Descrição de chapéu Humanos da Folha

Boris assumiu Folha na fase mais tensa e conduziu travessia do jornal para o pós-ditadura

Em 1977, jornalista tornou-se editor-responsável, cargo no qual ficou até 1984

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Nos 100 anos da Folha, o 57º​ foi provavelmente o mais tenso.

Em 1977, em meio a uma turbulência que ameaçava a continuidade do jornal, Boris Casoy assumiu o comando da Redação com a missão de fazer o que ele chama de travessia até o porto seguro do pós-ditadura.

retrato em preto e branco de boris casoy falando ao telefone
O jornalista Boris Casoy na Redação da Folha na década de 1980 - Bettina Musatti/Folhapress

O contexto é conhecido. Em 15 de setembro daquele ano, o colunista Lourenço Diaferia foi preso após publicar uma texto em que comparava o Duque de Caxias a um sargento que havia morrido ao pular em um poço de ariranhas, no zoológico de Brasília, para salvar um garoto.

“Eu digo, com todas as letras, prefiro esse sargento herói ao Duque de Caxias”, escreveu no artigo, que os militares consideraram provocativo. Em protesto contra sua prisão, a Folha publicou em branco o espaço da coluna, o que só aumentou a fúria nas Forças Armadas.

Boris estava de férias quando recebeu um telefonema de Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), publisher do jornal. “Eu estava me chafurdando na lama de Araxá (MG). Toca o telefone umas 15h, era o seu Frias. ‘Olha, eu queria que você voltasse porque eu tenho que conversar umas coisas, mas tem que ser pessoalmente’”, relembra Boris.

Resignado em interromper o descanso, ele disse que pegaria um carro no dia seguinte cedinho, mas Frias afirmou que mandaria um avião buscá-lo. “Aí eu vi que era importante”, recorda.

Boris só veio a saber o motivo da convocação urgente na noite daquele dia, quando entrou na sala do chefe e logo ouviu que precisaria assumir o jornal. Havia o risco real de um ato de força da ditadura, como suspensão da circulação ou até fechamento.

Na época, ele editava a coluna política Painel, período que relembra como um dos mais felizes de sua carreira. No comando da Redação, estava Claudio Abramo, a quem Boris substituiria.

“O Claudio não era ligado a nenhum partido ou movimento opositor, pelo que eu sei, mas era claramente um homem de esquerda. E eu nunca fui de esquerda, disseram até que eu fui do CCC [Comando de Caça aos Comunistas], o que é mentira. Naquele momento o seu Frias talvez tenha entendido que era conveniente ter alguém como eu no comando”, afirma.

Boris havia entrado na Folha em 1974. Conheceu Frias quando era assessor de imprensa de Figueiredo Ferraz, prefeito de São Paulo nomeado pela ditadura. “Um dia ele me disse: eu gosto de você, você não é um ‘yes man’ [pessoa subserviente]. Porque eu tive que contrariá-lo algumas vezes quando estava na prefeitura”, diz.

Entrou direto como editor de política e, três meses depois, virou editor-chefe, abaixo de Abramo. Mas, sem experiência de Redação, pediu demissão em 1976, apenas para retornar no ano seguinte, desta vez como editor do Painel.

Menos de um ano depois de ter substituído Abramo, Boris passou pelo que considera ter sido seu maior teste. Em abril de 1978, os jornalistas Getulio Bittencourt e Haroldo Cerqueira Lima fizeram entrevista com o general João Figueiredo, que assumiria a Presidência no ano seguinte.

Boris, com bom trânsito com Figueiredo, havia ajudado a intermediar o encontro, que, no entanto, não havia sido gravado, a pedido do próprio entrevistado. Não estava claro nem se o general considerava aquilo uma entrevista, ou uma conversa informal.

Com memória prodigiosa, Bittencourt reconstituiu o diálogo, redigiu a entrevista e mandou a batata quente para Boris decidir se publicaria.

“Eu me tranquei na minha sala com os textos, li e reli, decidir publicar. A entrevista era grande, saiu em dois dias, e deu um upgrade no jornal. O Frias e o Claudio [Abramo] depois me disseram que não teriam publicado, mas que a decisão era minha porque era meu nome no alto da primeira página”.

À medida em que foi ficando confortável na cadeira de editor-responsável (nome de seu cargo), Boris foi implementando mudanças. Uma de suas inovações foi criar uma bancada de telefones na Redação. “Os repórteres não tinham o costume de usar o telefone, mas eu usava muito. Me apelidaram de Boris Graham Bell”, diz, em referência ao inventor do aparelho.

Também havia resistência ao uso de gravador. “Era considerado uma coisa acintosa. Diziam que automatizava o jornalismo. É como o pessoal que hoje se recusa a tomar a vacina”.

Completar a travessia do jornal para a fase final do regime militar incluiu a decisão de engajar a Folha na campanha pelas Diretas-Já. Como tudo naquele período, não foi uma atitude livre de riscos. “Levantar a bandeira das Diretas, do ponto de vista de um jornal que queria sobreviver, era quase uma heresia, era para ir para a fogueira”, diz.

Foram incontáveis as reuniões com seu Frias e Otavio Frias Filho (1957-2018), que se preparava para assumir o comando da Redação. “A gente tinha sensores na sociedade, procurávamos auscultar o que ocorria. As pessoas achavam que o país precisava se democratizar. Havia um desejo coletivo, uma fervura de busca de democracia. Concluímos então que era o momento estratégico de liderar uma campanha por Diretas”.

