Maradona estreou nas páginas da Folha às vésperas da Copa de 1978, da qual foi cortado

Técnico Menotti optou por excluir o jovem de 17 anos de lista final do Mundial na Argentina; craque fez 60 anos em outubro e morreu nesta quarta (25)

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São Paulo

A seção “Primeira Vez” recupera a primeira aparição de personagens e temas nas páginas do jornal e faz parte do Folha, 100, projeto responsável pelos eventos e publicações no centenário, a ser comemorado em 19 de fevereiro de 1921.

No mês de outubro de 2020, o homenageado foi o argentino Diego Armando Maradona, um dos maiores jogadores de todos os tempos. Em 30 de outubro, ele completou 60 anos.

Nesta quarta-feira (25), menos de um mês depois de seu aniversário, Maradona faleceu. Segundo o jornal Clarín, ele teve uma parada cardiorrespiratória em casa, em Tigre, na região de Buenos Aires, onde estava desde que passou por um procedimento cirúrgico na cabeça em setembro.

Curiosamente, os 60 anos de Maradona aconteceu uma semana após os 80 anos de Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, que também ganhou um texto no Primeira Vez.

Maradona chegou a ser apontado como sucessor do trono de Pelé, e os dois alimentaram mais rivalidade do que amizade nesses mais de 40 anos em que coexistem. Afinal, quem foi melhor? A resposta depende da sua nacionalidade. Na Argentina, antes de sua morte, Maradona ainda era tão idolatrado aos 60 quanto aos 30. A idolatria deve continuar após sua morte. No Brasil, Pelé, como jogador, é uma rara unanimidade em um país tão dividido.

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A carreira brilhante de El Pibe de Oro começou em 1976, no Argentinos Juniors, quando tinha apenas 15 anos. Em 1981, transferiu-se para o Boca Juniors, onde virou ídolo. Em 1982, trocou de clube de novo, agora para defender o Barcelona, na Espanha.

Fez história, no entanto, no italiano Napoli, onde disputou 259 jogos de 1984 a 1991, marcou 115 gols e até hoje é aclamado como Deus em Nápoles.

Pela seleção argentina, anotou 34 gols e ganhou a Copa do Mundo do México, em 1986. A história, no entanto, poderia ter sido diferente, como mostra a primeira vez em que o nome de Maradona apareceu na Folha.

Em 10 de maio de 1978, a Copa do Mundo na Argentina, de 1º a 25 de junho, já batia à porta. Na página 36 daquele dia, uma pequena nota na seção Daqui e Dali trazia a seguinte informação:

“As 16 seleções que disputarão a Copa do Mundo na Argentina já mandaram para a Fifa as relações dos 40 jogadores, que dia 24 serão reduzidos para 22. E ontem o Ente Autárquico Mundial (EAM), em Buenos Aires, divulgou estes dados: o jogador mais novo entre todos os inscritos é o argentino Diego Maradona, de 17 anos. O mais velho é o goleiro italiano Enrico Albertosi, de 37. A seleção de média de idade mais alta é a do México: 26,55 por jogador. A média mais baixa é do Irã: 24,22”.

Primeira vez de Maradona nas páginas da Folha
Primeira vez que Maradona apareceu nas páginas da Folha - Reprodução

Maradona, porém, acabou cortado daquela lista pelo treinador argentino César Luis Menotti. "Errei ao não levá-lo, mas depois fomos campeões e ninguém disse nada", admitiu o técnico quase 40 anos depois, em 2017.

Apesar de ter apenas 17 anos no Mundial 1978, ele já era considerado por muitos o grande jogador de seu país. O corte impediu que ele repetisse o feito de Pelé, que levantou o primeiro título com a mesma idade, em 1958, na Suécia.

A Copa de 1978 é uma das mais polêmicas de todos os tempos. Os donos da casa precisavam bater o Peru por quatro gols de diferença para ir à final da Copa, caso contrário o Brasil avançaria. Os argentinos golearam por 6 a 0 em um jogo cercado de suspeitas, uma vez que os peruanos tiveram um desempenho apático para uma seleção que havia se classificado em primeiro lugar de sua chave.

Dieguito virar um sexagenário é uma prova da resistência do corpo humano. Sua vida de atleta foi regada a álcool, cigarro, comida e, o mais prejudicial de todos, cocaína, que lhe rendeu alguns escândalos por doping, anos fora do gramado e a proximidade com a morte.

A frase “Maradona estaria em coma por causa de uma overdose de cocaína” apareceu na Folha algumas vezes, como nas internações de 2000 e 2004, quando já estava aposentado dos gramados.

Maradona sabe que sua carreira poderia ter sido mais fenomenal. “Imagina que jogador eu teria sido se não fosse a cocaína? Que jogador perdemos! Fico amargurado. Queria ter sido muito mais que sou. Nasci no futebol, sabia quem me tornaria, não sabia que teria a cocaína”, diz no documentário “Maradona”, de 2008, do sérvio Emir Kusturica, fã declarado do argentino.

Ele se arrepende de não ter convivido mais com suas filhas, Dalma e Giovanna, quando elas eram jovens. “Como pude ser tão imbecil em perder isso? Porque não se pode voltar atrás”, afirma, ao lembrar que cheirava cocaína nos aniversários das meninas e depois não se recordava mais do que acontecia.

A intensidade não esteve presente só na relação com as drogas, mas permeia toda a sua vida.

Em campo, Maradona arrancava com fúria e driblava muitos adversários com poucos toques. A síntese dessa onipresença em campo é seu segundo gol contra a Inglaterra, pelas quartas de final da Copa de 1986, em que driblou meio time rival.

Já o primeiro gol de Maradona naquele jogo, de mão, resume suas polêmicas. “Se houve mão na bola, foi a mão de Deus”, afirmou ao final da partida. “La mano de Diós” virou uma referência no futebol e uma espécie de marco fundador da Igreja Maradoniana –sim, isso existe e é encarado como religião.

Com um gol ilegal e outro genial, a Argentina venceu a Inglaterra por 2 a 1 e terminou campeã do mundo naquele ano. Para Maradona, o jogo das quartas, porém, não teve apenas o lado esportivo. Ele encarou o duelo como uma revanche pela Guerra das Malvinas, conflito armado entre os dois países em 1982 que matou mais de 600 argentinos.

A guerra o marcou para sempre. “Um dia quiseram me apresentar ao príncipe Charles. Ele queria me conhecer. Eu não queria conhecer ele. Jamais apertaria a mão depois de tanto sangue”, disse.

A Copa do Mundo nos Estados Unidos, em 1994, foi a última do jogador argentino. Ele foi pego no doping, o que desperta teorias conspiratórias após 26 anos.

A veia política de Maradona não é menos intensa. Ele milita pela independência da América Latina contra o que chama de imperialismo ianque. No governo de George W. Bush, vestia camisas associando-o ao nazismo.

Foi próximo ou mesmo amigo de líderes populistas latino-americanos de esquerda, como Fidel Castro (possui uma tatuagem em sua homenagem na perna esquerda) e Hugo Chávez. Também tatuou no braço direito a imagem do revolucionário Che Guevara.

A falibilidade de Maradona, acompanhada pelo mundo todo nas últimas décadas, torna o personagem ainda mais cativante. Sua autenticidade e seu carisma inspiram idolatria por onde passa. Vida longa ao agora sessentão Maradona.

Que a Folha, em 2040, com quase 120 anos, possa noticiar os 100 anos de Pelé e os 80 do argentino.

Este texto faz parte da série Primeira Vez, que mostra quando temas e personagens estrearam nas páginas do jornal.

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