Filho de imigrantes italianos, Gil Giovanini Passarelli dizia que havia se tornado fotógrafo para ficar mais perto de seus ídolos do time do Palmeiras.
Paulista de Campinas, Gil “Papá”, como era conhecido, começou a trabalhar na Folha no ano de 1935 como office boy. Pouco tempo depois, foi promovido a chefe de portaria e, em 1941, passou a atuar como fotógrafo.
“Quando eu comecei em jornal, fotógrafo era também técnico em explosivos: tinha que usar pólvora, espoleta e gatilho. Cada foto era um tiro”, disse Passarelli em uma entrevista ao jornalista José Hamilton Ribeiro, parceiro de coberturas na Folha —eles acompanharam a abertura da rodovia Transamazônica, em 1969.
Nas décadas de 1930 e 1940, os filmes tinham baixa sensibilidade e, por isso, exigiam muita luz. Como não existia o flash, a pólvora era colocada em um recipiente e detonada com uma espoleta. Às vezes, alguém saía chamuscado.
Para assumir essa função, ele precisou fazer um teste, fotografar uma prova de ciclismo. “Levei seis chapas [de vidro]. Das seis, quatro ficaram imprestáveis, sem foco e tremidas”, disse Passarelli. Ribeiro completou a resposta: “Mas as outras duas mostravam o padrão Gil. Ele estava empregado”.
Era, enfim, um fotógrafo? Passarelli não gostava de ser chamado assim. “Fotógrafo uma ova! Fotógrafo bate retrato, eu sou é repórter fotográfico, sou dessa raça.”
Ele cobriu eventos relevantes, como a posse de Juscelino Kubitschek, em 1956; a renúncia de Jânio Quadros, em 1961; e o incêndio do edifício Andraus, no centro de São Paulo, em 1972. Também atuou em Copas do Mundo e Jogos Olímpicos.
Em outubro de 1967, quando cobria as eleições para a diretoria da UEE (União Estadual dos Estudantes), Passarelli flagrou uma briga entre estudantes do Mackenzie, na rua Maria Antônia, região central da capital paulista.
Jovens de direita queriam destruir uma das urnas do pleito, e outro grupo, ligado à esquerda, tentou barrá-los. O resultado foi uma batalha campal, imagem que levou a Folha a conquistar seu primeiro Prêmio Esso de Fotografia na história do jornal.
Quando ele completou 50 anos de atuação no jornal, em 1985, lançou um livro comemorativo com fotos e mensagens de colegas e figuras famosas. Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do PT, escreveu: “Poucas vezes vi um profissional tão dedicado e competente no seu ofício”.
O repórter Ricardo Kotscho, outro parceiro de coberturas, descreveu a convivência com o fotógrafo. “Uma das coisas boas dessa vida de jornalista foi trabalhar com Gil Passarelli”, disse. “Eram tempos românticos, quando os jornalistas sonhavam que podiam mudar o mundo.”
Para Clóvis Rossi (1943-2019), Passarelli “é tudo o que eu queria ser na vida quando crescer: testemunha ocular da história. Mas ele leva uma vantagem: o seu testemunho não fica apenas na retina. Fica registrado para sempre nas fotos que contam histórias de gente graúda e miúda, em todos os sentidos”.
O compromisso de Passarelli de fazer uma boa foto não se restringia às pautas. Sua filha Maria Inês, hoje com 70 anos, recorda-se de um episódio quando era criança.
Eles foram visitar o avô dela, que tinha um macaco em casa. Ao se aproximar, o bicho pulou em cima da garota. “Minha mãe morria de medo e pediu que meu pai tirasse o macaco de cima de mim. Só que, em vez de me socorrer, foi buscar a máquina e fez a foto.”
Quando Passarelli não corria atrás da foto, ela podia ir até ele. Foi assim ao cobrir a prova 500 km de Interlagos, na década de 1970. Enquanto trabalhava, a família aproveitou para passar o domingo no autódromo.
“Papai gostava muito de cochilar. Depois que almoçamos, ele avisou que faria fotos da prova que estava em andamento. Só que deitou na grama perto da pista e cochilou”, lembra Maria Inês.
“Quando acordou, assustado, a corrida estava quase terminando, e ele não havia feito nenhuma foto. Quando terminava de aprontar a câmera, um carro capotou na frente dele. A imagem foi publicada em página inteira no jornal”, conta a filha.
A fotografia, diz ela, era a grande paixão de Passarelli. Tanto que a família deixou o Planalto Paulista, na zona sul, para morar na alameda Barão de Limeira, ao lado da Folha, no centro da cidade.
Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.