Nunca é tarde para se corrigir.
No dia em que completa seu centenário, a Folha corrige um erro escrito há 100 anos, na edição inaugural do jornal.
Ei-lo: Diferentemente do publicado em 19 de fevereiro de 1921, o nome do pintor francês com obras de “nyhmphas” no Museu do Louvre é William-Adolphe Bouguereau (1825-1905), não Bouguerean.
Bouguereau foi citado em um curioso texto na segunda das oito páginas da primeira edição da Folha da Noite, que se tornaria Folha de S.Paulo em 1960, com a junção das também irmãs Folha da Manhã e Folha da Tarde em um único jornal.
O texto, uma espécie de crônica da cidade, não é assinado e nem título tem. Descreve um escândalo que havia ocorrido dois dias antes, na tarde de 17 de fevereiro, uma quinta-feira.
“Ante-hontem à tarde, quando maior era o movimento no Triangulo, appareceram, na rua Quinze, duas mocinhas trajadas —como diremos?— trajadas como essas lindas nymphas que fizeram a gloria de Bouguerean [sic] e Corot e ainda podem ser apreciadas no Museu do Louvre”, começa o centenário escriba, mantida a grafia da época.
“Foi um escandalo, inexplicável escandalo, a presença de tão lindas quão desnudas moçoilas no centro da cidade: o povo cercou-as em grande algazarra, vaiou-as e teria seguramente, não diremos chegado às vias de ‘fato’, porque as ‘melindrosas’ estavam despidas ou quasi despidas, mas aggredido as moçoilas.”
O “Triangulo” citado no texto é o triângulo histórico do centro de São Paulo, delineado pelas ruas São Bento, Direita e Quinze de Novembro. Esta última era “a principal rua da cidade, a de mais comércio e animação. Para ela converge tudo quanto São Paulo tem de melhor”, nas palavras de um cronista de então.
Corot, claro, é outro pintor francês, Jean-Baptiste-Camille Corot (1796-1875). Quanto à vestimenta das melindrosas, não foi aventado pelo autor, mas é capaz que elas brincassem um Carnaval tardio, já que a festa daquele ano havia terminado na semana anterior.
A seguir, a crônica passa a criticar a hipocrisia dos “impertinentes” jornalistas da região, que desaprovaram o atrevimento das moçoilas, mas que “se babam de puro goso artístico diante de um belo nú a oleo ou de uma deslumbrante estatua de mulher despida e vão depois, lá pelos seus jornaes, aconselhar o povo a vêr a maravilha.”
“Ora, qual é a differença entre um nú dos chamados artisticos e um nú como o que apareceu ante-hontem na rua Quinze?”, pergunta o jornalista da Folha da Noite, num tortuoso raciocínio.
Aqui, outra curiosidade: os jornalistas aparecem porque, além de o triângulo histórico ser o centro bancário da cidade, a região também reunia os prédios de todo os grandes jornais de São Paulo, como o Correio Paulistano, Diário Popular e O Estado de S. Paulo.
Ao final, nosso cronista exime as melindrosas de malícia e atribui toda a culpa do escândalo a são Pedro: “Com o calor senegalesco destes ultimos dias, como desejariam que as mocinhas sahissem à rua? Vestidas com pelle de urso, como os esquimaus? Isso seria uma deshumanidade.”
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