Descrição de chapéu Humanos da Folha

Com estrela de xerife, Caversan ocupou diversos cargos de edição na Folha

Jornalista paulistano foi editor, renovou a fotografia do jornal e atuou como colunista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Luiz Carlos Caversan nasceu na Vila Esperança, zona leste de São Paulo. Seu pai, Herminio, trabalhava como mecânico de manutenção. "Era o cara que, no chão da fábrica, fazia qualquer negócio para consertar ou montar máquinas", conta o jornalista, hoje com 65 anos.

Mas foi com a mãe que ele começou a trabalhar. Julia foi costureira antes de se tornar feirante, profissão na qual iniciou o filho, com 14 anos. Vendiam agulhas, linhas e outros artigos para costura e depois passaram a comercializar roupas para senhoras.

retrato em preto e branco de homem sentando à mesa, com a mão no queixo, rindo. de frente a ele, duas jornalistas também riem
Luiz Caversan durante reunião na Redação da Folha em 1988 - Rubens Mano - 06.jun.1988/Folhapress

Como a barraca da família era instalada sempre numa das pontas da feira, não era preciso montá-la tão cedo, como acontecia com as demais. Mesmo chegando ao local só por volta das 10h, o adolescente sofria para acordar.

"Já era um sinal de que eu trabalharia à noite, tinha vocação para jornalista. Sempre tive muita dificuldade para acordar cedo".

A mãe vendia bem, Caversan nem tanto. Mas o garoto aprendeu algumas lições. "A maior foi lidar com todo tipo de gente e respeitar essas diferenças. Na feira, não tem raça, nem idade."

Mais decisivo, no entanto, para que posteriormente se tornasse jornalista foi o trabalho que conseguiu como office boy, que passou a conciliar com a vida de feirante a partir dos 15 anos. Como boy, conheceu a São Paulo dos anos 1970 de cabo a rabo e aprendeu a datilografar.

Quem conseguiu esse trabalho para ele foi o primo Waldo, que tinha sido motorista da Folha e sempre presenteava o garoto com exemplares da Folhinha.

Desde os tempos da feira, Caversan ouvia muito rádio e lia o jornal Folha da Tarde. Mas foi uma famosa frase do apresentador Chacrinha (1917-1988) que aguçou sua vontade de trabalhar numa Redação: "Quem não se comunica se trumbica".

"Começaram a pintar uns papos de comunicação de massa. Eu era meio hippie e lia poemas, como o que dizia 'A massa me amassa'. E essa frase do Chacrinha me abalou", lembra.

Começou a estudar no colégio Equipe para se preparar para o vestibular e, em meados de 1974, ingressou no curso de jornalismo da faculdade Cásper Líbero.

Durante o curso, conseguiu uma vaga de revisor em O Estado de S. Paulo, onde depois assumiu a função de repórter.

Saiu do jornal em 1983 para montar uma produtora de shows de rock. Foi bem-sucedido na empreitada até que, segundo ele, um dos sócios deu um golpe em toda a equipe. Sem trabalho e sem dinheiro, pediu para trabalhar na Folha

Começou no jornal em dezembro de 1983 como revisor, passou a repórter e logo se tornou editor de Educação e Ciência.

Poucos meses depois, Otavio Frias Filho (1957-2018) assumiu o cargo de diretor de Redação. "Eu trabalhava como secretário-assistente de Redação quando teve início o processo de implantação do Projeto Folha", conta Caversan, que se envolveu profundamente nessa reorganização. "Foi bem complicado."

A sistematização de procedimentos pouco empregados no jornalismo brasileiro —como a necessidade de contextualizar os fatos, ouvir os vários lados da notícia e a preocupação em criar recursos infográficos— foi alvo de rejeição de boa parte dos profissionais do jornal.

"Os caras [jornalistas da Folha] diziam que futebol era arte e argumentavam que não tinha a menor importância a 'posse de bola' ou quem mais 'chutou a gol', por exemplo", diz Caversan, que supervisionava o trabalho de implantação dos novos padrões.

Com atribuições difíceis como essa, passou a ser mais prestigiado pela direção do jornal. Recebeu muitas vezes das mãos de Otavio uma estrelinha de xerife, feita de papelão, sempre que assumia editorias problemáticas.

Ao longo de 21 anos de serviços prestados à Folha, exerceu diversos cargos de edição, renovou o departamento de fotografia do jornal e atuou como colunista.

Editou, entre outros cadernos, Ilustrada, Política, Economia, Esportes, Cotidiano, Educação e Ciência e Suplementos. Também comandou áreas como TV Folha e Projetos Especiais. A editoria mais difícil?

"Todas tinham um abacaxi para descascar ou um pepino para resolver. Ainda bem que fui feirante", brinca.

Durante uma década, Caversan foi diretor da sucursal da Folha no Rio. Foi um período em que recebeu ameaças de morte pelas reportagens da chacina da Candelária, acompanhou arrastões e cobriu a Eco-92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento).

