Furo da demissão de Moro vence Grande Prêmio Folha 2020

Vencedores nas sete categorias refletem a força do jornalismo profissional em um ano caótico e marcado pela desinformação

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São Paulo

Não era fake news, era jornalismo”. Essa foi a resposta da Folha, nas redes sociais, a políticos e influenciadores que acusaram o jornal de mentir sobre a demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. A reportagem, um furo (jargão jornalístico para informação exclusiva) de Leandro Colon, diretor da sucursal da Folha de Brasília, é a vencedora do Grande Prêmio Folha de 2020.

“O júri valorizou um furo importante da Folha no seu centenário e também o papel fundamental do jornalismo profissional, tão atacado pelas milícias digitais nos últimos tempos”, afirma Colon.

O texto trouxe no título o roteiro resumido das movimentações: “Moro pede demissão após troca na PF, e Bolsonaro tenta reverter”.

A notícia foi a mais lida de 2020, com 5,5 milhões de acessos, e também a que teve o maior engajamento em sua página de comentários: mais de 550 comentários e mais de 40 mil acessos.

Colon conta que, diante da informação checada e rechecada com as fontes, ele acionou o editor de Poder, Eduardo Scolese, e ambos discutiram com a direção do jornal o enunciado da reportagem com a demissão contextualizada, publicada em poucos minutos, às 14h18 do dia 23 de abril.

Às 23h daquele dia, ele soube que a exoneração de Maurício Valeixo, então diretor-geral da Polícia Federal, seria publicada no Diário Oficial da União durante a madrugada —informação decisiva para o enredo.

Novamente, um texto rápido e adiantando os passos das autoridades: às 4h12 do dia 24 de abril, a Folha publicou “Bolsonaro exonera diretor da PF e empurra Moro para fora do governo; ministro fala às 11h”. Pela manhã, Moro concedeu a entrevista coletiva que confirmou toda a apuração de Colon.

Os ataques sofridos pelo jornal antes da confirmação da demissão são apenas um exemplo, dos vários disponíveis, para explicar os desafios do jornalismo em 2020. Um que ficou evidente com a pandemia do novo coronavírus: o perigo que faz a falta de informações precisas e de qualidade, e como não é trivial comunicá-las com eficiência.

Na categoria Reportagem, os premiados foram Leonardo Diegues, Flávia Faria, Diana Yukari, Fábio Takahashi e Luciana Coelho, pela série de reportagens que identificou as subnotificações de morte pela Covid-19.

Publicadas em maio, elas lançaram luz sobre a dificuldade de saber qual é o cenário, de fato, da pandemia. “Era uma obsessão nossa encontrar os dados mais precisos possíveis naquele momento”, diz Takahashi, editor do DeltaFolha, editoria focada em jornalismo de dados.

Diante do ambiente geral de desconfiança nas informações divulgadas, piorado pela ausência de testes suficientes, as reportagens mergulharam em bases de dados e descobriram suas limitações, leituras equivocadas feitas a partir delas e até sumiços repentinos de informações.

Para Takahashi, a premiação coroa um ano em que o DeltaFolha produziu mais e melhor. “Publicamos 70% a mais do que em 2019. Na situação de 2020, aumentando a produção e com tantas decisões tomadas em conjunto com outras editorias, poderia ter muita discordância, mas foi um processo suave”, conta.

Na categoria Edição, o prêmio foi para Luciana Coelho, Mariana Versolato, Jairo Marques, Paula Leite, Juliana Coissi e Beatriz Izumino, pela edição da cobertura da pandemia do novo coronavírus.

“Nunca fiz uma cobertura tão difícil, porque nunca foram tantos dias tão intensos”, diz Luciana Coelho, editora do Núcleo de Cidades. A equipe de cerca de 20 pessoas praticamente triplicou, se considerados remanejamentos, repórteres especiais que se voltaram para o assunto e correspondentes.

Além de filtrar o que é mais relevante no meio de um bombardeio de informações, muitas delas falsas, a edição teve (e ainda tem) que ficar conectada 24 horas por dia, atenta a decisões de outros países, novas vacinas e desdobramentos de testes, na tentativa de traduzir para o leitor um evento de escala global permeado pelo tempo particular da ciência, mais demorado que o do jornalismo.

O prêmio na categoria Serviço foi para a equipe de Grana, editoria de economia do Agora, pela cobertura do auxílio emergencial. Em 2019, a editoria também levou o prêmio pela cobertura da reforma da previdência no Senado.

