Descrição de chapéu
Folha, 100 Cartas para o futuro

Em dez anos, nenhum cardápio será o mesmo

Em 2031, talvez tenhamos pratos feitos na impressora 3D, novas versões de alimentos plant-based e até espetinho de inseto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marília Miragaia

Escreve sobre gastronomia desde 2008. Já trabalhou na Revista da Folha, no Guia Folha e no caderno Comida.

Este texto faz parte da série Cartas para o Futuro, em que colunistas, repórteres e editores da Folha imaginam os cenários das suas respectivas áreas de atuação em 2031.

Que atire a primeira pedra quem, na última década, não tenha provado um brigadeiro gourmet ou uma paleta mexicana, ido ao food truck, pedido um moscow mule ou escolhido um avocado toast para o café da manhã. Algumas das coisas que comemos nos anos que se passaram pouco ajudam a entender onde estamos ou o que vem pela frente. Já diria Nina Horta (1939-2019), colunista desta Folha, em 2012: “A gente sabe que comida tem moda, repete isso, mas não realiza completamente a diferença que existe de década para década”.

Os brasileiros não são de se agarrar numa moda só, diria Nina. Mas algumas dessas modas vieram para ser mais do que uma fixação com data para acabar.

Há dez anos, caso você não fosse morador dos Jardins ou do Itaim Bibi, era raro encontrar em sua região de domicílio, em São Paulo, uma cervejaria artesanal, uma cafeteria com grãos brasileiros e um restaurante que contasse a história de seus produtores. Quem quisesse se dar ao luxo, que pegasse um táxi (Uber, só a partir de 2014 e olhe lá).

Pão de fermentação natural, vinho natural, queijos e meles brasileiros —tudo isso aconteceu, em escala, na última década.

Terá razão o leitor que observar que por trás de cada menção à comida artesanal, local e brasileira exista (ao menos) um cliente hipster, que ostenta o jargão do meio (o vinho está “bouchonné”?) ou que passe horas enlaçando o garçom com questionamentos sobre o prato recebido (quem nunca?).

Desenho de pedaço de bolo com inseto em cima
Catarina Pignato

Dos últimos dez anos para cá, porém, não é mais privilégio do consumidor hipster saber que nossas escolhas à mesa movimentam grandes cadeias. Atentos à demanda do consumidor, pequenas e gigantescas marcas começaram a oferecer alternativas a carne e derivados de animais —a californiana Impossible Foods, por exemplo, teve Bill Gates entre os investidores.

A série documental “Rotten”, da Netflix, também se aprofundou no debate, investigando a produção de alimento —na segunda temporada, vemos como a febre por avocados alimenta cartéis e como a produção de chocolate se relaciona com o trabalho escravo e desmatamento.

Dos últimos dez anos para cá, porém, não é mais privilégio do consumidor hipster saber que nossas escolhas à mesa movimentam grandes cadeias

Marília Miragaia

Jornalista da Folha

Ao lado dos cantores Bruce Springsteen, Katy Perry e Bon Jovi, o chef e ativista José Andrés fez uma aparição no show online da posse do novo presidente americano, Joe Biden. Andrés, que comanda a ONG World Central Kitchen, escreveu cerca de um mês antes um texto publicado no jornal americano The New York Times cobrando um cargo governamental responsável por cuidar de políticas públicas de alimentação.

A crise da Covid-19, segundo a publicação, expôs falhas antes visíveis a especialistas e a consequência, agora observada por todos, foram restaurantes falindo e produtores que tiveram que queimar colheitas e sacrificar animais enquanto pessoas passavam fome.

“Nos níveis mais altos do governo dos EUA —em termos de resposta a desastres, segurança nacional, política econômica, saúde pública e agricultura— nenhum funcionário está encarregado da política alimentar de uma forma abrangente”, diz o texto.

O que vamos comer em 2031? Pode ser um prato feito na impressora 3D (a Foodini já existe e está no mercado), novas versões de alimentos plant-based e, quem sabe, um espetinho de inseto.

Ou será que também teremos novos queijos, meles e embutidos brasileiros, circulando pelo país, caso a regulamentação do selo Arte, que traz regras tangíveis para pequenos produtores, consiga dar passos mais ágeis? O que vai dizer é nossa capacidade de canalizar demandas e avançar em políticas públicas da alimentação.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.