Pouco depois, em 1984, Boris sentiu que seu papel na travessia estava completo. Retornou ao Painel, onde ficou até 1987, quando recebeu o convite para se reinventar como âncora de um telejornal no SBT.

Aceitou antes de falar com o dono do jornal. “Eu não consultei o Frias porque eu sabia que se consultasse eu não ia conseguir sair. Ele ia me dobrar. Mas eu queria o desafio”, diz. Na TV, virou uma celebridade, com seu bordão “Isto é uma vergonha!”.

Mas manteve o contato com o jornal e o antigo chefe. “Eu tinha uma relação de pai e filho com ele [seu Frias], a gente se abraçava, se beijava”, diz.

Aos 79 anos, Boris agora se dedica a um novo canal no YouTube, um mundo ainda desconhecido, que ele considera fascinante e desafiador “A internet criou um grande ponto de interrogação. Hoje é muito difícil vislumbrar o horizonte para o jornalismo”, diz.

Nesta segunda (30), também vai estrear em um telejornal matutino na TV Gazeta, comentando as principais notícias do dia.

Com a experiência de quem teve de lidar diariamente com generais durante a ditadura, ele afirma que chama a atenção a “estridência” do militar que hoje ocupa o Palácio do Planalto. “Naquela época, as coisas se passavam em silêncio. Os militares trabalhavam com estratégia e tática, explosões eram raras. Eram mais previsíveis”, lembra.

Boris Casoy

Nascido em São Paulo em 1941, começou a trabalhar em 1974 na Folha, onde atuou como editor do caderno de política e da coluna Painel, e editor-chefe. Em 1977, tornou-se editor-responsável do jornal, substituindo Claudio Abramo, e permaneceu nessa função até 1984. Boris deixou a Folha em 1987 para assumir o trabalho de âncora no SBT. Aos 79 anos, vai estrear telejornal nesta segunda (30) na TV Gazeta.

Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal. ​​

Humanos da Folha

Conheça a história de profissionais que trabalharam no jornal

  1. Com 50 anos de carreira, Passarelli ganhou Prêmio Esso de Fotografia inédito para a Folha

  2. Fotógrafo se consagrou com imagem das Diretas-Já que foi capa da Folha

  3. 'Era elogiada por fotografar igual a homem', lembra Renata Falzoni

  4. Entre patos e formigas, obra de Ciça compõe fábula política do Brasil

  5. Fotógrafo da Folha se consagrou com imagem histórica do general Costa e Silva

  6. Morre o jornalista Celso Pinto, criador do jornal Valor Econômico, aos 67 anos

  7. Fotógrafo da Folha escondeu filme para retratar sessão de eletrochoque em manicômio

  8. Morto há uma década, Glauco unia humor ácido e carinho por personagens

  9. Editora da Ilustrada fez caderno 'da cultura e da frescura' nos anos 70

  10. História de êxito de Mauricio de Sousa começou como repórter policial na Folha

  11. Clóvis Rossi estaria indignado com a realidade brasileira, diz filha

  12. Me viam como 'patricinha', diz Joyce Pascowitch, que inovou o jeito de fazer coluna social nos anos 80

  13. Elvira Lobato revelou poço para teste de bomba atômica e império da Igreja Universal

  14. Fortuna se consagrou como 'o cartunista dos cartunistas'

  15. Com estrela de xerife, Caversan ocupou diversos cargos de edição na Folha

  16. Erika Palomino inovou na cobertura da noite paulistana

  17. Niels Andreas fotografou massacre do Carandiru e 50 anos de Israel

  18. Natali foi correspondente em Paris e uniu música e trabalho

  19. Dona Vicentina trabalhou como secretária na Folha durante mais de 5 décadas

  20. Fotógrafo se destacou nas coberturas do massacre de ianomâmis e da prisão de PC Farias

  21. Cláudio Abramo ajudou a renovar Folha nos anos turbulentos da ditadura

  22. Ilustrações de Mariza levaram o horror do cotidiano para as páginas do jornal

  23. Irreverente, Tarso de Castro criou o histórico Folhetim nos anos 1970

  24. Veemência das charges de Belmonte irritou até o regime nazista

  25. Boris assumiu Folha na fase mais tensa e conduziu travessia do jornal para o pós-ditadura

  26. Engenheiro ajudou Folha a se modernizar e atravessar transições tecnológicas

  27. Lenora de Barros promoveu renovação gráfica na Folha nos anos 1980

  28. Antônio Gaudério colecionou prêmios com fotos voltadas às questões sociais

  29. Bell Kranz levou temas considerados tabus para a Folhinha e o Folhateen

  30. Com poucos recursos, Olival Costa fundou Folha da Noite em 1921

  31. Sarcástico e culto, Bonalume cobriu ciência e conflitos pelo mundo por mais de 30 anos

  32. Coletti foi 'carrapato' de Jânio e teve prova de fogo na cobertura da visita de De Gaulle

  33. Apaixonado por cinema, seu Issa foi um precursor dos anúncios de filme no jornal

  34. João Bittar foi o editor que ajudou a levar fotógrafos da Folha para o mundo digital

  35. Pacato, Lourenço Diaféria publicou crônica que gerou crise com militares

  36. Moacyr Scliar fantasiava realidade em crônicas inspiradas em notícias da Folha

  37. Pioneiro na divulgação científica, José Reis incentivou presença de pesquisadores na mídia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.