Banco contratou lobby para 'abafar' apuração

Dono de corretora nega irregularidades

Agência Folha 11/03/97 21h55
De Brasília e de São Paulo

CPI Um prêmio de R$ 120 mil foi prometido pelo Banco Vetor ao esquema de lobby oferecido pela empresa paulista ADS - Assessoria de Comunicações Ltda para "neutralizar" os trabalhos da CPI dos Precatórios. O Vetor também contratou a assessoria do ex-senador Ronan Tito, que trabalha no escritório da Internac, em Brasília.

A proposta de contrato assinada pelo diretor-superintendente da ADS, Antonio de Salvo, prevê o pagamento de uma "taxa de sucesso" para o caso de a CPI "não resultar em nada ou, ainda, inocentar completamente" seu cliente.

O contrato foi fechado em dezembro, no mesmo dia da instalação da CPI, e foi revelado nesta terça-feira pela comissão. O depoimento do presidente do Vetor, Fábio Barreto Nahoum, subscritor do contrato de lobby e um dos principais investigados pela CPI, está marcado para esta quarta.

O contrato de lobby foi apreendido pelo Banco Central, com a cobrança por parte da ADS de R$ 25,3 mil de honorários pelos serviços de assessoria prestados até a data da liquidação do banco. Os serviços da ADS incluíam contatos e reuniões com todos os membros da CPI e com jornalistas de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Pelo trabalho, a empresa cobraria R$ 10 mil no mês de dezembro e mais R$ 25 mil por mês a partir de janeiro, fora o prêmio e o ressarcimento de despesas com viagens, refeições e hospedagem.

Para o trabalho de "assessoria governamental", a ADS subcontratou a Internac Consultoria Internacional e Nacional Ltda, por R$ 5 mil mensais e mais um prêmio de R$ 80 mil, condicionado à prorrogação do depoimento de Nahoum. A dona da Internac, Cátia Vasconcelos, disse que não chegou a fazer lobby porque o contrato foi suspenso em 28 de fevereiro, oito dias depois da liquidação extrajudicial do Vetor.

Vasconcelos classificou de "uma infelicidade" os termos do contrato do Vetor com a ADS: "É uma bobagem imaginar que alguém consegue interferir numa CPI se nem o ex-presidente Fernando Collor conseguiu parar uma CPI contra ele". No início da noite, o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), anunciou que faria uma queixa-crime à Procuradoria-geral da República contra as empresas de lobby, além de descredenciar jornalistas que atuaram contra a CPI.

Em troca de uma comissão de R$ 40 mil, o ex-senador Ronan Tito tentou combinar uma audiência de Fábio Nahoum com o senador José Serra (PSDB-SP). O presidente da CPI, Bernardo Cabral (PFL-AM), também foi contatado sobre a data do depoimento de Nahoum. Tito alega que foi ele quem indicou ao relator da CPI, senador Roberto Requião (PMDB-PR), o nome de Wagner Baptista Ramos, apontado como mentor da fraude com títulos públicos.

Ronan Tito disse que seu cliente "estava morrendo de medo" do depoimento de quarta. Ele o aconselhou a chamar todos os senadores por "Vossa Excelência". E chamou de sandice os trabalhos da CPI: "Estão brincando de Deus".

O contrato apresentado no final pela manhã pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), relator da CPI dos Precatórios, entre a empresa de comunicação ADS e o Vetor é falso, segundo o advogado do banco, Felipe Amodeo.

Houve um contrato entre as duas empresas, mas, segundo Amodeo, o documento assinado não incluía a cláusula lida pelo senador Requião, segundo a qual a ADS faria lobby junto aos senadores para neutralizar a CPI.

O advogado explicou que a ADS apresentou uma proposta de contrato contendo esta cláusula, mas Fábio Nahoum, dono do Vetor, não teria aceito e o documento final teria sido reformulado.

"Queremos que sejam apuradas as responsabilidades por este documento apresentado como verdadeiro na véspera do depoimento de Fábio Nahoum e Ronaldo Ganon à CPI", disse Amodeo.

O advogado enviou, nesta terça, requerimento assinado por Fabio Nahoum à CPI, à Presidência do Senado e à Procuradoria da República pedindo a apuração rigorosa.

Segundo Amodeo, o documento tal como lido criou clima de "terrorismo e falsidade" um dia antes dos depoimentos de Nahoum e Ganon. Os diretores do Vetor serão ouvidos quarta pela primeira vez. Amodeo afirmou que seu cliente fará um depoimento "absolutamente esclarecedor". "Será técnico e até surpreendente em alguns aspectos", disse.

