todos eles recorreram a empréstimos para cacifar suas posições no leilão, e com aquele dinheiro dando sopa no cofre há sempre a tentação de utilizar pelo menos parte do fluxo de caixa que lubrifica as operações da empresa para saldar dívidas. A longo prazo, a ausência dos conselheiros tem significado ainda pior. Se é para enfatizar a confiança no destino privado da companhia, deixa claro que a tal cláusula de soberania era só conversa mole do governo para acalmar a platéia.

O processo de privatização brasileiro, que nasceu irrigado com um jorro de "moedas podres", falhou redondamente na possibilidade de ter algum saldo pedagógico. Se o objetivo é vender algumas das maiores empresas do país, por que não aproveitar para pulverizar o controle, agregar novos acionistas, criar regras mais firmes de transparência? No padrão Margaret Thatcher, tantas vezes invocado, não se licitavam apenas ações, mas contratos _ ou seja, ações que a empresa privatizada deveria cumprir. E por ele o Brasil ainda sairia no fim do processo com o dobro do número de acionistas que tem hoje. No governo Fernando Henrique Cardoso as idéias não estão necessariamente conectadas com a ação. Por essa lei da física quase tudo fica em estado gasoso e raramente chega ao estado sólido.



  • "Veja" - 21/05/97