Chargistas escolhem seus trabalhos prediletos feitos para a Folha

Equipe que ocupa espaço diário na página 2 elege o momento de crise como tema principal

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São Paulo

A Folha da Noite, publicação precursora da Folha, veiculou uma charge em suas páginas pela primeira vez
no dia 8 de julho de 1921. De autor desconhecido, tratava-se da caricatura de um jornalista que fazia aniversário no dia.

Agora centenária, a Folha ocupa lugar de destaque na história do humor gráfico brasileiro. Além de revelar nomes hoje consagrados, suas charges incomodaram muito, demonstrando a força que a ilustração pode ter.

Caso exemplar é Belmonte, funcionário de primeira hora do jornal. Em 1945, o ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, criticou desenhos feitos por ele e afirmou que certamente fora pago por americanos e ingleses para ridicularizar Hitler.

Com esse e outros tantos episódios, a Folha passou a ser uma inspiração para ilustradores. “Ela foi a minha escola de desenho. Desde sempre eu desenhava pensando em publicar na Folha”, afirma Benett, que mostra seus desenhos nas páginas do jornal desde 2007. Entre suas influências, cita nomes do passado e do presente do jornal: “Angeli, Glauco, Spacca… e Laerte, que continua sendo incrível”, diz ele.

Para homenagear os chargistas que colaboraram com o veículo, a atual equipe foi convidada a selecionar os trabalhos preferidos de sua autoria.

Mesmo os veteranos escolheram obras recentes —a mais antiga é de abril de 2019.

Para João Montanaro, isso tem relação com a condição efêmera da charge. “Como muito conteúdo do jornal, por mais que fique para o arquivo e para a história, no dia seguinte ninguém mais lembra. E tudo bem”, afirma.

Triscila Oliveira concorda. “A charge é um piscar de olhos, algo para consumo instantâneo. Acredito que é isso que está por trás do processo de decisão.”

Há também quem veja influência do momento político. “O que acontece agora no Brasil é uma tragédia e talvez seja esse sentido de urgência que esteja motivando essas escolhas. Há compreensão de que estamos vivendo algo muito sério, e a produção dos chargistas da Folha é muito boa. Nesse período, belos trabalhos apareceram”, avalia Laerte.

Alexandra Moraes

Charge de Alexandra Moraes. Com um traço de desenhos feitos no Paint, mostra dois pintinhos, um grande e um pequeno. O grande veste uma faixa presidencial e tem cabelos brancos. Ele está sentado à mesa e fala com o pequeno, que é um garçom— usa uma gravata e conduz um carrinho de serviço de comida. O grande diz: "traz outro ministro aí, eu não gostei desse último". O pequeno responde: "temos negacionista ao molho de fake news e puxa-saco à l'ancienne no caldo de cloroquina. qual vai ser, excelência?".
Charge publicada em 16 de maio de 2020 - Folhapress

Qualquer uma da pandemia teria mais impacto para mim porque tem sido um período desafiador, no sentido do estresse e do desespero mesmo, tanto na quantidade de eventos quanto no nível de absurdo a que temos sido expostos.

No meio de uma crise sem precedentes, o governo buscava um titular que bancasse o negacionismo diante de um número crescente de mortes pela Covid. Para piorar, começaria uma série de baixas ministeriais e acabaríamos sem ministro da Saúde, sem ministro da Educação e sem secretário de Cultura. Tudo num processo em que não bastava a fritura, era uma elaboração arrastada por semanas.

E talvez essa tenha mais apelo também porque confesso que presto atenção a qualquer coisa que tenha esses nomes de pratos elaborados, muitas vezes infames.

A chargista Alexandra Moraes em foto tirada na Redação da Folha. Ela tem olhos castanhos e cabelos pretos que vão até seus ombros. Tem pele clara e usa óculos com armação castanha. Ela veste uma blusa verde-escura e um casaco preto. Ela aparece à frente de uma janela e à sua esquerda é possível ver uma das divisórias que separam os ambientes de trabalho na Folha.
A jornalista e chargista Alexandra Moraes - Zanone Fraissat/Folhapress

Benett

A charge de Benett, com o título "Mercados" escrito acima, mostra um homem que olha para um gráfico em uma tela. As curvas do gráfico são em cores verde e amarela e se cruzam formando uma suástica nazista. O eixo que vai decrescendo é o eixo da democracia; o eixo que vai crescendo é o eixo da economia. O homem que olha este gráfico tem uma pasta nos braços e diz: "U-hú. Os indicadores estão ótimos".
Charge publicada em 20 de janeiro de 2020 - Folhapress

Algumas pessoas justificaram ajudar a eleger alguém como Bolsonaro por causa do crescimento econômico, porque ele iria fazer a economia deslanchar, essa coisa de “eu votei no [Paulo] Guedes e não no Bolsonaro”. O que é uma balela, porque os dois são unha e carne. É uma maneira de dizer que esses caras que financiaram a candidatura do Bolsonaro estão se lixando para a democracia. Para eles não importam direitos humanos, meio ambiente, liberdade de expressão… o que importa é manter-se ganhando dinheiro.