Câmara de São Paulo
votará instalação de CPI

A Câmara Municipal de São Paulo vota nos próximos dias pedido de abertura de uma CPI para investigar a emissão de títulos públicos pela prefeitura. Os partidos de oposição conseguiram nesta terça a última das 19 assinaturas exigidas para colocar o requerimento em votação. São necessários 28 votos para que a instalação da CPI seja aprovada.

Em menos de dois meses de governo, essa é a segunda vez que o prefeito Celso Pitta (PPB) enfrenta um pedido de investigação sobre o assunto. No início de fevereiro, o requerimento foi rejeitado em plenário por 32 votos a 12. A oposição pretende retardar a votação por uns dias com o objetivo de atrair o apoio popular e aumentar a pressão sobre os vereadores indecisos.

O prefeito Celso Pitta determinou a ampliação da sindicância interna da Prefeitura de São Paulo que apura os negócios do ex-funcionário Wagner Baptista Ramos. Na prática, embora Pitta tenha evitado referências pessoais, a medida possibilita a investigação de seu amigo Pedro Neiva e outros funcionários que trabalhavam na Secretaria das Finanças junto a Wagner Ramos.

Segundo a Folha de S.Paulo apurou, a intenção do prefeito é evitar que sejam jogadas contra ele acusações de favorecimento ao amigo no caso de Neiva ser envolvido no caso. Ao mesmo tempo, a estratégia visa evitar que Wagner Ramos se sinta acuado ou abandonado pelo ex-chefe às vésperas de seu segundo depoimento à CPI, ao sinalizar que a prefeitura não desejaria gerar um único "bode expiatório".

Dono de distribuidora
faz insinuações

O dono da corretora Boa Safra, Fausto Solano Pereira, negou nesta terça-feira (11) participação no esquema de operações irregulares com títulos públicos estaduais e municipais para o pagamento de precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais). Em depoimento à CPI dos Precatórios, no Senado, ele reconheceu ter recebido cheque no valor de R$ 9,7 milhões da empresa fantasma IBF Factoring, de propriedade de Ibraim Borges Filho, mas afirmou que se tratava de uma transferência de parte do dinheiro da conta de sua empresa nas ilhas Cayman, no Caribe.

Segundo ele, a intenção era retirar R$ 1,8 milhão da conta, mas por "problemas de câmbio", seu advogado em Miami (EUA) não pôde realizar a operação. Por indicação dele, segundo Solano Pereira, foi acertado então um contato com outro advogado -identificado apenas como René, no Brasil. De acordo com Solano Pereira, René disse que não teria como disponibilizar apenas R$ 1,8 milhão e propôs que Solano aceitasse um cheque de R$ 9,7 milhões, da IBF Factoring, com o compromisso de repassar posteriormente a diferença entre 54 empresas e pessoas físicas.

O depoimento foi criticado pelos senadores. O senador Pedro Simon (PMDB-RS) chegou a pedir a prisão de Solano Pereira por falso testemunho. O pedido foi recusado pelo presidente da comissão, senador Bernardo Cabral (PFL-AM), que afirmou não ter provas. A CPI deu prazo de uma semana para Solano Pereira apresentar documentos que comprovem a operação.

Um tom de ameaça prevaleceu durante o depoimento de Fausto Solano Pereira. Sucinto nas suas declarações, Pereira deu a entender que tem informações reservadas sobre políticos. E que pode contar mais quando entender que seja conveniente. Na metade do depoimento, disse que já havia dado carona em seu avião particular para o ministro do Planejamento, Antônio Kandir, numa viagem de Santa Catarina para São Paulo. Ele não disse quando foi a viagem.

A assessoria de Kandir informou que a viagem ocorreu quando ele era deputado. O hoje ministro foi a Florianópolis (SC) fazer uma palestra na Associação de Dirigentes de Vendas do Brasil. Kandir disse aos organizadores que não queria passar a noite na cidade. Foi informado que um dos associados, Fausto Solano Pereira, estava retornando a São Paulo. Resolveu aceitar a oferta de carona.

Mais para o final do depoimento, sugeriu que manteve um relacionamento de confiança com o senador Esperidião Amin (PPB-SC). Quando Amin era governador de Santa Catarina, no início dos anos 80, Pereira teria participado de uma operação de antecipação de receita orçamentária (conhecida como ARO) para o Estado.

Na época, Pereira diz que telefonou para Amin, então governador, e pediu para que o contrato de ARO fosse analisado. "Vindo de você, tenho total confiança", teria respondido Amin, segundo Pereira relatou à CPI. A declaração do dono da distribuidora Boa Safra constrangeu Amin e os outros senadores da CPI. "Eu não me lembro do episódio", disse Amin.

Leia também

Fórum