Também foi nessa época que "grudou como carrapato" em Fernando Collor. "Acompanhei toda a trajetória dele como candidato até ser eleito. Era tresloucado. Eu sabia que seria um desastre para o país se ele fosse eleito presidente."

Nada lhe dava tanto prazer no jornalismo quanto fazer os títulos das reportagens. Ele se diverte ao dizer que existem dois enunciados que gostaria de ter feito: "Papa pede paz para povo palestino" e "Brasileiras batem as checas".

Caversan saiu da Folha em 2004 e, atualmente, mora em um sítio próximo a São Roque, onde cria galinhas, tem dois gatos e dois cachorros.

Ainda é requisitado para dar consultorias para empresas, procura se manter bem informado, mas parou de ler jornais cotidianamente. "A imprensa tinha uma comunicação consolidada com valores e técnica. Com a internet, a mídia tradicional foi contaminada pela superficialidade, pela ligeireza e pela falta de qualidade da mídia digital. Por isso, não leio mais jornais, mas sinto falta da Redação, do fechamento porque jornalismo é um vício."

LUIZ CARLOS CAVERSAN, 65

Nascido em São Paulo, o jornalista começou a trabalhar em 1983 na Folha, onde permaneceu por 21 anos. Sob a liderança de Otavio Frias Filho, Caversan foi um dos responsáveis pela implantação do Projeto Folha, que revolucionou o jornalismo brasileiro na década de 1980. Atuou como editor de cadernos como Educação e Ciência, Ilustrada, Esporte e Suplementos, e dirigiu a sucursal do jornal no Rio. Também foi colunista.

Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.

Humanos da Folha

Conheça a história de profissionais que trabalharam no jornal

  1. Com 50 anos de carreira, Passarelli ganhou Prêmio Esso de Fotografia inédito para a Folha

  2. Fotógrafo se consagrou com imagem das Diretas-Já que foi capa da Folha

  3. 'Era elogiada por fotografar igual a homem', lembra Renata Falzoni

  4. Entre patos e formigas, obra de Ciça compõe fábula política do Brasil

  5. Fotógrafo da Folha se consagrou com imagem histórica do general Costa e Silva

  6. Morre o jornalista Celso Pinto, criador do jornal Valor Econômico, aos 67 anos

  7. Fotógrafo da Folha escondeu filme para retratar sessão de eletrochoque em manicômio

  8. Morto há uma década, Glauco unia humor ácido e carinho por personagens

  9. Editora da Ilustrada fez caderno 'da cultura e da frescura' nos anos 70

  10. História de êxito de Mauricio de Sousa começou como repórter policial na Folha

  11. Clóvis Rossi estaria indignado com a realidade brasileira, diz filha

  12. Me viam como 'patricinha', diz Joyce Pascowitch, que inovou o jeito de fazer coluna social nos anos 80

  13. Elvira Lobato revelou poço para teste de bomba atômica e império da Igreja Universal

  14. Fortuna se consagrou como 'o cartunista dos cartunistas'

  15. Com estrela de xerife, Caversan ocupou diversos cargos de edição na Folha

  16. Erika Palomino inovou na cobertura da noite paulistana

  17. Niels Andreas fotografou massacre do Carandiru e 50 anos de Israel

  18. Natali foi correspondente em Paris e uniu música e trabalho

  19. Dona Vicentina trabalhou como secretária na Folha durante mais de 5 décadas

  20. Fotógrafo se destacou nas coberturas do massacre de ianomâmis e da prisão de PC Farias

  21. Cláudio Abramo ajudou a renovar Folha nos anos turbulentos da ditadura

  22. Ilustrações de Mariza levaram o horror do cotidiano para as páginas do jornal

  23. Irreverente, Tarso de Castro criou o histórico Folhetim nos anos 1970

  24. Veemência das charges de Belmonte irritou até o regime nazista

  25. Boris assumiu Folha na fase mais tensa e conduziu travessia do jornal para o pós-ditadura

  26. Engenheiro ajudou Folha a se modernizar e atravessar transições tecnológicas

  27. Lenora de Barros promoveu renovação gráfica na Folha nos anos 1980

  28. Antônio Gaudério colecionou prêmios com fotos voltadas às questões sociais

  29. Bell Kranz levou temas considerados tabus para a Folhinha e o Folhateen

  30. Com poucos recursos, Olival Costa fundou Folha da Noite em 1921

  31. Sarcástico e culto, Bonalume cobriu ciência e conflitos pelo mundo por mais de 30 anos

  32. Coletti foi 'carrapato' de Jânio e teve prova de fogo na cobertura da visita de De Gaulle

  33. Apaixonado por cinema, seu Issa foi um precursor dos anúncios de filme no jornal

  34. João Bittar foi o editor que ajudou a levar fotógrafos da Folha para o mundo digital

  35. Pacato, Lourenço Diaféria publicou crônica que gerou crise com militares

  36. Moacyr Scliar fantasiava realidade em crônicas inspiradas em notícias da Folha

  37. Pioneiro na divulgação científica, José Reis incentivou presença de pesquisadores na mídia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.