Na foto, vê-se o chargista Benett. Ele aparece à frente de uma janela iluminada. Está em um quarto no qual há um quadro com gatos coloridos na parede e uma boneca com cartola e cabelos rosas no canto da sala. Benett tem cabelos pretos e curtos, olhos castanhos, barba feita. Veste uma camiseta preta de mangas curtas e apoia a cabeça sobre o braço esquerdo, no qual usa pulseiras de tecido.
Benett, chargista da Folha - Arquivo pessoal

Claudio Mor

A charge de Claudio Mor mostra dois homens de terno azul claro socorrendo um homem. O homem sendo socorrido está desacordado sobre uma maca. Ele é gordo e veste um terno verde, com gravata amarela e cartola. Seus bolsos estão cheios de dinheiro e suas roupas têm cifrões estampados. Ele está sendo levado para uma ambulância, na qual estão escritas as primeiras letras da palavra "economia". Uma multidão observa o resgate. Essa multidão está coberta de representações do vírus da Covid-19. Um dos civis pergunta aos socorristas: "E a gente?!". Um dos socorristas responde: "Temos um bem maior que a própria vida para salvar...".
Charge publicada em 8 de maio de 2020 - Folhapress

Essa charge resume o meu trabalho e é sobre um tema ainda pertinente. Ela tem um traço simples, quase infantil, e é bem colorida, mas, em contrapartida, tem uma crítica pesada. Continua sendo atual por causa dessa postura do governo de ainda ressaltar que é preciso salvar a econom ia e danem-se as pessoas.

O chargista Claudio Mor - Adriano Vizoni/Folhapress

Jaguar

A charge de Jaguar recebe o título de "A Segunda Morte de Adolf Hitler". Ela mostra um inferno em chamas, reconhecido pela placa que diz "Quintos do Inferno". Lá, um diabo amarelado, com chifres, olhos vermelhos, dentes afiados e asas diz "ele enfartou quando o Bolsonaro revelou que os Nazistas eram de esquerda". Ele se refere a uma representação de Adolf Hitler, que aparece morto em um altar ao lado.
Charge publicada em 5 de abril de 2019 - Folhapress

Eu escolhi essa charge para relembrar a incontinência verbal do cara que acumula as funções de presidente da República e bobo da corte. É uma porrada boa, né? Acho importante recordar de quando o Bolsonaro disse que o nazismo era de esquerda. Essa afirmação é gravíssima.

O chargista jaguar aparece sorrindo à frente de uma estante de bebidas. Ele é idoso, veste uma boina, tem cavanhaque e bigode fechados e cabelos brancos.
Chargista Jaguar, que colabora com a página 2 desde 2017 - Arquivo Pessoal

Jean Galvão

Sob um fundo violeta claro, há quatro figuras. À esquerda, um homem de máscara contra a Covid-19 é vacinado por uma enfermeira. Ele observa, do outro lado da imagem, um homem que lhe mostra a língua, identificado por como alguém "anti-vacina". Ele se dirige à morte, uma caveira que veste robe preto e tem uma foice.
Charge publicada em 25 de outubro de 2020 - Folhapress

Esse movimento antivacina já estava rolando antes da pandemia. Crianças estão ficando doentes porque não foram vacinadas para algumas doenças que haviam desaparecido… Então, eu vejo essa charge até como uma escolha entre viver e morrer. Acho ela bem forte por causa disso, e porque é algo que vai perdurar. Mesmo vindo a vacina, ainda tem esse negacionismo.

Eu gosto também porque ela mostra uma realidade não só daqui, mas de fora. E ela não depende de um diálogo; até se tirar aquele textinho já dá para entender.

