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O MST pulou a cerca

O Movimento dos Sem-Teto é a pior coisa que poderia acontecer ao Movimento dos Sem-Terra. Não adianta o coordenador do Movimento dos Sem-Terra, João Pedro Stedile, dizer o contrário. Num país onde a simpatia pela reforma agrária é proporcional aos 80% de urbanização, a sigla MST se mete em encrenca invadindo as cidades. No campo, para todos os efeitos de opinião pública, a briga é com o tal 1% de latifundiários. Mas, do lado de cá da cerca, o que está plantado é um labirinto de questões sociais.

Foi isso, pelo menos, que aprendeu o Rio de Janeiro, há menos de um ano, com o caso dos camelôs. Por mais de uma década, em nome da crise econômica, eles foram tratados por todos os governos como se representassem a vanguarda de um movimento dos sem-loja, remediando pela ocupação da via pública os estragos do desemprego e da iniqüidade social. Até que César Maia, um prefeito com fama de doido, mandou a polícia enxotá-los das ruas a cassetete _ e as pesquisas constataram que, para o povo, o louco tinha razão. Antes da pancadaria, ninguém punha em dúvida a popularidade dos camelôs. Depois, popular era a repressão. Virou programa de várias prefeituras no interior.

Como nesse exemplo o doido tinha razão, convém lembrar o que Cesar Maia denunciava sobre as relações dos sem-teto com o programa habitacional do Rio. As casas eram feitas em segredo, para evitar invasões. Mesmo assim, dois conjuntos foram tomados durante as obras na Maré e na Cidade de Deus. Destinavam-se oficialmente a abrigar famílias removidas de barracos encaixados em vãos de viadutos e em favelas sob risco de deslizamento. Ali se violou, portanto, o código de ética do banditismo social, que manda tirar do rico para dar ao pobre. Tirou-se pobres, embora fossem pobres cadastrados pela prefeitura, para dar a pobres escolhidos pela liderança do motim. Mais ou menos como nesta semana na Fazenda da Juta, em Sapopemba.

O apoio à reforma agrária ou a estima pelo MST não podem chegar ao ponto de canonizar os sem-terra, supondo que eles detêm a patente da aceleração da justiça em todas as causas sociais. É mais provável que os sem-terra estejam errados em quase tudo, menos no essencial. Por causa desse trunfo, seus simpatizantes e até seus adversários se calam sobre os desvios do movimento. No Ibama, por exemplo, cochicha-se que eles começaram a roer as últimas manchas de Mata Atlântica da Bahia. Nos primeiros assentamentos em São Paulo, a socióloga Maria Conceição D'Incao constatou que, depois de conquistar um lote, os lavradores eram atazanados pelos militantes, inconformados com sua vocação para pequenos proprietários rurais. Além disso, se fosse possível acabar com a desigualdade brasileira só com um prefixo, imagine-se quanta coisa não faria pelos despossuídos o Movimento dos Sem-Grana.



  • "Veja" - 28/05/97