Foram mais de 120 reportagens sobre o auxílio, segundo Cristiane Gercina, coordenadora-assistente de Grana, a maioria voltada para serviço e atendimento ao leitor.

Cristiane ressalta que, para além do serviço, outro mérito da equipe foi trazer os rostos e problemas do leitor para as páginas do jornal, mostrando as filas nas agências da Caixa de madrugada, por exemplo, e atendendo demandas sobre fraudes, golpes e atrasos no pagamento. “Isso faz com que o leitor perceba que nosso trabalho não é só de passar informação, mas de atendê-lo e ajudá-lo”, diz.

Na categoria Arte, os vencedores foram Adriana Mattos, Bruno Benevides e Tatiana Harada, responsáveis pela infografia que explicou ao leitor da Folha o funcionamento das eleições nos EUA.

Com o mundo atento ao país e aos pormenores de um processo eleitoral colocado em dúvida por um dos lados da disputa, o leitor encontrou do funcionamento do Congresso americano ao horário de fechamento das urnas em cada um dos 50 estados no espaço de uma página do jornal.

Adriana Mattos, coordenadora do Núcleo de Imagem, ressaltou como o trabalho integrado à editoria de Mundo e a simplicidade do material apresentado foram decisivos para o resultado final. “O grande desafio do infografista é passar a informação da maneira mais clara possível. Ainda mais com o uso dos celulares, a simplificação das coisas ganhou espaço de novo”, diz.

Enquanto os vencedores das outras categorias buscavam traduzir a temperatura alta do noticiário em regime de home office, o ganhador da categoria Imagem não tinha outra opção senão chegar perto do fogo, literalmente. O vencedor foi o fotógrafo Lalo de Almeida, com seu registro de uma onça-pintada durante os incêndios que devastaram o Pantanal.

Onça-pintada descansa em área queimada às margens do rio Três Irmãos, no Pantanal
Onça-pintada descansa em área queimada às margens do rio Três Irmãos, no Pantanal - Lalo de Almeida - 13.set.2020/Folhapress

Lalo conta que navegava em um afluente do rio Cuiabá, próximo a Porto Jofre (MT), região procurada por turistas para observação dos felinos. Nas margens, poucas onças deram as caras. Essa, no entanto, pareceu posar para a foto justamente num espaço aberto da vegetação queimada antes de desaparecer mata adentro.

O registro foi feito na terceira de quatro viagens ao bioma, onde Lalo viu fauna e flora serem engolidas pelo fogo que transformou a paisagem. “A concentração de focos de incêndio e fumaça fazia com que a luz ficasse diferente, o olho se adaptava a um mundo que parecia todo amarelado”, conta.

A cor amarela marcou outro premiado de 2020. Na categoria Especial, venceu o caderno “O que foi a Ditadura”, de Fábio Zanini, Fernanda Giulietti, Priscila Camazano, Edson Sales e Paula Lago, que recuperou, na capa, a cor amarela usada na campanha pelas diretas nos anos 1980.

Publicado em junho, o especial trouxe reportagens que mostraram os impactos do regime por diversos ângulos, em um momento do país em que a defesa do autoritarismo ganhava tração sob a batuta do presidente, eleito democraticamente.

“A Folha entendeu, naquele momento, que era preciso fazer uma defesa da democracia que não ficasse apenas em editoriais ou artigos”, diz Zanini, repórter especial.

Considerando que mais da metade dos eleitores atuais eram muito jovens ou não eram nascidos na ditadura, o especial foi publicado junto à campanha publicitária em defesa da democracia e a um curso online sobre o período. “A ideia do caderno era que fosse bastante didático, informativo e voltado às novas gerações”, afirma Zanini.

A comissão julgadora do Prêmio Folha de Jornalismo 2020 é formada por Fábio Haddad, secretário-assistente de Redação da Folha e responsável do Agora, Flavia Lima, ombudsman, Antonio Manuel Teixeira Mendes, superintendente do Grupo Folha, e as colunistas Angela Alonso e Cecilia Machado.

Além dos prêmios, a comissão concedeu menção honrosa à cartunista Laerte pelo “seu trabalho de excelência como chargista e sua voz atuante e corajosa na defesa da igualdade e de temas sociais”.


O bom jornalismo que era fake news para bolsonaristas

Quem entrasse no Twitter na quinta-feira, 23 de abril de 2020, provavelmente seria levado, pelo algoritmo, a tuítes de personalidades bolsonaristas que acusavam a Folha de praticar fake news ao noticiar o pedido de demissão do então ministro da Justiça Sergio Moro.

