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Referendo e reeleitoralismo

Caso se comprovem as denúncias de corrupção de deputados por um ministro, nas negociações que precederam o voto do projeto de reeleição, caberá colocar de novo a pergunta: não teria sido melhor fazer um referendo nacional sobre a matéria? De fato, a confusão que o voto da emenda constitucional podia provocar no Congresso era previsível. No mês de outubro do ano passado, VEJA registrava, nesta mesma página, um comentário favorável ao referendo e contra a decisão de limitar ao Congresso o voto da reforma constitucional relativa à reeleição: "Com os parlamentares, os Estados e os municípios pendurados no crédito de um presidente que manobra em favor de seu futuro político, a tramitação da emenda poderá ser tumultuada e até desabonadora para o Congresso e o Planalto". Repare-se que esse escândalo surge já na votação do primeiro turno na Câmara. Faltam ainda as decisões _ sempre com maioria de três quintos dos votos _ do segundo turno na Câmara e dos dois turnos no Senado. Quer dizer então que o Congresso é inviável na democracia brasileira? Não é bem assim. Dificultar os procedimentos parlamentares para as reformas constitucionais é uma regra fundamental da democracia. Desta sorte, preserva-se a integridade da Carta contra as maiorias simples circunstancialmente formadas no Congresso. Quando questões complicadas estão em jogo, as constituições democráticas, como a nossa, também prevêem o recurso ao voto direto dos cidadãos _ ao referendo _ para proceder à mudança das leis fundamentais do país.

Num primeiro tempo, o governo pareceu aderir também à tese que previa a realização do referendo para confirmar o voto do Congresso. Aparentemente, tratou-se apenas de um engodo destinado a angariar mais votos para a emenda constitucional no primeiro turno da Câmara. Depois, nadando de braçadas num mar de votos, o presidente Fernando Henrique não falou mais no assunto. Salvo num debate na televisão, no qual varreu o recurso do referendo para a emenda sobre a reeleição com o argumento especioso de que o presidente Fujimori usara o mesmo recurso para emplacar a dele. Ora, ninguém faria a injúria de comparar um e outro presidente. Fujimori prendeu jornalistas, líderes da oposição, fechou o Congresso peruano e praticou vários desatinos para fazer aprovar seu projeto reeleitoralista. Na verdade, o Planalto temia que a campanha durante o referendo, com a propaganda eleitoral gratuita garantida aos opositores do projeto, expusesse a Presidência às críticas e prolongasse o debate sobre outras matérias. Voltariam as questiúnculas sobre o Proer, o Banco Nacional, a querela enroscaria nas privatizações e aprontar-se-ia um rolo que iria afugentar os implacáveis "investidores estrangeiros", juízes absolutos do destino dos povos.

Tudo isso parecerá hoje secundário diante dos estragos produzidos pelo reeleitoralismo logo nessa primeira votação da Câmara. O encaminhamento da reforma constitucional pela via exclusiva do Congresso parece já estar comprometido. Há suspeita sobre toda a estratégia do Planalto. Mas ainda existe tempo suficiente para libertar o presidente, o Congresso e o país dessa tranqueira fatal. Há ainda tempo, de fato, para condicionar o voto parlamentar sobre a emenda da reeleição ao voto direto e soberano do eleitorado, a um referendo nacional. O procedimento será, talvez, mais longo. Mas será mais seguro. Afinal, na democracia o caminho mais longo é sempre o mais curto.



  • "Veja" - 21/05/97