'Quem é que nunca deu uma banana?', ironizou Otto Lara Resende em crônica de 1991

Escritor e colunista da Folha comentou gesto do então presidente Fernando Collor

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Rio de Janeiro

O presidente Jair Bolsonaro voltou a debochar da imprensa na entrada do Palácio da Alvorada nesta quarta-feira (4). Quando questionado sobre o crescimento fraco do PIB, ele pediu que o humorista Márvio Lúcio dos Santos Lourenço, da TV Record, famoso por interpretar o personagem Carioca, respondesse às perguntas dos jornalistas.

O humorista fantasiado de presidente deu, literalmente, banana para a imprensa — no dia 8 de fevereiro Bolsonaro também havia feito o gesto de banana para a imprensa.

Bolsonaro, no entanto, não foi o primeiro presidente a usar de tal expediente.

Em setembro de 1981, o presidente general João Figueiredo (1979-1985) teve um problema cardíaco e foi internado num hospital do Rio de Janeiro. O boato de que ele havia morrido rapidamente se espalhou em Brasília. O fotógrafo Roberto Stuckert foi ao hospital para convencer o presidente a se deixar fotografar, o que acalmaria o país, segundo argumentou. Na hora de um dos cliques, porém, Figueiredo fez uma “banana” com os braços.

Em julho de 1991, a Folha publicou a crônica "Yes, nós temos", do escritor e jornalista Otto Lara Resende (1922-1992). O colunista do jornal comentava o gesto da banana feito pelo então presidente Fernando Collor de Mello.

Três presidentes fazem gesto de banana
O presidente da República, Jair Bolsonaro (à esq.), repetiu o símbolo de "banana" aos jornalistas. Em 1989, o então candidato à presidência da República, Fernando Collor de Mello (centro), berra palavrões e faz o gesto durante conflito entre simpatizantes e um grupo de brizolistas. O então presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo (à dir.) faz gesto de banana. - Reprodução/Chico Ferreira/Folhapress e Roberto Stuckert

Yes, nós temos ​

Otto Lara Resende

Palavra como eu não queria tocar nesse assunto. Parece até que tinha uma premonição. Já na sexta-feira, evitei ver o espetáculo na TVE [emissora de televisão]. Logo na Educativa. Aliás, não vi foi jornal nenhum. Só no sábado de manhã é que tomei conhecimento da banana. Depois daquilo roxo, a banana até que é passável. O popular manguito, cujo sentido todo mundo sabe. A fruta é típica do trópico, mas o gesto existe há séculos em Portugal.

Em Portugal só, não; na Europa —e em cada país, pelo menos na Europa meridional, tem um nome específico. Por toda parte, o gesto é obsceno. A simples palavra é palavrão e consta dos dicionários de calão. Mas aqui entre nós, quem é que nunca deu uma banana? As mais sérias são as que tivemos vontade de dar e todavia guardamos, quase sempre por conveniência. Só mesmo um banana, que neste sentido significa sujeito mole, sem vontade. Um bocó de argola.

Nos Estados Unidos, a banana é fruto raro, salvo quando está associado a república: "banana republic". Designa os pobres países do hemisfério que têm muita banana e nenhuma república, isto é, democracia. Amanhã, Collor estará indo para Guadalajara, no México. A banana com certeza já precedeu e lá está como assunto obrigatório entre os chefes de Estado, ainda que em voz baixa. Se há precedente? Há. Cito um: o do Cristiano Machado. Candidato em 1950, de sua campanha ficou o jargão político "cristianizar".

Cristiano, irmão de Aníbal, tio portanto de Maria Clara, era um 'gentleman'. Em 1953, nomeado embaixador no Vaticano, lá morreu logo depois. Quem registrou a banana do Cristiano foi, logo quem, o Carlos Drummond de Andrade, que foi seu ghost-writer. O candidato apareceu num reduto getulista e a plebe começou a vaiá-lo. Cristiano não teve dúvida. Entrou no carro e saiu dando bananas homéricas, enquanto o poeta morria de rir.

Bom, Cristiano era só candidato. E a graça estava no insólito da cena. Um homem finíssimo como ele! Todo compostura. A sorte é que a TV não estava lá. Nem fotógrafos indiscretos. Quanto ao Collor, sugiro ao protocolo que acabe com a descida da rampa na sexta e crie a subida na segunda-feira. Depois do jet ski e do domingo, nervos em paz, a banana fica mais remota. Mas se quiser dar mesmo, dê para o FMI e para os credores americanos. Macho é isto.

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