O influenciador Leandro Ruschel escreveu: “Parece que tivemos mais uma barrigada da imprensa. Moro não pediu demissão”.

Bernardo Küster, blogueiro bolsonarista, cravou: “Moro fica. Mídia mentiu”.

Já o economista conservador Rodrigo Constantino: “Parece que é fake news uma vez mais! Atitude um tanto irresponsável da Folha, mexe nos mercados, faz a garotada do MBL já babar de felicidade em live, veretes estourarem champanhe cara e tudo! Mas Moro fica, gente. E a narrativa das milícias digitais vai por água abaixo”.

Foram horas em que a Folha esteve sob ataque. O título original da reportagem descrevia de forma precisa o que aconteceu: “Moro pede demissão após troca na PF, e Bolsonaro tenta reverter”.

Nas redes, os fatos não importam tanto, e sim a narrativa, e o núcleo duro do bolsonarismo agiu para impor a sua. A permanência de Moro era essencial para a manutenção do discurso lava-jatista de combate à corrupção.

No entanto, no dia seguinte, quem caiu no conto fácil das redes sociais se deu mal. O presidente Jair Bolsonaro exonerou Mauricio Valeixo da Polícia Federal, movimento crucial para Moro entregar o cargo horas depois, em discurso transmitido em cadeia nacional.

Inspirada em um tuíte do jornalista Filipe Coutinho, a Folha criou uma thread (sequência de tuítes) no Twitter para responder um a um aos bolsonaristas com a mensagem: “não era fake news, era jornalismo”.

Além dos três já citados neste texto, o jornal também mencionou o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), o perfil Família Direita Brasil, o blogueiro Allan dos Santos, o artista Roger Moreira, a influenciadora Sara Winter, o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ), a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), Pedro Albuquerque, CEO do TradersClub, e Rafael Ferri, também do TradersClub.

“Esse é o melhor segue o fio da história do Twitter”, respondeu Matheus Reges. “Bravíssimo, Folha! O bom jornalismo respira”, comentou Darino Sena.

O primeiro post da sequência é o tuíte com mais interações da história da Folha na rede social, com mais de 100 mil ações.

Neste caso, como em muitos outros, o jornalismo venceu a narrativa. (Mateus Camillo)


Grande Prêmio Folha de Jornalismo

Vencedor: “O furo da demissão de Moro”
Autor: Leandro Colon
Data de publicação: 24.abr.2020
Veículo: Poder/Folha de S.Paulo

Reportagem

Vencedor: “Subnotificação de mortes por Covid-19”
Autores: Leonardo Diegues, Flávia Faria, Diana Yukari, Fábio Takahashi, Luciana Coelho
Data de publicação: 14.mai.2020
Veículo: Cotidiano/Folha de S.Paulo

Edição

Vencedor: “Novo coronavírus assola o Brasil”
Autores: Luciana Coelho, Mariana Versolato, Jairo Marques, Paula Leite e Juliana Coissi
Coautor: Beatriz Izumino
Data de publicação: 1º.abr.2020
Veículo: Saúde/Folha de S.Paulo

Serviço

Vencedor: “Cobertura do auxílio emergencial”
Autores: Laísa Dall’Agnol, Ana Paula Branco, Clayton Castelani, Cristiane Gercina e Havolene Valinhos
Coautores: Luciana Lazarini, Laíssa Barros, Lucas Castilho, Larissa Teixeira, Rubens Rana e Max Francioli
Data de publicação: 28.mar.2020
Veículo: Grana/Agora São Paulo

Arte

Vencedor: “Eleições nos EUA 2020”
Autores: Adriana Mattos, Bruno Benevides e Tatiana Harada
Data de publicação: 1º.nov.2020
Veículo: Mundo/Folha de S.Paulo

Imagem

Vencedor: “Onça/Pantanal”
Autor: Lalo de Almeida
Data de publicação: 15.set.2020
Veículo: Primeira Página/Folha de S.Paulo

Especial

Vencedor: “Ditadura”
Autores: Fábio Zanini, Paula Lago, Priscila Camazano, Edson Sales e Fernanda Giulietti
Coautores: Victor Parolin, Jasmin Endo Tran, Thea Severino, Irapuan Campos
Data de publicação: 28.jun.2020
Veículo: Especial/Folha de S.Paulo

Menção Honrosa

Laerte
A comissão do Prêmio Folha concedeu menção honrosa a Laerte. Seu trabalho de excelência como chargista e sua voz atuante e corajosa na defesa da igualdade e de temas sociais fizeram dela uma referência dentro e fora da Redação.

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