O chargista Jean Galvão em foto em preto e branco. Ele tem cabelo preto, que o usa em um leve topete. Tem uma barba por fazer e sorri. Sua pele é clara. Ele veste uma camiseta preta.
Jean Galvão, chargista da Folha - Arquivi Pessoal

João Montanaro

Dois policiais conversam. Um deles aparece calado. O outro carrega um cassetete ensanguentado e arrasta o corpo de um jovem negro. Este policial diz: "a carne vermelha tá cara, mas ela nunca foi a minha favorita".
Charge publicada em 9 de dezembro de 2019 - Folhapress

Essa charge deu início a coisas que eu não imaginei que o desenho poderia propiciar. Ela me fez colocar meu trabalho em perspectiva. Não de olhar e pensar o quão importante e o quanto de barulho ele pode fazer, mas, sim, de que ele pode ser muito sensível e causar algo. Então, é muito importante que eu tenha certeza do que eu estou fazendo na hora que desenho bonequinhos narigudos.

O chargista João Montanaro. Ele é jovem, tem olhos castanhos e cabelo cacheado a cobrir parte da testa. Tem pele clara e veste um agasalho bege.
João Montanaro, que publica trabalhos na página 2 da Folha - Adriano Vizoni/Folhapress

Laerte

A charge de Laerte mostra pessoas trabalhando para retirar uma grande mancha de óleo das areias e águas de uma praia. A mancha tem forma do presidente Jair Bolsonaro.
Charge publicada em 22 de outubro de 2019 - Laerte

Acho que ela combina várias qualidades que considero positivas numa charge, que procuro sempre de alguma forma contemplar, mas nem sempre consigo. Ela se conecta com os fatos do dia, da época,
com o que está acontecendo
, costura política também e tem uma realização plasticamente interessante. Não gosto que a charge exprima uma coisa unívoca, que seja muito literal ou muito óbvia. Eu gosto que vários conteúdos e significados se combinem. No caso dessa charge, acho que isso aconteceu e eu fiquei bem satisfeita.

Laerte Coutinho, chargista da Folha. Ela tem pele clara, cabelos louros, usa óculos marrons e batom. Veste uma roupa amarela florida e usa brincos e colar combinando, com pedras azuis claras.
Laerte Coutinho, que publica na página A2 da Folha desde 2014 - Adriano Vizoni/Folhapress

Leandro e Triscila

Charge de Leandro e Triscila mostra quatro figuras, sob o título de "Nós somos os cidadãos de bem!". Da esquerda para a direita, vê-se uma mulher loura com roupa verde; um homem gordo com camiseta azul, cabelo preto escuro e barba por fazer; um homem de meia idade de cabelo castanho, que veste um cachecol verde, uma camisa e um casaco bege; e uma mulher de cabelos pretos longos, blusa amarela e casaco bege. Todos são brancos. Da esquerda para a direita, as frases que dizem são: "Mulher de biquíni no Leblon!? Se beijando?! Se eu tava lá, quebrava era as garrafas na cabeça delas! De vidro! Tem que dar bom exemplo pras crianças!"; "Esses entregador tem inveja de nós, porque nós é branco. Nós vem da Europa! Eles vem da onde? Da quebrada! Achei certo o gordinho lá! Só faltou descer a mão no moleque."; "O garçonzinho não quis atender o cara porque tava na gora do restaurante fechar!? O cara é médico, rico, tem berço! Não é ralé! A regra não é pra ele!"; "Ué! Quem tem diploma não é melhor que o resto!? Quer comparar engenheiro civil com gari? Com fiscal da prefeitura? O povo esqueceu quem manda nesse país?".
Charge publicada em 30 de setembro de 2020 - Folhapress

Leandro
Tudo que eu faço com quadrinhos começou por causa disso, porque eu queria falar de bolsominions, falar dos ditos “cidadãos de bem”, dos negacionistas, do pessoal que compartilha fake news e que acredita em teorias da conspiração... Então acho que essa é uma das charges que melhor resumem o que quero expressar com meu trabalho.

Leandro Assis. Ele tem cabelo preto curto, olhos castanhos, barba rala. Veste uma camiseta preta e aparece à frente de uma parede branca. Tem expressão séria.
Leandro Assis, que faz dupla com a Triscila Oliveira em charges na A2 - Arquivo pessoal

Triscila
Essa charge dialoga diretamente com a hipocrisia do Brasil e com todos os mitos que a gente pode lembrar, como o da meritocracia, o da democracia racial. Ela mostra a hipocrisia dessa classe média pseudoburguesa, que está sempre negando que existem problemas no Brasil simplesmente porque ela não se sente afetada. Aliás, muito pelo contrário, eles se beneficiam desses problemas.

Triscila Oliveira. Ela usa óculos quadrados com armação azul escuro, batom vermelho, tem pele negra e olhos escuros. Usa tranças no cabeço. Ela veste uma camiseta branca e aparece segurando o óculos com a mão esquerda. Aparece à frente de uma parede verde.
Triscila Oliveira, colega de Leandro Assis nas charges da página A2 - Arquivo pessoal

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